Do futebol de várzea ao Estádio Municipal: o legado de Tarcísio Delgado no esporte de JF
Ex-prefeito, que incentivou diferentes modalidades do esporte durante toda a vida, completaria 90 anos neste sábado
O esporte foi um fio condutor na vida de Tarcísio Delgado. Antes mesmo de se tornar uma das figuras políticas mais influentes de Juiz de Fora, ele já havia encontrado no futebol uma forma de sociabilidade, lazer e identidade. Para além do gestor, havia uma pessoa que acreditava no poder transformador dos campos de várzea, dos clubes de bairro e dos estádios lotados. O ex-prefeito da cidade, que faleceu no último dia 12, completaria 90 anos neste sábado (4).
Como homenagem, a Tribuna trata, em matéria especial, uma das maiores paixões de Tarcísio Delgado: o esporte, com o que o ex-prefeito se manteve próximo em todas as etapas de sua vida. Do menino que cresceu na zona rural de Torreões, onde o futebol era apenas um sonho distante, ao prefeito que viabilizou a construção do imponente Estádio Municipal Radialista Mário Helênio. Para reconstituir essa trajetória marcada pela convicção de que o esporte era sinônimo de inclusão, disciplina e prosperidade, a reportagem ouviu o filho, Júlio Delgado, o sobrinho, Maurício Delgado, e o jornalista Márcio Guerra, testemunhas que viram de perto a caminhada de Tarcísio.

Da zona rural para a urbana: o início da paixão
O filho, Júlio Delgado, conta que a ligação do pai com o esporte surgiu cedo, ainda no campo. “Ele nasceu na Zona Rural de Torreões e, desde pequeno, já demonstrava gosto pelo futebol. No entanto, a vida no campo era dura. Trabalhava diariamente com meu avô nas roças e não tinha muitas oportunidades de praticar esportes. O futebol era mais um sonho distante do que uma realidade possível.”
O destino mudou quando Tarcísio passou a morar nas regiões mais centrais de Juiz de Fora. “Começou nos clubes da Avenida Sete – Sete, São Geraldo, São José – participando de peladas que eram verdadeiras festas comunitárias. Naquele tempo, os campos de várzea eram pontos de encontro da juventude e ali meu pai rapidamente se destacou. Jogava com qualidade, despertava atenção, e chegou a vestir as camisas do Tupynambás, nas categorias de base, e também do Sport, outro grande time da cidade”, completa Júlio.
Conforme conta o filho, foi nesse ambiente de bola nos pés e arquibancadas improvisadas que o pai aprendeu que o futebol podia ser, além de lazer, uma ponte de aproximação entre pessoas e realidades distintas.
Futebol como ferramenta política
Na vida adulta, já envolvido com a política, Tarcísio não deixou para trás a identidade de homem do futebol. “Sua primeira campanha como vereador foi marcada pela presença nos campos de várzea, locais onde já era conhecido por todos. Ali ele conversava, jogava e mantinha viva sua paixão”, conta Júlio.
O sobrinho, Maurício Delgado, reforça essa visão. “Ele sempre dizia que acreditava no poder transformador do esporte, que o futebol mudava vidas. Como prefeito, foi quem mais inaugurou e revitalizou campos de várzea em Juiz de Fora. Muitos espaços que até hoje existem nasceram durante sua gestão: Laginha, Grotão, entre tantos outros espalhados pela cidade. Ele tinha convicção de que o futebol precisava estar presente nos bairros, como forma de lazer, inclusão e convivência comunitária.”
Além dos campos, Tarcísio deixou sua marca em iniciativas de apoio ao esporte local. Criou a lei de patrocínio via Cesama, que financiava equipes de diferentes modalidades na Primeira Divisão. Assim, times de vôlei, basquete e futebol tiveram condições de se manter ativos e participar de campeonatos importantes.
