Duas mulheres são vítimas de assalto em JF por dia
Polícia Militar registrou 767 assaltos contra vítimas do sexo feminino ao longo de 2017. este ano, somente entre janeiro e abril, já foram 136 ocorrências. Celulares e bolsas são os alvos preferidos dos assaltantes
Eram quase 21h, quando uma professora, de 34 anos, desembarcou do ônibus em um ponto na Avenida Juscelino Kubitschek, na altura do Bairro Francisco Bernardino, na Zona Norte. O local, apesar de bem iluminado, estava deserto. Acostumada a passar por ali com certa frequência, ela não teve medo. Olhou para os lados e viu que não havia mais ninguém. Sentiu segurança para continuar seu trajeto. Após avançar alguns passos, reparou que um homem atravessou a avenida, vindo a caminhar a poucos metros à sua frente no sentido contrário. Ao se cruzarem, a professora abaixou a cabeça e viu que o desconhecido nem a olhou. Sentiu um novo alívio para seguir. Todavia, quando já tinha dado mais alguns passos, sentiu um solavanco. O homem voltou correndo e enfiou seu braço nas alças da bolsa que ela levava. O estranho conseguiu retirá-la da posse da professora. Assustada, a mulher começou a gritar. Nesse momento, o homem voltou e a empurrou ao chão, numa tentativa de calá-la. Em seguida, correu, desaparecendo na linha férrea. A vítima perdeu cerca de R$ 150, o celular e todos os documentos e ganhou alguns arranhões pelo braço.
Esse episódio de violência mudou a vida da professora, que precisou fazer tratamento psicológico para superar o trauma. Até hoje, ela não se sente segura para caminhar sozinha, além de buscar o rosto do ladrão a cada desconhecido que encontra pelas ruas, principalmente quando anda só. A história dela é semelhante à de muitas outras mulheres, uma vez que, em Juiz de Fora, duas vítimas do sexo feminino são alvo de criminosos por dia, como mostra levantamento da Polícia Militar realizado a pedido da Tribuna. Segundo a corporação, foram 767 assaltos somente contra mulheres em 2017. Só este ano, entre janeiro e abril, 136 casos já foram computados. Apesar do alto número registrado nos 12 meses do ano passado, ele é 19% menor do que o total de 2016, quando 954 ocorrências chegaram à PM.
Nos últimos meses, ao acompanhar boletins policiais, a Tribuna percebeu que a frequência dos assaltos voltou a ocorrer. Em março, por exemplo, num único fim de semana, seis mulheres estiveram na mira de criminosos. Na maioria das ocorrências que se tornou reportagens da Tribuna este ano, os celulares e as bolsas foram os alvos preferidos dos assaltantes, que, em algumas ocasiões, usaram faca ou arma de fogo para intimidar suas vítimas. No início de maio, três mulheres, em bairros diferentes, foram roubadas por homens ocupantes de motocicletas. Elas estavam em via pública, quando foram surpreendidas e ameaçadas pelos bandidos. Comum em muitos casos noticiados pelo jornal foi a prática desse delito em pontos de ônibus, assim como ocorreu com a personagem que abre essa reportagem. “O sentimento que fica, além da vulnerabilidade, é um medo paralisante nos dias que se sucedem ao assalto e, depois, a desconfiança. Passar a olhar as pessoas com medo. Ter o temor de estar em certos lugares. São sentimentos que começam a fazer parte da rotina. É como se nossa autonomia fosse roubada também”, desabafa a professora, que prefere não ter o nome divulgado.
Os crimes, como é possível constatar nas ocorrências, não têm horários específicos para acontecer, assim como locais. Se a professora foi vítima durante o período da noite, num local deserto, recentemente, uma auxiliar de serviços gerais, 34, também foi jogada no chão ao ser abordada por um assaltante, no interior de uma agência bancária, na Avenida Rio Branco, na região central, nas primeiras horas da manhã, por volta das 7h. O caso foi registrado no último dia 9. Ela contou que realizava um saque no caixa eletrônico, no valor de R$ 140, quando notou a presença do suspeito. Quando o dinheiro foi liberado do equipamento, o homem aproximou-se dela e a jogou no chão. Ele retirou o dinheiro da mão dela, dizendo: “Perdeu”. Em seguida, o assaltante saiu correndo pela Rua Santa Rita. Pelas câmeras do Olho Vivo, a PM conseguiu monitorar a fuga do ladrão, que chegou a embarcar em um táxi. Ele desembarcou próximo à ponte do Manoel Honório, deslocando-se pela Avenida Governador Valadares. Diversas viaturas policiais foram acionadas, com o objetivo de localizar o suspeito. Ele foi capturado no momento que tentava embarcar em um ônibus, sendo preso em flagrante.
