Crise atinge instituições de ensino superior em Juiz de Fora
Substituição de professores, redução no quadro de funcionários e mudança nos cursos são problemas apontados
As instituições de ensino superior da rede privada têm sentido os impactos diretos da crise econômica. Investir na graduação tem sido um sonho cada vez mais distante para muitos brasileiros. O país soma cerca de 13 milhões de desempregados e mais de 60 milhões de consumidores inadimplentes, conforme dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da Serasa Experian, respectivamente. Em Juiz de Fora, cidade considerada polo educacional, as faculdades particulares enfrentam uma realidade desafiadora: manter a qualidade do ensino e atrair novos alunos em meio à necessidade de reduzir custos. Para isso, têm adotado soluções como a otimização de processos internos, o parcelamento para o pagamento facilitado das mensalidades e o aumento da utilização de plataformas de ensino à distância (EAD). No entanto, há casos em que os cortes atingiram o quadro de funcionários causando demissões em massa. Por outro lado, os alunos também têm sido afetados, como no caso dos estudantes do curso de Direito da Estácio de Sá, que iniciaram o segundo semestre nesta semana com problemas na oferta de disciplinas obrigatórias. A instituição estaria estabelecendo o número mínimo de 25 alunos para abertura de turmas.
Em julho, cerca de 60 professores da Universidade Salgado Oliveira (Universo) foram desligados da instituição, conforme informações do Sindicato dos Professores de Juiz de Fora (Sinpro-JF). “Essa demissão em massa representa mais de 50% do quadro de funcionários”, destacou a coordenadora-geral do sindicato, Maria Lúcia Lacerda. Procurada pela Tribuna, a assessoria da Universo informou, em nota, que “está passando por uma reestruturação. Algumas mudanças foram necessárias para que continuemos a levar ensino superior de qualidade para todos os nossos alunos, que é nosso maior compromisso. Garantimos que nenhum aluno será prejudicado nesse processo.”
Esta não foi a primeira vez que instituições de ensino superior da rede privada realizaram um número significativo de demissões na cidade. Em dezembro do ano passado, a Estácio de Sá demitiu 30 funcionários, metade dos desligamentos ocorridos em dezembro de 2017, quando o corte atingiu 60 trabalhadores. Em entrevista à Tribuna, a diretora da Estácio em Minas Gerais, Márcia Mota, explicou que os desligamentos fazem parte de “um processo natural e de uma adequação da empresa às necessidades do mercado e demandas de cursos”.
Dificuldades financeiras também foram enfrentadas pelo Instituto Metodista Granbery. Em abril deste ano, pais e alunos se reuniram em protesto para pedir o pagamento dos salários atrasados dos professores da faculdade. Na ocasião, a instituição reconheceu a situação, lamentou o ocorrido e informou que trabalharia de forma contínua para evitar futuros atrasos. “Todos nós formamos, juntos, uma equipe que, de mãos dadas, temos vencido os desafios e impossibilidades que o cenário nacional nos apresenta”, destacou a assessoria.
Fies
Na avaliação de Maria Lúcia, a situação reflete as novas regras previstas pela reforma trabalhista, em vigor desde 2017. “A gente percebe que isso vem sendo impulsionado pela reforma, que foi feita com o pretexto de que aumentaria os postos de trabalho, mas na verdade tem gerado um caos absoluto e crescimento do desemprego. O texto abre possibilidade de trabalho intermitente e autônomo, o que provoca o sucateamento das condições de trabalho. Essa reforma impulsiona as instituições a fazerem esse processo de demissões, e a substituir os professores por outros profissionais com contratos de salários mais baixos.”
A crise que atingiu o Financiamento Estudantil (Fies), programa do Governo federal para financiar a graduação de estudantes de baixa renda, é outro agravante da situação enfrentada pelas instituições de ensino. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), mais de 500 mil alunos estão com atraso no pagamento das prestações. O saldo devedor ultrapassa R$ 11 bilhões. Por conta disso, o prazo para a renegociação das dívidas foi estendido para até 10 de outubro.
Estudantes reclamam de falta de oferta de disciplinas
cupação dos estudantes do curso de Direito da Estácio de Sá é com a oferta de disciplinas mínimas previstas para este período de 2019. Isto porque a instituição estaria estabelecendo o número limite de 25 alunos para abertura de turmas, impossibilitando a oferta destas matérias.
