Dia dos Direitos Humanos: conheça a história de juiz-foranos que colocaram a cidade no mapa da luta por justiça social

Gabriel Pimenta, Fernanda Müller, Adenilde Petrina e Cristina Castro marcaram a defesa dos direitos trabalhistas, da diversidade, da comunicação popular e de uma educação mais igualitária no país 


Por Nayara Zanetti, Repórter, e Maria Luiza Guimarães, estagiária*

10/12/2025 às 06h00

Há mais de sete décadas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro, estabeleceu princípios que orientam a luta por igualdade em todo o mundo. Em Juiz de Fora, essa trajetória se consolidou em diferentes frentes de mobilização social. A cidade foi palco de movimentos de resistência durante a ditadura militar, liderados pelo antigo DCE e por organizações civis, tornando-se referência no pioneirismo da legislação antirracista em Minas Gerais e ampliando o debate sobre diversidade em todo o país com iniciativas como o Miss Brasil Gay. Em homenagem à data, a Tribuna conta a história de alguns dos defensores de direitos humanos que ajudaram a colocar o nome da cidade no mapa da luta por justiça social. 

Gabriel Pimenta e os direitos dos trabalhadores rurais 

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(Foto: Arquivo de família)

A trajetória do advogado juiz-forano Gabriel Pimenta, assassinado em 1982 no sul do Pará, tornou-se símbolo da luta pelos direitos dos trabalhadores rurais no Brasil. Ele atuou em regiões marcadas pela violência do latifúndio — como Conceição do Araguaia, Porto Nacional e Marabá — onde colocou sua profissão a serviço de sindicatos, movimentos sociais e da organização popular. Mesmo diante de ameaças, decidiu permanecer no Pará por acreditar que sua saída enfraqueceria a resistência local, como afirma o irmão Rafael Pimenta. 

“Eu falei com ele, outros irmãos falaram, Gabriel, se tem tanta violência, sai de lá, vem embora para cá ou vai para outro lugar do Brasil. Ele falou: ‘não tem como, eu já me comprometi com essas pessoas, eu confio neles, eles confiam em mim, se eu abandoná-los eu vou desarticular o movimento social’”, diz Rafael. 

O irmão destaca que a morosidade e a impunidade que marcam os conflitos agrários ficaram evidentes no próprio caso de Gabriel: o processo levou 19 anos para ter sentença de primeiro grau e não resultou em condenações. Diante disso, a família acionou a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Estado brasileiro e determinou mudanças estruturais para acelerar julgamentos e proteger defensores de direitos humanos. Essas recomendações são atualmente discutidas por um grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça, que entregará um relatório ao Supremo Tribunal Federal (STF) para colaborar com tais transformações no Judiciário, reforçando o alcance da luta iniciada por Gabriel. 

Dessa maneira, o legado de Gabriel Pimenta permanece vivo tanto na região Norte quanto em Juiz de Fora. Escolas, espaços sindicais e referências culturais mantêm sua memória ativa, enquanto o Instituto Gabriel Pimenta de Direitos Humanos, sediado na cidade e administrado por Rafael, segue promovendo ações e apoiando movimentos sociais. Para familiares e militantes, sua vida expressa um princípio que segue atual: usar o Direito como instrumento de transformação social e de enfrentamento às injustiças no campo. 

Fernanda Müller e o movimento LGBTQIA+

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(Foto: Divulgação/Miss Brasil Gay)

A trajetória da diva segue viva em Juiz de Fora até hoje, seu nome, tão marcante para a história da cidade e para o movimento LGBTQIAPN+, batiza o palco principal do Rainbow Fest, Palco Fernanda Müller, no festival que celebra diversidade, cultura e direitos humanos. Atuante no Movimento Gay de Minas (MGM) desde os primeiros passos da organização, Fernanda carregava a carteirinha 01 do movimento. Foi rainha da Parada Gay de JF, apresentadora do tradicional Miss Brasil Gay e presença constante nas casas noturnas da cidade. No carnaval juiz-forano, brilhou como rainha de bateria da Turunas do Riachuelo e da Unidos do Ladeira, reforçando seu papel nos mais variados espaços.

Oswaldo Braga, fundador do MGM, lembra que a amiga circulava por todos os ambientes com naturalidade, abrindo conversas, aproximando pessoas e reafirmando, onde estivesse, a importância dos direitos da comunidade LGBTQIAPN+. Seguiu assim até seus últimos dias, antes de partir em 2013. Sua presença no palco, nas ruas e nos bastidores nunca foi só artística, também era um gesto político. “Fernanda era plenamente segura de sua identidade de gênero e enfrentou com firmeza o preconceito vivido por travestis no país”, recorda.