Estádio Municipal: sonho realizado

O maior símbolo desse legado esportivo foi a construção do Estádio Municipal Radialista Mário Helênio, inaugurado em 1988. “Ele acreditava que a cidade só avançaria no futebol profissional se tivesse um estádio de verdade, com capacidade para receber grandes eventos. Foi atrás de recursos, buscou apoio e viabilizou a construção. Esse foi um dos maiores marcos como gestor”, relembra Maurício Delgado.
O jornalista Márcio Guerra acompanhou de perto aquele momento. “Lembro-me claramente da primeira vez em que ele reuniu a equipe para anunciar o local da obra. Contou que passava por uma estrada de chão, nas proximidades de onde hoje é o acesso ao Dom Orione, quando avistou uma curva em formato de ferradura. Virou-se para o motorista e disse: ‘Encontrei o local para o Estádio Municipal’.”
Segundo Márcio, Tarcísio fez questão de envolver a imprensa em todas as etapas. “Cada passo dado na construção, dentro das condições possíveis, contou com a participação dos jornalistas. Ele demonstrava cuidado e carinho em cada detalhe, para que, desta vez, o sonho do torcedor juiz-forano não fosse novamente frustrado.”
O estádio se tornou palco de jogos históricos, de grandes clássicos e de momentos inesquecíveis para a cidade. Flamengo, Vasco, Botafogo, Fluminense, Cruzeiro, Atlético-MG e até São Paulo jogaram em Juiz de Fora. A despedida de Zico do futebol profissional aconteceu no local, assim como a situação inusitada do massagista que invadiu o campo e impediu gol do Tupi contra o ASA na Série D do Campeonato Brasileiro, em 2013, entre outros.
O “time da mãozinha”: futebol e política juntos
Mas a história de Tarcísio com o futebol não se limitava à esfera pública. Júlio recorda de um projeto que se tornou famoso na região. “Ele próprio criou e liderou uma equipe, o famoso ‘time da mãozinha’. A equipe era formada por amigos, irmãos, conhecidos e até jogadores profissionais. Com o ‘mãozinha’, percorreu praticamente toda a Zona da Mata, disputando amistosos em Cataguases, Leopoldina, Santana do Deserto, Lima Duarte, Matias Barbosa, Bicas, Recreio, Simão Pereira, Belmiro Braga, Coronel Pacheco, Barbacena e outras cidades”, lembra. “Eram verdadeiros eventos, com participação de ex-profissionais e muita gente da comunidade. Representavam a paixão pelo futebol e a vontade de unir pessoas em torno dele”.
No sítio da família, em Igrejinha, o esporte também ganhou espaço especial. A primeira obra erguida ali foi um campo society com drenagem e iluminação. “Logo na inauguração houve um torneio que reuniu amigos e atletas da região. A partir daí, o campo se tornou ponto de encontro fixo nas quartas e sábados, sempre movimentado e elogiado”, conta o filho.
Paixão de família
Para Maurício Delgado, o futebol era um elo familiar. “Vale dizer que não era só ele: a família toda tinha envolvimento com o futebol. Todos os irmãos participavam dos times de várzea, especialmente na região do Vitorino Braga. Jogaram em equipes como Universal, TVB, Águias, TPL, entre tantas outras. O futebol fazia parte da rotina, das amizades e do lazer de todos.”
Já Márcio Guerra destaca também a ligação afetiva de Tarcísio com clubes. “Assim como eu, ele era torcedor do Sport Clube Juiz de Fora e nunca escondeu isso, embora tratasse todos os clubes com respeito. Além disso, era um grande vascaíno. Esse amor pelo futebol se refletia em sua gestão e no apoio às modalidades esportivas da cidade. Seu nome ocupa um lugar definitivo na história do esporte juiz-forano, impossível de ser apagado.”
No entendimento do filho Júlio, mais do que prefeito, vereador ou líder político, seu pai foi um incentivador nato do esporte. “Viveu intensamente essa relação, construiu amizades duradouras e deixou como exemplo a certeza de que o esporte é uma ferramenta de união e de desenvolvimento social.”
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