Saudade, nostalgia, passado
“Jonathan é o masculino, aquilo que eu não sou, aquilo que me falta e aquilo que eu desejo para a minha completude. Ele é exatamente um fato poético desde sempre […], hora em que tudo mais desce à desimportância. Isso é Jonathan para mim.” A explicação é da escritora mineira Adélia Prado, durante entrevista ao programa “Roda viva”, há 20 anos. Jonathan, personagem quase onipresente em suas poesias e prosas, continua sendo um mistério na literatura brasileira e agora inspira outra mineira, a jornalista juiz-forana Mariana Musse, que começa a gravar, nesta sexta-feira (5), seu quarto curta-metragem como diretora. Aprovado pela Lei Murilo Mendes de Incentivo à Cultura, em 2013, “Jonathan” tem inspiração no poema “A criatura”, de Adélia Prado, e mistura ficção a cenas de arquivos de famílias de Juiz de Fora.
O filme narra a história de Lara, uma escritora que vive um momento de tensão por não conseguir lidar bem com seu passado. A trama de 15 minutos se passa na época do Natal, em Juiz de Fora, e mostra como, mesmo estando em contato com outras pessoas, Lara se sente só na cidade e atordoada pelas lembranças de Jonathan. Em uma tentativa de recomeçar sua vida e esquecer o passado, Lara está se mudando de apartamento e vai voltar à casa onde nasceu, no interior.
O curta fala da dificuldade que muitos têm de lidar com o passado. “Isso vem à tona enquanto Lara está fazendo uma mudança de apartamento, mas que poderia ser uma mudança de cidade, de escola, de emprego. Às vezes, os cheiros e objetos de um local que vamos deixar nos levam a fazer viagens às nossas lembranças, de bons e maus momentos vividos”, ressalta Mariana Musse. Nesse contexto, Jonathan representa a saudade, a nostalgia e o passado de Lara.
A diretora enfatiza que o curta-metragem não se trata de uma adaptação, pois não conta necessariamente a mesma história pensada por Adélia Prado. “Os versos estão sendo tirados do seu contexto e da ordem em que foram escritos e pensados pela autora e colocados em uma outra situação de livre interpretação. Um contexto que não necessariamente é o proposto por ela.”
Quem dá vida à protagonista Lara é a atriz juiz-forana Márcia Falabella, que, em 28 anos de carreira, acumula mais de 60 peças teatrais, participações em curtas e no longa-metragem “Zuzu Angel”. “Sou uma atriz essencialmente de teatro. Fiz poucas coisas no cinema. Então é um desafio, até porque o roteiro acabou me surpreendendo. Achei que faria uma participação na parte narrativa. Quando li o roteiro, vi que seria uma responsabilidade muito grande”, conta. “A Mariana (Musse) é uma menina muito sensível. É um prazer muito grande entrar no universo do Jonathan, que sempre representa alguma ausência.”
Realidade e ficção
Para ajudar a construir as lembranças de Lara, sua nostalgia e melancolia ao lembrar de sua infância, de um namorado e de eventos cotidianos de seu passado, a direção do curta realiza uma pesquisa em arquivos pessoais de moradores de Juiz de Fora. Até agora, já foram cedidos ao projeto mais de dez filmes particulares gravados com câmeras Super 8, equipamento comum nas décadas de 60 e 70. Os arquivos de família serão usados em forma de flashbacks ao longo do filme. “É um processo lento e difícil o resgate deste material. Porém, ao mesmo tempo, tem sido interessante ver o que ou quem as pessoas consideravam importantes para serem filmados com suas câmeras. Acima de tudo, é fazer uma viagem a outros hábitos, outros comportamentos, outra Juiz de Fora”, diz Mariana.
As gravações de “Jonathan” seguem até o final do mês, em cenários bem conhecidos da cidade, como a Rua Halfeld e a Praça da Estação. No Bairro Floresta, na região Sudeste, serão gravadas as cenas da casa onde a protagonista Lara nasceu. O lançamento do curta deve ocorrer no início de 2015, e a expectativa é de que a produção seja inscrita em diversos festivais nacionais e internacionais de cinema.