Servidores denunciam alimentação precária em unidades prisionais
Pão mofado, comida azeda, larvas e baratas foram encontradas nas refeições servidas para os trabalhadores e detentos dos sistemas prisional e socioeducativo do Estado
Servidores dos sistemas prisional e socioeducativo do Estado denunciaram, na última terça-feira (25), em audiência na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a situação de precariedade no fornecimento de alimentação nas unidades. As reclamações sobre as más condições de higiene e transporte dos alimentos acontecem há anos no estado e em Juiz de Fora não é diferente. “A realidade que a gente vive é essa. Às vezes, o alimento vem com larva ou outro inseto, o pão mofado, a comida azeda”, relata o servidor e representante do Sindicato dos Policiais Penais do Estado (Sindppen/MG) em Juiz de Fora, Luciano Pipa.
Durante a audiência, em Belo Horizonte, foram expostos casos registrados nas unidades de Unaí e Paracatu, região nordeste de Minas Gerais, onde flagraram um gambá em meio à comida, e de Juiz de Fora. Segundo estimativa do Sidppen/JF, cerca de 5 mil detentos e mil funcionários são afetados pela situação no município e região.
No mês passado, a Vigilância Sanitária apreendeu e descartou pão mofado e alimentos que estavam sendo transportados em condições inadequadas com destino às unidades prisionais da cidade e região. Na época, a empresa responsável pela produção e o transporte era a Servir Refeições Coletivas (Servir). De acordo com a Sejusp, o serviço ainda é realizado pela mesma terceirizada.
A Tribuna entrou em contato com a empresa para verificar se mudanças ocorreram desde o caso, mas não houve retorno. A reportagem também questionou a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) a respeito da frequência com que a fiscalização é realizada na cidade, mas também não obteve resposta até o fechamento desta edição.
Com a denúncia dos servidores, a Associação de Amigos e Familiares dos Presos de Juiz de Fora também manifestou à reportagem insatisfação com as refeições dadas aos internos. De acordo com a organização, é comum as famílias relatarem que o detento passou mal e foi encaminhado ao Hospital de Pronto Socorro (HPS) por causa de intoxicação alimentar.
Luciano também conta que os problemas no fornecimento das refeições prejudicaram sua saúde e fizeram com que ele desencadeasse uma doença sem cura, a síndrome do intestino irritável. Há 19 anos trabalhando como policial penal, ele já passou por várias unidades da região e viu que o problema se repete na maioria. “Nós passamos muito tempo dentro da unidade e temos que comer para aguentar a rotina de trabalho. Casos de intoxicação alimentar, por exemplo, são corriqueiros.”
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Operação Maná denuncia irregularidades
De acordo com o diretor de comunicação do Sindppen/MG, Magno Soares, são gastos cerca de R$ 42 milhões por mês na compra das refeições que, por estarem impróprias para consumo, estariam sendo desperdiçados. “As denúncias começaram a surgir dos trabalhadores que pararam os caminhões nas portas de unidades prisionais que tinham, junto com os alimentos, ratos, baratas. Alguns transportes carregavam animais e tinham fezes dentro, como foi o caso de Unaí.”
Há dois meses, os policiais penais estão promovendo a Operação Maná para denunciar os problemas no fornecimento das refeições. Ao flagrar irregularidades, a equipe fez o registro policial, acionou a Vigilância Sanitária e o Sindicato, que encaminhou a denúncia para o Ministério Público e para as comissões de Direitos Humanos e de Segurança Pública da ALMG tomarem providências.
“Esse problema é grave e pode causar uma série de problemas. Se todos os presos forem contaminados, por exemplo, pode sobrecarregar o sistema de saúde do município, assim como complica a logística de levar todos para atendimento médico”, alerta Magno.
Sindicato pede auxílio-alimentação
Uma das propostas do Sindicato é que o Estado forneça o pagamento do auxílio-alimentação, como é feito em algumas unidades, para todos os servidores. A organização também questiona que as refeições fornecidas para os policiais penais têm o mesmo valor calórico do que a dos presos, mas ambos têm necessidades diferentes.
“A qualidade da alimentação vai resultar em uma melhora no serviço também, porque o servidor precisa de calorias e proteínas para lidar com as condições de trabalho. Hoje, o ambiente é bem inóspito, a população carcerária chega a ser de dez presos para um guarda, sendo que a recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é de cinco para cada servidor”, explica Luciano.
Na audiência, a subsecretária de Gestão Administrativa, Logística e Tecnologia, Ana Luisa Falcão, disse que as refeições dos servidores possuem o dobro de proteínas do que as oferecidas aos detentos desde 2019. Ao longo das discussões, o deputado e presidente da Comissão de Segurança Pública, Sargento Rodrigues (PL), propôs que os contratos de alimentação dos servidores sejam diferentes dos presos até que a secretaria tome uma decisão definitiva para contornar o problema.
Sejusp afirma ter conhecimento das irregularidades
Conforme informações do governo, 106 contratos estão vigentes, totalizando 22 empresas na prestação do serviço em Minas Gerais para 195 unidades dos sistemas prisional e socioeducativo. O contrato das empresas é realizado através de pregão eletrônico com o menor preço, mas de acordo com padrões nutricionais. Cada contrato tem validade de dois anos. Em 2022, as empresas infratoras receberam 4,5 mil notificações e R$ 7,5 milhões em multas.
Em nota enviada à Tribuna, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) afirmou ter conhecimento de todas as ocorrências de irregularidades encontradas e que os procedimentos necessários já foram realizados e seguem o curso previsto no contrato.
A Sejusp ainda disse que, quando detectadas situações de descumprimento da garantia da qualidade prevista em contrato, “imediatos procedimentos administrativos são realizados, que podem resultar em multas e até mesmo a perda de contrato por parte da empresa executora. Quando a direção da unidade prisional identifica algo que torne a alimentação imprópria para consumo, por força de contrato, a empresa fornecedora é notificada e realiza a pronta substituição, sem ônus para o Estado.”