Nesta segunda-feira (18), uma mulher, 26, foi vítima de assalto, e dois homens, de 18 e 32 anos, foram presos. A dupla é suspeita de ter assaltado a moça, na Avenida Francisco Bernardino, por volta de 21h30, no Centro. A dupla roubou a bolsa da vítima, e pessoas que passavam pelo local tentaram perseguir os assaltantes, mas um deles apontou uma arma para os transeuntes. A dupla fugiu correndo, mas foi capturada depois de perseguida por policiais militares. Eles foram reconhecidos pela mulher roubada, que informou aos policiais que os suspeitos trocaram de blusa após o crime. A bolsa da vítima foi encontrada, na Rua José Calil Ahouagi.
Descuido da vítima contribui para ocorrência de crime
No senso comum, as mulheres são consideradas mais frágeis e, talvez por isso, sejam as vítimas preferidas dos assaltantes. Mas, para a Polícia Militar, é a oportunidade que incentiva o ladrão. De acordo com o assessor organizacional da 4ª Região da PM, major Jovanio Campos, três fatores circunstâncias são favoráveis à ocorrência do delito. “O primeiro é o agente, que é o infrator, que sai de casa com a pretensão de assaltar. O segundo é a ausência de vigilância, e o terceiro é o descuido da vítima”, ressalta o militar. Ele explica que a distração das pessoas se dá em diversas circunstâncias, a mais comum, por exemplo, é deixar algo de valor dentro de um veículo estacionado, como um notebook no banco da frente. “O criminoso quer roubar qualquer material para trocar em alguma coisa. Então, ele vê nessa situação uma oportunidade. Ele vai pegar uma pedra e quebrar o vidro, principalmente, se perceber que no local não tem policiamento. Tudo isso contribui para a pessoa tornar-se vítima, pois o ladrão quer cometer o delito da maneira mais fácil que encontrar”, afirma o major.
Um dos casos mais graves registrados até agora neste ano aconteceu em abril, quando a casa de uma idosa, de 76 anos, moradora da região Nordeste da cidade, foi invadida por um criminoso. A vítima estava sozinha e, depois de ser assaltada, foi estuprada pelo ladrão. O homem estava armado com uma faca e chegou a passar a lâmina no rosto da idosa. Na tentativa de afastar a faca de sua face, ela acabou cortando as suas mãos. Para o delegado Rafael Gomes, que atualmente está à frente da 3ª Delegacia de Polícia Civil, mas permaneceu cerca de um ano e meio como titular da Especializada de Repressão a Roubos e é especialista em análise criminal, em casos como o dessa idosa, pode ser que haja algum tipo de planejamento. “Quando se tratam de roubos em locais específicos, como um estabelecimento, pode haver premeditação. Neste sentido, as mulheres também estão na mira. No ano passado, nossa Especializada prendeu um assaltante que roubou sete padarias. Em todas elas, no momento do crime, os funcionários eram mulheres. Em seu depoimento, o autor confessou que procurou pelas padarias onde havia mulheres no atendimento por, devido à compleição física, considerá-las mais frágeis”.
Nos casos que acontecem contra pedestres, ele pontua que os autores agem quando encontram facilidade. “Isso se dá quando a vítima está distraída. É fato que optam pelas mulheres por enxergarem nelas uma maior fragilidade e uma ausência de reação, o que não é a realidade, pois há casos em que elas reagem. Eles se valem da oportunidade e da facilidade e não escolhem uma vítima pré-determinada. Já ouvi depoimentos de autores que estavam na rua e só roubaram porque apareceu a oportunidade para o crime.”
Riscos e consequências
No que se refere à mulher, o assessor organizacional da 4ª Região da PM, major Jovanio Campos, ressalta que as vítimas do sexo feminino estão no que os direitos humanos classificam como grupos vulneráveis. “São os mais suscetíveis de ter seus direitos violados, como as crianças, os adolescentes, os idosos e os deficientes. Acredito que a fragilidade é uma das questões que precisam ser levadas em conta, porque o infrator busca a situação que não haverá resistência por parte da vítima. No caso da mulher, ele irá considerá-la vulnerável em razão das suas características físicas. Isso as torna mais vítimas do que os homens”, considera o major.
