Do ‘eu’ ao ‘nós’: André Capilé lança novo livro ‘Infenso’
Obra reúne tensões sociais, política e religiosidade em poemas que dialogam com mitos e cantos de matriz africana
“Talvez, com sorte, que se entenda parte ativa da comunidade que vem.” É com esse desejo que André Capilé apresenta ao público seu novo livro de poesias, “Infenso”, que será lançado nesta sexta-feira (5), às 20h, na Casa Macondo.

A obra reúne poemas que transitam entre tensões de classe e raça, atravessamentos sociais, políticos e culturais, sem deixar de ecoar as vozes dos terreiros. Capilé define o processo criativo como “natural”: nasce de interesses temáticos que orbitam sua obra e se constrói em movimento, ao mesmo tempo em que desmonta molduras formais da poesia. “Escrevo tendo em vista, como partida, uma discussão comunitária de fundo. Busco embaralhar a ideia de um ‘eu-todo-poderoso’, tão presente na lírica tradicional, para dar espaço a vozes que falam fora desse eixo. É nesse sentido que o livro toca, com particularidade, nas experiências vividas nas comunidades de terreiro, dialogando com o universo mítico e religioso das matrizes africanas.”
Capilé considera “Infenso” sua publicação mais radical. O livro atravessa formas da tradição ocidental – como a sextina provençal que abre a coletânea – e as tensiona com práticas de cantos de preceito e rituais, traduções de cantigas do candomblé Angola-Kongo e recriações de poemas das cosmogonias Iorubá e Fon. “Tratar desses temas é desafiador, mas fundamental. Implica enfrentar violências simbólicas, traduzir mitos e cantos, e assumir uma postura que não se limita à esfera individual. É preciso converter o eu em nós, reposicionando a vida como instância política dentro, com e, quando necessário, contra a cidade.”
Em sua 11ª publicação, o autor explica que o título surge como senha e se transforma em temperamento. “O instinto de oposição, a contraditoriedade, o estado de raiva e a hostilidade atravessam a estrutura do livro. Do barqueiro fantasma que encara a usina de ódios do mundo, passando por contendas em uma vila de pescadores, a fuga de uma personagem rural, ou o ensaio-em-reza que encena a formação da música popular negra-brasileira – cada poema carrega, em si, aspectos da contrariedade.”
Unindo mitos, formas eruditas e tradições populares, “Infenso” expande o olhar para além do terreiro, sem, contudo, apartá-lo da obra. “Não vejo trânsito entre universos distintos, porque para mim constituem um único universo, múltiplo em si mesmo. Claro, participo também de uma vida comunitária exterior ao terreiro. É desse conjunto, com ouvido atento e olho vivo, que tiro a matéria do mundo que me informa e dá forma a tudo que escrevo.”
* Estagiária sob supervisão da editora Gracielle Nocelli
Serviço:
- Na sexta-feira (05), às 20h
- Na Casa Macondo (Rua Dom Silvério, 290 – Alto dos Passos)