Ainda jovem, ao assumir publicamente sua identidade de gênero feminina, passou a falar sem filtros sobre seus conflitos, suas dores e os desafios de ser uma mulher trans em um país marcado pela violência e exclusão. Militante da causa, ela se dedicava a temas, como prevenção de ISTs/AIDS e à luta contra a marginalização das companheiras da comunidade. Para ela, a visibilidade fazia parte da luta. Sua história abriu caminhos para que outras pessoas pudessem viver com mais respeito e reconhecimento. Sempre firme, orgulhosa e consciente. 

Adenilde Petrina e a educação pelo bairro

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(Foto: Leonardo Costa)

Alessandro Rodrigues, morador do Bairro Santa Cândida, na Zona Leste da cidade, mais conhecido como Zóirap, compartilha que teve o prazer de cruzar o caminho de Adenilde Petrina ainda moleque, por volta dos 15 anos. Hoje, com 43, ele relembra que foram mais de duas décadas ao lado dela, que apresentou a ele e aos jovens do bairro um novo caminho de vida por meio da cultura hip-hop e da educação. Foi Adenilde quem mostrou um horizonte possível para a juventude local, transformando o bairro em um espaço de formação, troca e pertencimento. Filósofa e doutora honoris causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Adenilde se tornou uma referência na cidade quando o assunto é movimento social. No entanto, antes de ocupar palcos, salas de aula e debates, ela já era reconhecida por quem caminhava com ela no dia a dia no Cândinha.

Aos 17 anos, movida por uma causa essencial, Adenilde se uniu a um grupo de mulheres que lutava por melhorias básicas no bairro, que ainda não tinha luz e nem água. Foi o que ela chamava de “militância por necessidade”, que a levou a reconhecer a força do coletivo e a não se afastar mais das questões do território. A partir daquele momento, ela se dedicou ao lugar onde cresceu, fortaleceu iniciativas locais e contribuiu para abrir caminhos para as futuras gerações.

No Santa Cândida, Adenilde encontrou na rádio comunitária Mega FM uma plataforma essencial para dar visibilidade às demandas da região. Também teve papel decisivo no Coletivo Vozes da Rua, um espaço que surgiu da necessidade de transformar a realidade local. Sua atuação sempre foi voltada para amplificar as vozes silenciadas, levando à academia, lugar que também ocupou, as histórias e as potencialidades da sua comunidade. Intelectual orgânica e articuladora, transitou com naturalidade entre diversos campos. Em todos esses espaços, se destacou com a certeza de quem sabia de onde vinha e para onde queria voltar, sempre com sua comunidade no centro de sua trajetória. Como na música do Emicida, ela viveu o movimento de “partir, voltar e repartir”, sem nunca se desconectar dos seus.

Cristina Castro e uma educação justa 

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(Foto: Arquivo pessoal)

A professora Cristina Castro começou sua trajetória na defesa dos direitos humanos dentro da sala de aula, convencida de que educar é um ato profundamente social. Para ela, cada turma é um encontro entre histórias e diferenças, e cabe ao docente transformar essa pluralidade em aprendizado, respeito e convivência democrática. Essa compreensão orientou seus primeiros passos na militância ainda nos anos 1980, quando ingressou na direção sindical em 1989, durante o processo de redemocratização, e, mais tarde, se tornou vice-presidência do sindicato, reafirmando a educação como espaço de direitos. 

O compromisso com a categoria e com a justiça social ampliou sua atuação para além do ambiente escolar. Em 1996, foi eleita secretária-geral da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (FITEE (MG-ES), conciliando militância e trabalho nas redes pública e privada até 2007. No ano seguinte, chegou à Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), onde exerceu funções de direção até 2016, incluindo a Secretaria-Geral e a Secretaria de Comunicação. Cristina também atuou no Conselho Nacional de Direitos Humanos, onde contribuiu com o debate sobre comunicação e direitos digitais, destacando a importância de diferenciar liberdade de expressão de discursos de ódio. “Não há liberdade quando a ação de alguém fere o coletivo”, ressalta. 

Feminista e articuladora de políticas públicas, Cristina segue atuando em espaços institucionais e sociais, denunciando retrocessos e chamando atenção para temas como o feminicídio, que considera banalizado no debate público. Em 2021, retornou à Executiva da Contee como coordenadora de Relações Internacionais, cargo que ainda ocupa. Com quatro décadas de militância, Cristina diz que a luta pelos direitos humanos é permanente: “Não podemos deitar a cabeça no travesseiro e ignorar a pobreza, as injustiças e o sofrimento de povos inteiros.” 

*estagiária sob supervisão da editora Fabíola Costa

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