Sport Club comemora 35 anos da conquista no Mineiro de Vôlei
Juiz-foranas bateram o Minas, favorito, diante de milhares de torcedores. A Tribuna conversou com alguns dos protagonistas desse feito e resgatou a importância dessa equipe que influenciou várias gerações
26 de outubro de 1983. Naquela noite, os torcedores fizeram fila para assistir à final do Campeonato Mineiro de Vôlei Feminino e lotaram o ginásio Francisco Queiroz Caputo para ver o Sport conquistar um título inédito sobre o Minas. A taça estava nas mãos dos belorizontinos há duas décadas. O time formado por Dôra, Ana Cláudia, Michele, Valéria, Gisele, Rose, Wania, Edna, Neide, Cristina Trópia, Carla Caniato, Nélia e Elisa e comandado pelo técnico Inaldo Manta venceu por 3 sets a 2, levando a torcida ao delírio. Em um trabalho conjunto de muita garra, jogadoras e comissão técnica entraram para a história do esporte e do vôlei da cidade e influenciaram toda uma geração. Trinta e cinco anos após o feito, a Tribuna reuniu o então auxiliar técnico André Muzzi e as jogadoras Rose Tristão e Wania Sarmento no Sport para relembrar os bastidores da conquista.
Segundo André, nunca uma equipe do interior havia ganhado um campeonato estadual, e o Minas era o favorito ao título. “O Minas não esperava que a gente fosse tão preparado para ganhar. Achava que seria igual a todos os anos, ele era muito superior e veio para cá contando com o título”, conta.
Dôra (ponta), que atualmente mora Curitiba (PR), foi uma das protagonistas da partida. Por telefone, ela contou à Tribuna os rumores antes da final.
“O time do Minas individualmente tinha muito mais atletas da Seleção Brasileira que o nosso. E houve essa conversa antes e durante o jogo, as jogadoras diziam ‘daqui a pouco termina e vamos embora’. Mas eu falei: ‘não será assim, elas terão que jogar muito para ganhar da gente’. Mas isso mexeu com a equipe do Sport, foi uma reação e vencemos.”
No quinto e último set o Minas estava com a vantagem de 4×0 quando o técnico do Sport pediu tempo. Para Rose Tristão (central) esse foi um momento de afirmação da garra da equipe para provar a que veio. “Nesse momento o técnico do Minas (João Crisóstomo) disse que estávamos amarelando e que estava na hora de ganhar o jogo, e a rádio ouviu isso. O Inaldo comentou conosco e ficamos uma feras” conta.
Ginásio vem abaixo
Após duas horas e meia de partida: o último ponto – 15×10, após um erro de ataque do Minas. O ginásio explodiu em festa, até samba-enredo os torcedores cantaram. Até hoje aquele minuto final marca a memória das atletas. “Quando ganhamos não estávamos nem acreditando”, declara a levantadora Wania Sarmento (Waninha). “Foi um carnaval, a gente pulava, o público pulava também e eles invadiram a quadra. Eu só chorava, chorava. E dormi com o troféu naquela noite porque eu não acreditava. Só fomos campeãs mineiras depois de sermos profissionais, quando trouxeram meninas de fora da cidade e elas recebiam ajuda financeira.”
Rose lembra que estava no fundo da quadra no momento em que venceram. “Minha emoção foi maior do que quando ganhei o Sul-americano, pela forma como aconteceu. Na minha vida foi tudo, foi a primeira vez que fomos valorizadas como atletas profissionais”, conta.
Gisele Gávio, irmã de Giovane Gávio, era recém-chegada na equipe e tinha apenas 16 anos, uma das caçulas do time campeão. “Lembro da gente se abraçando em cada ponto e o ginásio lotado parecia que ia vir abaixo. Jogamos com uma torcida muito intensa, participando com a gente. Fomos uma febre na cidade na época”. “Foi uma identidade muito grande com a cidade e a torcida”, comenta Dôra. “Ficou uma imagem que não vimos em nenhum outro time que jogamos, jogar com o coração e a alma, muito além do profissional, jogamos para a cidade, para o time e todos que acreditaram na gente.”
Em 1984, o Sport sacramentou sua superioridade sobre o Minas e foi novamente campeão mineiro. “Após o primeiro título veio a cobrança. No segundo campeonato, virou uma guerra. Foram dois jogos na final, geralmente fazia-se apenas um. Teve um jogo em Belo Horizonte e um em Juiz de Fora e ganhamos os dois. Lá foi uma partida maravilhosa, nunca jogamos tanto, foi 3×0 e eles nem viram a bola. Aqui eles vieram pressionar e a torcida ficou em cima, foi 3×2”, relembra André Muzzi.