Segundo a estudante do sexto período, Diná Guimarães de Faria, em reunião na manhã desta terça-feira (6), os alunos se mobilizaram para um abaixo-assinado, tendo alcançado cerca de 40 assinaturas. Além disso, os alunos estariam se organizando para entrar com reclamações na Agência de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon/JF) e, se necessário, articular uma ação judicial. Ainda de acordo com Diná, a Estácio teria justificado a situação como uma “mudança de cultura”, entretanto, a estudante afirma não ter recebido maiores informações antes da alteração.
“A instituição coloca no contrato que a Estácio pode não oferecer determinadas disciplinas ou oferecer em turnos diferentes, em função de uma decisão dela, mas ela nunca foi clara sobre essa argumentação. Como é contrato de adesão, ela coloca algumas cláusulas que não tem como discutir. Você assina o contrato para poder fazer seu curso. São coisas plenamente discutidas em relação ao Código de Defesa do Consumidor, porque o contrato de adesão não pode ter cláusula abusiva e, na verdade, o que estão fazendo é isso. Eles não informaram, em nenhum momento, que deveria haver um quórum mínimo. Eles disponibilizaram disciplinas para nós nos matricularmos, e aí, agora, quando viemos assistir a aula, simplesmente não tem (a matéria) porque estão aguardando para ver se vai ter os 25 alunos”, explica.
De acordo com a aluna, os estudantes estariam considerando a possibilidade de transferência para outras instituições de ensino. Eles acreditam que o argumento de “mudança de cultura” seria, na realidade, uma questão financeira. “Nós sabemos que a mudança de cultura que teve na Estácio é a seguinte: o pedagógico não interessa, o que interessa é o financeiro. Tem aluno que pague aquele professor? Vai ter turma. Não tem aluno que pague o professor? Então não tem turma.” A estudante deveria cursar, neste semestre, seis disciplinas, entretanto, apenas duas foram confirmadas.
O problema na oferta de disciplinas estaria afetando os alunos de diferentes períodos. As mudanças para este semestre podem, inclusive, atrasar a conclusão do curso, como apontado pela estudante do sétimo período, Iara Delgado. Duas das disciplinas obrigatórias que ela deveria cursar neste semestre estão apresentando problemas, e uma delas só é oferecida no turno da noite. “Para mim, vai atrapalhar bastante porque trabalho à noite, então não posso fazer. Vou ter que deixar essa matéria para o próximo período, isso se abrir pela manhã.”
A aluna do quarto período de Direito, Juliana da Costa Klein, passa por situação semelhante. De cinco matérias que está matriculada, apenas duas estão com as aulas confirmadas, sendo uma delas no período noturno, também diferente do qual ela faz parte. “Se nós estamos de manhã, é porque não temos condições de estudar à noite”, aponta. Ainda segundo Juliana, o impacto para os estudantes também é financeiro. “Nós estamos pagando as matérias – um valor muito alto -, e não estamos tendo aulas dessas matérias, porque estão falando que tem que ter 25 alunos, e elas não chegam a esse número.”
Resposta
Sobre os problemas relatados pelos alunos do curso de Direito, a Estácio afirmou, em nota encaminhada à Tribuna, que “as mudanças foram amplamente comunicadas pelos coordenadores de curso, que estão à disposição para sanar as dúvidas dos alunos.” A instituição ainda destacou que a Pró-Reitoria de Graduação do curso está disponível para quaisquer esclarecimentos, e destacou que a organização das turmas está condicionada ao término do período de matrículas, que ainda encontra-se aberto.
A instituição também ressaltou que “não há obrigatoriedade do aluno matriculado em um determinado horário cursar disciplinas em outro”, e garantiu que todas as disciplinas estarão disponíveis nos diferentes turnos, de acordo com o respectivo semestre. Conforme a instituição, “as mudanças foram realizadas justamente para facilitar a vida dos alunos, que terão mais liberdade para organizar a grade disciplinar com a garantia de que o curso será todo oferecido no tempo estabelecido.”
