Língua Pátria
(…) o idioma que adotamos vem sendo tratado com descaso, entre nós, não só no falar como no ato de escrever, não apenas no meio popular como na esfera cultural.
Era assim que se denominava a disciplina que nos fornecia as primeiras lições de português, no curso primário do meu tempo. Língua Pátria: o título já é, em si, uma exortação no sentido de que saibamos cultuar o idioma como expressão da nossa nacionalidade. A língua é, com efeito, um dos caracteres que identificam o povo – e este constitui elemento essencial da formação do Estado soberano. Não foi sem motivo que a nossa Constituição houve por bem enfatizar que “A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil (art. 13)”.
No entanto, o idioma que adotamos vem sendo tratado com descaso, entre nós, não só no falar como no ato de escrever, não apenas no meio popular como na esfera cultural. Vai-se difundindo a ideia de que a chamada língua culta é algo irrelevante, porque qualquer forma de expressão, ainda que contaminada por erros gramaticais, é admissível e correta, bastando que a pessoa, por meio dela, se faça entender. E essa não é uma concepção vulgar ou dissociada dos padrões linguísticos. Há uma corrente de estudiosos da língua que a defende como válida, seguindo uma linha de orientação que se poderia qualificar de populismo linguístico.
Um dos que professam esse entendimento, em livro recente (aliás, rico de lições sobre a evolução do português, desde o latim popular, passando pela contribuição que lhe advieram das línguas indígenas e dos idiomas africanos, até chegar ao português brasileiro de hoje), conclui que não cabe fazer diferenciação entre língua culta e língua popular e, por isso, toda e qualquer forma verbal estará correta. Às favas as regras gramaticais, ainda que, assim, se deslustre o idioma…
A evolução do português foi estudada, magistralmente, em livro de 2017 (Muitas línguas, uma língua), por Domício Proença Filho, e as expressões que podem ser aceitas, sem violação dos cânones gramaticais, por força de sua consagração pelo povo, acham-se expostas, com igual mestria, em obra que lhe é contemporânea (Viva a Língua Brasileira!), de autoria de Sérgio Rodrigues. Aquela a que, antes, me referi (Latim em Pó, de Caetano W. Galindo) situa-se numa linha, a rigor, antagônica, a pretexto de corresponder à maneira como o português é, hoje, escrito e falado. O fato é que para esse uso desregrado da língua tem contribuído, em muito, a televisão. Repórteres e comentaristas revelam, não raro, total desprezo pela norma culta da língua.
Vejam-se alguns exemplos frequentes. Os advérbios aí e ali são empregados, exaustiva e enfadonhamente, em todas as construções, despertando no telespectador a curiosidade que animava, outrora, os estudantes a contar os cacoetes verbais dos professores. E valem para tudo: como pausa no falar, como pontuação na frase, como sinônimo de aliás. Aí, aí, aí… O vezo de substituir o sujeito indeterminado por uma forma coloquial (Você tem…), em vez de empregar o verbo na forma reflexiva (Tem-se…), é outra maneira de falar que, repetida várias vezes, chega a ser cansativa e estressante para quem ouve.
A forma grosseira de colocar o artigo definido antes do nome de qualquer pessoa, mesmo o de autoridades, denotando uma intimidade inexistente, tornou-se prática usual. Isso, sem falar nos solecismos e nos erros elementares de pronúncia. A TV, que devia preocupar-se em ser um veículo de difusão da cultura e do bem falar, está, assim, lamentavelmente, contribuindo para vulgarizar os vícios de linguagem. Não é de estranhar, por conseguinte, que, mesmo nos meios cultos, nos quais, em geral, se domina o inglês ou o francês, fale-se tão mal o português, pisoteie-se de forma tão cruel a última flor do Lácio, inculta e bela, a que Olavo Bilac se referia no primeiro verso do soneto que lhe dedicou.