Ele observa que as pessoas têm o direito de ir e vir e permanecer nos lugares que desejar. Contudo, é preciso que cuidados sejam adotados. “Segundo a Constituição Federal, a segurança pública é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos. Então, posso andar na rua de madrugada, mas é preciso fazer isso de forma responsável. É necessário evitar certos locais ou então o cidadão deve assumir o risco e tem que estar ciente das consequências que pode advir de sua decisão. A Polícia Militar possui recurso finito. Não há um policial para cada cidadão. Não há viaturas para todas as esquinas. Então, na realidade, temos que saber gerenciar os recursos que temos. Como não estaremos em todos os lugares, é preciso ressaltar a responsabilidade de todos no sentido de que possam contribuir também, de sua maneira, para evitar que se tornem vítimas”, avalia o policial, acrescentando:
“Não dá para dizer que não pode andar com celular na rua, mas deve-se considerar onde o celular pode ser usado com segurança. Pode sair de bolsa, mas como andar com ela na rua. O conselho é sempre andar com a bolsa na parte da frente do corpo. Com o celular é a mesma situação. Usá-lo numa rua movimentada, chama a atenção. Ele é um aparelho que tem facilidade para ser trocado. Então, é preciso ter alguns cuidados, que valem para as mulheres, homens, idosos e adolescentes. Essa responsabilidade deve ser para todos.”
Para o delegado Rafael Gomes, a prevenção é ainda a melhor medida, já que esse tipo de delito é de difícil identificação dos autores. “O mais necessário é a atenção, tomando cuidados simples, como não expor celular na rua ou andar com dinheiro ou outros objetos de valor na mão. Bolsa aberta deve ser evitada, assim como devem ser usadas só na parte da frente. Evitar estar sozinho em locais ermos, em ruas desertas e becos para cortar caminho”, alerta o policial. Ele ressalta que, depois de acontecido o crime, jamais a vítima deve reagir. “Temos observado, nos últimos tempos, que os autores estão sempre com faca ou arma de fogo ou apelam para o emprego de violência. Temos observado ainda que grande parte pratica o crime para ter dinheiro para comprar droga e não dá para saber a reação do autor se estiver sob o efeito de entorpecente, o que colocar em risco a vida da vítima”, destaca.
Aplicativo permite mulher acionar socorro mais rápido
Na tentativa de aumentar a segurança para as mulheres, o Governo de Minas Gerais lançou, no início de junho, o aplicativo Alerta MG, que também funciona como ferramenta para fiscalizar o cumprimento de medidas protetivas. O aplicativo permitirá, por exemplo, que possíveis vítimas de violência procurem socorro rápido e seguro. Ele possibilita a criação de uma rede privada de contatos para que a usuária possa, com apenas um clique, acionar as pessoas que ela mesma cadastrou quando vivenciar qualquer situação de risco ou perigo. O app envia um SMS para todos os contatos pré-indicados, anexando a localização georreferenciada e eventual texto redigido pela usuária.
Outra função disponível para mulheres cadastradas pela Polícia Civil, de acordo com alguns critérios previamente definidos, é habilitar um acionamento emergencial, possibilitando a geração de um alerta em uma central de monitoramento com o imediato deslocamento das forças de segurança para o atendimento. A central acompanhará em tempo real o deslocamento da vítima e manterá contato com a equipe que foi direcionada para atualizar as informações. Esta função estará, neste momento, disponível para a capital, e depois será ampliada para o interior.
A chefe do Departamento de Investigação, Orientação e Proteção à Família, delegada geral Carla Cristina Vidal, explicou que o aplicativo terá a função informativa, de prevenção e de combate à violência. “Esta é uma plataforma tecnológica voltada à informação, orientação, prevenção e proteção, bem como a fiscalização das medidas protetivas. É inovador no Estado de Minas Gerais e está em sintonia com a utilização da tecnologia para o combate a qualquer tipo de violência. O maior objetivo é encorajar toda e qualquer mulher a romper com esse ciclo de violência e sair desse silenciamento”, ressaltou Carla Cristina por meio da assessoria de comunicação da Secretaria de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (Sedpac). Todos os usuários poderão encontrar a lista dos locais de funcionamento de serviços públicos ou de interesse público voltados à proteção e orientação à mulher. As informações também irão auxiliar no diagnóstico dos fatores que circundam estes crimes, fomentando, assim, as ações preventivas e políticas públicas adequadas.
O Alerta MG foi desenvolvido com a expertise da Polícia Civil, sendo necessária apenas a aquisição de equipamentos para testes e implementação do projeto piloto, o que demandou investimento de cerca de R$ 45 mil, oriundos de emenda parlamentar. O aplicativo está preparado para receber novas funcionalidades, visando o amplo atendimento, orientação e proteção a mulher.