Ainda por meio de nota, a Estácio de Sá informou que a “oferta de disciplinas por créditos já é uma prática da instituição, pois existe a opção do aluno cursar disciplinas à frente do período dele. A partir deste semestre, a Estácio investiu na ampliação da flexibilidade curricular. Com isso, as disciplinas passam a ser ofertadas de forma personalizada, de acordo com as necessidades de cada aluno, a fim de promover networking e experiências entre discentes de diferentes cursos e períodos.”
Sindicato das instituições defende readequação
O Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino (Sinepe/Sudeste) reitera que o aspecto econômico do país é um dos principais fatores que têm afetado as instituições de ensino da rede privada, segundo o presidente da entidade, Flávio Dani Franco. Para o representante da categoria, o quadro atual é “desanimador”, sem sinalização de perspectivas de melhora. Entretanto, a situação tem impactado o ensino superior presencial em todo país. Conforme Franco, Juiz de Fora têm sentido as consequências devido ao alto número de instituições em funcionamento. “São instituições sérias, comprometidas com resultados, mas que, infelizmente, estão passando por esse momento difícil porque não há uma questão econômica que viabilize, hoje, a manutenção desses cursos.”
Desta forma, conforme o presidente do Sinepe/Sudeste, a situação impõe uma necessidade de readequação. “É importante destacar que ninguém está dispensando professores ou o corpo administrativo por vontade própria ou para aumentar resultados. Está se tornando uma questão de sobrevivência: você se adequar à realidade do mercado, hoje, para você manter a instituição presente, prestando o serviço na área de educação para poder, ainda, manter essa qualidade tradicional e reconhecida em Juiz de Fora e toda região”, afirma Franco.
Diálogo
O Sinepe/Sudeste defende o diálogo entre todas as categorias envolvidas. “Acredito que é um momento que teríamos que fortalecer essa parceria, entre o patronal, entre os professores e entre o sindicato dos auxiliares, para juntos encontrarmos a melhor solução para esse momento que estamos atravessando”, diz Franco. “Nós estamos tentando um diálogo entre Sinepe e Sinpro, para as instituições poderem respirar e retomar esse mercado, mantendo os empregos, a qualidade de ensino e a empregabilidade, mas é necessário que haja essa parceria e esse entendimento entre as categorias.
EAD surge como alternativa para enfrentar a crise
Na busca por soluções, as instituições particulares de ensino superior criaram diferentes estratégias. A ampliação do uso da plataforma EAD tem sido a principal delas. O Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES-JF) optou por oferecer parte das disciplinas dos cursos existentes, que até então eram presenciais, no modelo a distância, a partir deste segundo semestre. Procurada pela Tribuna, a assessoria da instituição não quis se manifestar sobre o assunto.
De acordo com a assessoria do Instituto Metodista Granbery, para enfrentar os reflexos da crise econômica, têm sido adotadas estratégias de gestão interna e otimização no uso de equipamentos. Tais medidas estariam contribuindo na economia das despesas com insumos como papéis. Apesar de não ter sido mencionado como ferramenta para redução de cursos, o sistema EAD também é bastante utilizado. Atualmente, o Granbery oferece dez cursos de graduação presencial e 24 à distância. Com relação à pós-graduação, são cinco presenciais e 15 pela plataforma.
A diretora da Estácio em Minas, Márcia Mota, afirma que a modalidade tem sido responsável pela atração de alunos em tempos de crise. “Temos mais de 70 polos de ensino a distância em Minas. Estamos crescendo muito no EAD. A proposta da Estácio é crescer cada vez mais a educação. A forma como vamos atender vai depender do que o mercado sinalizar. Se for por mais oferta de cursos flex, ofertaremos mais flex. Se for em EAD, ofereceremos mais EAD.” A Estácio oferece 21 cursos presenciais, 42 na modalidade EAD e 11 na modalidade flex.
Márcia destaca que, para enfrentar a crise, vários soluções estão sendo desenvolvidas. “Investimos em plataformas digitais de atendimento, reduzimos o volume de prestadores de serviços e renegociamos os contratos. Também adotamos ferramentas para nos ajudar em programas de fidelidade e fizemos melhoria na parte de crédito e cobrança”, pontua. “A educação no Brasil, como um todo, tem sentido os reflexos da crise. O setor possui forte correlação com o desempenho econômico, sobretudo o nível de emprego, a confiança dos consumidores e o endividamento das famílias. Apesar do cenário desafiador, estamos confiantes que existe uma recuperação em curso, ainda que lenta.”