‘A gente não pode se render’, diz a professora e ativista Anielle Franco
Desde o dia 14 de março de 2018, paira sobre o país a dúvida: quem matou Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes? Notória defensora dos direitos humanos e das minorias e vereadora pelo PSOL no Rio de Janeiro, Marielle foi assassinada a tiros quando retornava do evento “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, na Rua dos Inválidos, na Lapa, no centro carioca. Além de conviver com a dor da perda da irmã e a indignação da falta de respostas sobre o crime, a professora Anielle Franco se viu ocupando um lugar de destaque na militância, papel que já ocupava, mas que cresceu vertiginosamente com a execução de Marielle. Em entrevista à Tribuna, falando de Paris, Anielle conta sobre sua trajetória nos movimentos sociais. “Esse lugar eu sempre tive, só que com menos visibilidade. Trabalho com isso desde os 16 anos, mas não na linha de frente, ficava no backstage, nos bastidores. Mas foi uma situação muito diferente”, diz ela, desculpando-se pela “voz gripada”, que atribui ao frio de 3 graus negativos da capital francesa, e à diversidade climática dos tantos lugares em que tem estado para falar sobre a sua luta e sobre o legado da irmã.
Na próxima quinta-feira (8), Anielle estará em Juiz de Fora, integrando o evento “Sororidade e Resistência – enfrentamento às violências contra a mulher na universidade”, das 14h às 21h, no anfiteatro Christiano Degwert, na Faculdade de Engenharia. Além de ser um momento de resistência, a iniciativa tem ainda um significado simbólico, já que foi organizado pelo Coletivo Marielle Franco, projeto de extensão da UFJF. “O legado da Marielle vai além do que a gente pode imaginar, é enorme, é lindo. Transcende qualquer limite”, comenta Anielle. De fato, o “Efeito Marielle” impactou inclusive o último pleito, elegendo quatro deputadas ligadas diretamente à ex-vereadora: Renata Souza, Dani Monteiro e Mônica Francisco para a Alerj, e Talíria Petrone para a Câmara Federal, todas pelo PSOL . “A vitória de as meninas terem sido eleitas foi muito boa, algo muito significativo. Elas vão ter muito trabalho, mas isso foi muito importante”, analisa Anielle.
Mesmo recebendo ameaças de desconhecidos nas redes e nas ruas, Anielle não apenas continuou seu envolvimento no ativismo social, mas o ampliou, em ações como o lançamento do projeto “Papo Franco”, que visa a formar mulheres para o protagonismo político, tendo a trajetória da vereadora do PSOL como exemplo. A iniciativa é promovida entre a população de comunidades carentes, e Anielle já vibra com os resultados. “O retorno positivo tem sido impressionante: a procura de pessoas que querem conhecer o projeto, as meninas que participam dele contando como suas vidas mudaram… Não tem preço receber este tipo de retorno”, avalia.
Em sua vinda a Juiz de Fora, Anielle, mestra em letras e jornalismo, falará na mesa “O que a Maré nos ensinou”, sobre sua luta e a trajetória da irmã, “mulher, negra, mãe e cria da favela da Maré”, como gostava de se identificar. Na entrevista, ela dá um “spoiler” do papo. “A Maré tem muita coisa a nos dizer, principalmente em relação à violência, porque lá é como se fosse uma selva, principalmente para as mulheres. Acontecem coisas que a gente duvida de fora, mas que na Maré a gente sabe que existe”. O seminário do qual Anielle participa na UFJF é aberto à comunidade, e as inscrições podem ser feitas até o dia do evento, pelo link http://bit.ly/sororidadeeresistencia estando a entrada sujeita à capacidade do anfiteatro. A programação completa e outras informações podem ser checadas na página do Facebook do Coletivo Marielle Franco (facebook.com/pg/coletivomariellefrancoUFJF).
Tribuna – Nas suas falas pelo mundo carregando o legado de Marielle, o que você tem observado na questão de violência de gênero e suas interseccionalidades?
Anielle Franco – Está crescendo demais, e confesso que estou um pouco assustada. Um pouco não, bastante assustada com o que está acontecendo, ainda mais agora, no Brasil. Quero crer que a gente vai ficar bem e que isso vai diminuir, mas não estou vendo muita luz no fim do túnel.
– Você já falou publicamente sobre as agressões que tem sofrido desde a execução de Marielle. O que a motiva a continuar resistindo?
– O que faz a gente seguir é saber que a gente pode mudar a vida das pessoas que vão vir depois, pelo menos. Das gerações futuras e principalmente da minha filha, dos meus alunos e alunas. Eu não consigo agora dar um passo atrás, não tem como dar um passo atrás. Tem que ser adiante, tem que ser pra frente, tem que ser focando no que a gente tem de melhor, que é lutar. Mas de maneira digna, não disseminando ódio e violência por todo o país.
– Que possibilidades de resistência e enfrentamento você vê agora para as mulheres em geral e partindo também do seu lugar específico de fala, como mulher, mãe, negra, militante e irmã de Marielle?
– Para as mulheres, no geral, nada nunca foi fácil e agora vai continuar sem ser, muito mais, com os desafios que a gente vai enfrentar. Mas eu não sei te responder ao certo, porque temos que esperar para ver se de fato esse governo vai ser tão cruel como a gente imagina que seja, ou se a gente vai poder continuar resistindo do jeito que a gente tem feito hoje, indo pra rua, fazendo trabalho social… É isso que temos que poder continuar fazendo: resistir junto, se unir mais do que nunca, e sempre procurar se informar bem, para evitar que “fake news” provoquem um racha.
– O que você acredita que Marielle estaria fazendo na conjuntura atual se não tivesse tido a vida roubada?
– Ah, cara… Se ela estivesse aqui, com certeza estaria na linha de frente de todas as manifestações, todas, todas, todas! Estaria fazendo um trabalho que ela já fazia, e tenho certeza de que foi por isso que eles ‘pararam’ ela. O que me dá força para continuar resistindo? Ela, minha família, minha filha, principalmente… e saber que esse lugar de fala agora é importante para inspirar outras meninas, outras pessoas, para que a gente não fique esquecida pelo meio do caminho, porque não é isso que a gente quer. Eles tentam apagar toda nossa história, nossa memória, tudo, mas a gente não pode se render. Fora que a pessoa que é da favela e já sofreu tanto na vida não vai se abater por qualquer coisa.