Preparação um ano antes
A preparação para a conquista de 1983 começou um ano antes, segundo Wania Sarmento, quando o clube havia começado a investir no vôlei profissional através da iniciativa do diretor Guilherme Sarmento (ex-marido de Wania). “Quando ele começou o projeto não existia trâmite de atleta na época, ele queria pegar metade das atletas do Minas e metade do Flamengo e disse: ‘vamos fazer custe o que custar’. Trouxe jogadoras de Minas, Fluminense e São Paulo, muitas das jogadoras que conquistaram o título vieram de fora da cidade. Em 1984 o Brasil mudou o processo de montar uma equipe de futebol, mas o Guilherme foi um pioneiro nisso”, conta André Muzzi.
Profissionalização, empenho e experiência foram a receita para a vitória. “Fora da quadra, todos os diretores eram ex-atletas do clube, o Jairo Batittuci, Marcus Wandenkolk, Cláudio Temponi e Roque Maron, que era a bandeira maior do clube. Essas coisas combinadas com a vontade do Inaldo de trabalhar muito, tudo veio somar e criou uma atmosfera positiva que não tinha como não acontecer (o título). E todos estavam envolvidos da mesma forma, éramos uma família”, destaca André.
Dôra foi uma das convidadas a integrar o Sport na etapa de profissionalização. Vinda de Ponte Nova (MG), aos 13 anos começou no Mackenzie SC em Belo Horizonte e passou cinco anos no Minas, antes de vir para o Sport. Para ela e outras meninas, a oportunidade era mais do que uma mudança de time, era um recomeço de vida. “Acho que pra cada jogadora a passagem pelo Sport foi um momento especial, para quem veio de fora foi uma mudança de vida. Eu tive a proposta de ir para o Sport no ano em que eu ia me casar e falei que queria mudar de vida e buscar algo novo. Então me interessei pelo desafio de construir esse ano em um lugar em que as pessoas estavam querendo construir um novo projeto. O Minas já tinha tradição, mas não tinha patrocínio como o Sport recebeu da Coca-Cola, caminhando para o lado do esporte como empresa, e isso deu uma motivação muito grande. Foi um time que fez a diferença e conquistou isso.”
Helman Deslandes, que na época era o gestor de departamento, lembra que o voleibol do Sport já nasceu bem forte, “porque a cidade nos abraçou”. “Surpreendemos na qualidade técnica apresentada e com a força de nossa torcida, que nos acompanhava nos treinamentos e nos jogos. Nosso ginásio se entupia de torcedores, chegando a uma marca aproximada de cinco mil pessoas presentes aos jogos”, relembra. Para Helman, 1983 foi um ano de aprendizado, de desenvolvimento e realização profissional. “Surpreendemos na qualidade técnica apresentada”, destaca.
Celeiro de talentos
Para muitas jogadoras, o Sport foi o espaço de início da carreira profissional e um caminho para integrar o esporte nacional. Atleta da Seleção Brasileira infanto-juvenil, Gisele Gávio comenta a importância da passagem pelo clube e como o time motivou as gerações futuras. “O Sport foi onde consegui realmente ganhar títulos importantes, onde pude ter a minha convocação para a seleção e comecei a ter um vislumbre de uma carreira e também uma ambição em nível profissional. Acredito que nós servimos de locomotiva para puxar as jovens que vieram depois, porque era motivador ver a gente jogando, uma equipe que tinha atletas bem entrosadas. Me lembro que a mídia da época considerou nosso time como revelação nacional, fomos uma surpresa para o vôlei brasileiro.”
Márcia Fu, medalhista olímpica, tinha apenas 14 anos quando assistiu ao jogo e se espelhou nas jogadoras da equipe adulta. “A gente pôde se espelhar nas jogadoras boas daquela época, a Dôra, a Michele e tantas outras. Quando se está começando é importante ter uma equipe como exemplo. O Sport foi muito importante para a minha vida, comecei ainda pequena lá na base. Meu primeiro técnico foi o André Muzzi, que para mim é um dos melhores técnicos do Brasil e devo muito a ele e ao clube. Foi uma equipe que me deu todo o respaldo e se não fosse o apoio e a estrutura deles não teria chegado onde cheguei.”
Um gênio de treinador
Durante toda a trajetória do time, o treinador Inaldo Manta foi um dos grandes impulsionadores da equipe. Falecido em 1991, o técnico chegou a comandar a Seleção Brasileira em 1989 e 1991 e é lembrado com carinho pelas jogadoras do Sport. “O Inaldo tinha muita raça e ele passava isso para o time, queria ganhar”, relata Waninha. Dôra complementa: “Ele era um técnico muito competente e inteligente, falávamos que ele era um gênio, ele era criativo, se entregou muito e fez o time render. Tanto que em seguida ele foi convocado para a Seleção Brasileira como técnico e mostrou que ele tinha valor. Ele também era muito amigo, dava conselhos e puxava a orelha como irmão mais velho.”
Tópicos: vôlei