Descriminalização da maconha: mutirão de revisão de casos segue até o final do mês
Medida do STF reanalisa condenações relacionadas a porte de maconha para uso pessoal; especialista explica procedimento e fala sobre dificuldades

O I Mutirão Processual Penal do Plano Pena Justa, criado para “enfrentar a situação de calamidade nas prisões brasileiras”, está em curso. Dentre os temas de revisão, estão os casos de porte de maconha para uso pessoal, atendendo à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado de descriminalização. Assim, as condenações por tráfico de drogas em que as pessoas foram detidas com menos de 40 gramas ou seis plantas fêmeas de maconha serão reanalisadas pelos Tribunais de Justiça estaduais e regionais federais até 30 de julho.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que coordena o mutirão, outros critérios a serem observados são a ausência de posse de outras drogas e de outros elementos que indiquem possível tráfico de drogas. Luís Lanfredi, do CNJ, explica que foi criada uma dinâmica para fazer uma pré-seleção dos casos, já que não foi possível criar listas de processos usando os sistemas nacionais existentes. “Os tribunais realizaram buscas em seus sistemas de processos eletrônicos, em alguns casos, usando os bancos de sentença e inteligência artificial, que ainda passarão por novos filtros para garantir que apenas os casos que se enquadrem nos critérios do STF sejam revisados.”
O advogado criminalista Leandro Souza acredita que o mutirão terá eficácia importante na revisão destes processos. “As revisões certamente farão com que os condenados não cumpram nenhuma punição criminal, em se tratando do porte como usuário de maconha – descriminalizado pelo STF.
Também é possível uma revisão em relação ao cidadão condenado por tráfico. O advogado acrescenta que, após a revisão, pode se verificar que o caso realmente configura crime. “É feita não só a apreensão da maconha, mas também de outros apetrechos comumente usados no tráfico: balança de precisão, sacos plásticos, caderno de contabilidade, dinheiro trocado e outros. Se a pessoa que foi presa e condenada por tráfico tem até 40 gramas de maconha, mas houve apreensão de outros objetos, pode ser que o tráfico seja mantido”, esclarece.
A respeito das dificuldades, Leandro destaca, sobretudo, uma questão estrutural. “Os tribunais terão que fazer essa revisão dos processos. Então pode ser que se tenha uma dificuldade de logística, de pessoal, para realizar essa análise. No período de um mês que dura o mutirão, pode ser que consigam fazer uma revisão bem ampla sobre esse tipo de situação. Mas vejo com maior dificuldade a questão estrutural”, reforça.
A Tribuna demandou o Tribunal de Justiça de Minas Gerais para obter um número de detentos (condenados ou não) que se enquadram na situação, em Juiz de Fora e em todo o estado. Por meio de nota, o TJMG informou que essa informação ainda não está disponível no armazém de dados e, até o momento, não há previsão para sua inclusão.
Confusão entre descriminalização e legalização da maconha
Uma confusão comum no cotidiano diz respeito às diferenças entre a descriminalização e a legalização de drogas – no caso, a maconha. “O pessoal confunde”, afirma o advogado criminalista. “Legalizar é tornar uma conduta lícita, legal. Então, se o Supremo tivesse legalizado o porte de maconha para consumo próprio, não haveria nenhuma sanção – nem no âmbito criminal, e muito menos no administrativo. Mas não foi o que aconteceu. Foi decidido que portar maconha para consumo pessoal deixa de ser crime. Só que ainda há sanções administrativas. Ou seja, não é legalização: é descriminalização em relação ao campo penal, criminal.”
Se fosse um caso de legalização, a conduta seria permitida. É o caso, por exemplo, de bebidas alcoólicas e uso de cigarro para maiores de idade. “Existe a legalização. Maiores de 18 anos podem consumir bebida alcoólica em um bar: a conduta é permitida. Na questão da droga, não está sendo permitido o uso deliberado”, conclui Leandro.
Temas de revisão e etapas do mutirão
Além do porte de maconha para uso pessoal, o mutirão também irá abordar outros três temas: a concessão de habeas corpus coletivo para determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar de gestantes, lactantes e mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência; as prisões preventivas em curso há mais de um ano; e processos com penas vencidas ou prescritas no Sistema Eletrônico de Execução Unificado.
Segundo o CNJ, foram realizadas etapas prévias. Os casos ainda precisam passar por diversos filtros para garantir se estão de acordo com os critérios de cada tema e serão analisados de forma individualizada ao longo do mês. Sobre o porte de maconha para uso pessoal, os processos que forem identificados pelos tribunais serão revistos e passarão por uma etapa em que tanto o Ministério Público, como os advogados ou a Defensoria Pública da pessoa processada, poderão se pronunciar sobre o reenquadramento da condenação.
A partir disso, quatro encaminhamentos podem ocorrer: manutenção da pena, por não cumprir os critérios do STF; cancelamento de condenações por porte de maconha, baseadas no artigo 28 da Lei de Drogas; revisão de condenações por tráfico; e encaminhamento de processos para que as defesas e o Ministério Público opinem sobre o caso – estes não têm prazo para finalização e não precisam, necessariamente, acontecer durante o período do mutirão. A previsão é de divulgação dos resultados em outubro de 2025.