Conheça Bea Toledo: tatuadora que faz os próprios labubus e bobbie goods
Na coluna “Sem lenço, sem documento”, saiba mais sobre o processo de criação dos “labebeas” e “bea’s baddies”, que reinventam os produtos de forma artesanal e reforçam identidade da artista

Quem usou as redes sociais em 2025 pode ter cogitado comprar um dos bonecos labubus para usar como acessório de bolsa ou mesmo começar um dos livros de colorir bobbie goods. Tão febres quanto o morango do amor, o primeiro teve um lucro de R$4 bilhões neste ano, enquanto o segundo vendeu cerca de 2,5 milhões de unidades no Brasil, de acordo com dados divulgados pelas marcas.
Questionar de onde vêm essas trends e a vontade dos usuários em replicar o que está em alta foi justamente o que moveu a tatuadora juiz-forana Bea Toledo a dialogar com o viral e criar algo que tivesse a sua própria identidade. Desde que começou no mundo das artes, ela tem um gosto especial em misturar elementos e buscar um pouco do que lhe é estranho como inspiração. É isso que ela tem feito com os chamados “labebeas” e “bea’s baddies”, que aproveitam desde o nome até a lógica de uso, para criar produtos artesanais e que conversam com o seu trabalho como artista.
A artista estava navegando pelo feed quando teve contato com os labubus e os livros de colorir, mas “seus monstrinhos” já existiam bem antes. “Eu me questionava: ‘Nossa, por que a galera gosta tanto desse negócio, como começa uma febre assim do nada?’ E aí pensei como seria se eu fizesse uma criaturinha minha. E não é que nem o outro, que todo mundo tem, compra e posta”, diz. Na verdade, como ela conta, saber que esses produtos estavam em alta a inspirou para tirar do papel algumas ideias que já habitavam o seu imaginário desde que era criança e assistia aos filmes do Studio Ghibli ou do Tim Burton. “Todos esses monstrinhos já existiam na minha cabeça, mas eu nunca tinha colocado pra fora. E aí comecei a colocar com tatuagem, e depois com versões 3Ds, para as pessoas verem como é o pelinho que eu coloco no desenho ou o rostinho. São mais elementos para criar”, explica.
Mas, para ela, foi importante reconhecer o incômodo que sentia com a massificação desses produtos e a forma através da qual são vendidos. “Me incomoda ver as coisas não tendo mais personalidade. Hoje em dia, quando você sai pra uma festa, é todo mundo igual, todo mundo com a mesma roupa, mesmo corte de cabelo. (…) Então quis fazer algo de diferente até pra incentivar as pessoas a quererem também buscar algo que seja especial pra elas, que seja só delas ou a cara delas também”, diz. Essa primeira leva dos “labebeas” teve 12 unidades e custou R$220, com vendas esgotadas em menos de 3h. Agora, ela já está testando novas versões, desta vez incorporando aos monstrinhos traços de fadas e fantasmas.
A descoberta do toy art, no entanto, não acontece com essa experiência. Com a pandemia de Covid-19, ela precisou encarar a possibilidade de não conseguir trabalhar com tatuagem, e foi experimentando outros materiais para não deixar a arte de lado. Desde então, ela já fez suas versões das bonecas russas tina, casas de pano que andam e até pássaros com janelas no peito. “Sempre gostei de aprender e minha família está envolvida nisso. Meu pai hoje mexe com bonsai, mas fazia bonequinho com durepox, pintava telas. Minha mãe sempre pintou e costurou, minha vó também sempre costurou. E meu avô sempre construiu meus brinquedos, ele fez um carrossel pra mim uma vez, e eu gostava mais do que ele inventava do que das coisas que eu ganhava dos outros”, explica.
Um processo leva ao outro
Além do toy art e da tatuagem, Bea conta que gosta de misturar materiais, e inclusive também mexe com cerâmica, ilustração, pintura e costura. Boa parte do que ela sabe fazer foi aprendendo sozinha, vendo vídeos no youtube e até trocando com o namorado, Lucas Dutra, também tatuador e artista, dono junto com ela e o tatuador Juliano Lima do Estúdio Farpa, onde trabalham e fazem às quartas-feiras mesões de desenho abertos ao público. E ela também atribui essa vontade de criar a uma característica própria, que é a capacidade de observação do próprio entorno. “Eu sempre fui uma pessoa muito introspectiva. Inclusive, a tatuagem me ajuda um pouco a sair disso, porque preciso conversar com as pessoas e extrair o que elas querem, mas eu sempre fui na minha. Por isso que brinco que esse mundinho sempre existiu na minha cabeça, mas com a tatuagem passei a abrir meus horizontes e ter coragem de mostrar mais isso.”
Geralmente, seus desenhos começam a ser pensados para tatuagem, mas, quando não são vendidos, pode se tornar outra coisa. A possibilidade de trabalhar com os livros para colorir também foi interessante nesse sentido porque, como nota, permitia a interferência do outro no próprio trabalho. Esse gosto veio a calhar, justamente porque, como conta, o mercado de tatuagem também foi se tornando mais difícil, e conforme desenvolvia com mais clareza o seu próprio traço, principalmente nesse período pós-pandêmico, os seus clientes também iam se restringindo. “Ultimamente, tem rolado uma crisezinha no mercado da tatuagem, justamente porque tem muito tatuador. Acho que é mais difícil encontrar quem se identifique com um bichinho com chifre do que com uma flor. Hoje em dia, não consigo viver só de tatuagem, mas não me vejo parando”, conta ela.
‘Meus monstros não vivem embaixo da cama’
Independente de trends ou do que é mais comercial, incorporar esses monstros em sua vida já é um caminho sem volta. Inclusive porque eles já saíram do seu controle e habitam as casas, paredes e pele de muita gente. Uma das frases que a guiou nesse processo e já virou até camisa e bandeira é “Meus monstros não vivem embaixo da cama”. Para ela, isso tem um significado especial, inclusive porque percebe que muitos de seus clientes são da área da saúde mental, e porque ela própria tem vontade de um dia ter sua própria história para crianças, criada e ilustrada por ela. “A gente vive com nossos monstrinhos guardados morrendo de medo deles, e às vezes eles não são tão assustadores se começarmos a lidar com eles”, diz.