A quarta temporada de ‘Star Trek: Discovery’ (ou como é bom ser trekker em 2022)
Oi, gente.
Em primeiro lugar: que bom poder reencontrar os ah migos e ah migas depois do abuso adquirido das férias. Em segundo lugar: a coluna de retorno está lotada de spoilers de “Star Trek: Discovery”, tema da coluna desta semana, então considere-se avisado.
Isto posto, vamos ao que interessa, que são nossas considerações consideráveis a respeito do seriado.
A ficção científica é um dos meus gêneros favoritos porque permite explorar os mais diversos assuntos usando a tecnologia e o futuro como alegorias para temas atuais, e também porque é possível se arriscar por territórios pouco ou nada explorados, ou pelo menos com visões bem particulares. E, dentro do universo de “Jornada nas estrelas”, “ST: Discovery” talvez seja a produção que mais explorou essas possibilidades ao levar a tripulação da NCC-1031 aonde nenhuma série de “Star Trek” jamais esteve.
“Discovery” estreou na Netflix em 2017 com uma senhora responsabilidade, pois era a primeira produção do universo regular de “Jornada nas estrelas” desde o final de “Star Trek: Enterprise”, em 2005 (os filmes dirigidos por J. J. Abrams e Justin Lin são do chamado “universo Kelvin”, nunca é demais lembrar). E ainda havia o desafio de ter uma história passada cerca de uma década antes da Série Original – aquela com Kirk e Spock -, e o surgimento de tecnologias nunca citadas anteriormente no cânone, além da mudança radical no visual dos klingons e outros paranauês, fez muita gente se perguntar como iriam explicar os retcons e o tal motor de esporos, por exemplo.
Pois a série não só amarrou de forma satisfatória todas as pontas ao final da segunda temporada como mergulhou ainda mais na ficção científica que gostamos tanto de ver ao mandar a Discovery e sua tripulação para 930 anos no futuro – de 2258 para 3188. A produção aproveitou a tela em branco de um futuro inexplorado para mostrar um período sombrio para a galáxia, em que a dobra espacial deixou de existir após a “grande queima” ocorrida no século 31, quando todo o dilítio (elemento fictício de “ST” que é o combustível dos motores de dobra) conhecido explodiu e destruiu quase todas as naves que eram dotadas com a tecnologia.
Como resultado, as viagens interestelares se tornaram praticamente impossíveis e a maioria dos mundos – incluindo a Terra e Vulcano, rebatizada como Ni’Var após a unificação entre vulcanos e romulanos – abandonou a Federação Unida de Planetas, que está em frangalhos. Sob muitos aspectos, é uma situação parecida com os milênios de barbárie previstos por Hari Seldon na série de livros “Fundação”, de Isaac Asimov, porem com um final feliz: a Discovery, unida ao que restou da Federação, descobre a origem da “grande queima” e uma fonte de dilítio que não foi destruída no século anterior. Com isso, as viagens entre sistemas estelares voltam a ser possíveis, e a Federação de Planetas inicia o processo de convencer os mundos que abandonaram a organização a se reintegrarem.
A quarta temporada, que estreou em novembro de 2021 no Paramount+, manteve a pegada do bom e velho sci-fi roots, além das possibilidades praticamente infinitas de um futuro muito distante e nunca antes explorado pela franquia. Com a protagonista Michael Burnham (Sonequa Martin-Green) enfim assumindo o posto de capitã da USS Discovery, a Federação está numa fase em que pode dizer “deu bom” em relação ao retorno de seus ex-membros.
O período de coisas novas e boas termina quando uma distorção gravitacional com anos-luz de diâmetro surge do nada e destrói o planeta Kwejian. Como desgraça pouca é bobagem, a anomalia desaparece misteriosamente e logo a Federação descobre que ela pode surgir em qualquer lugar, deixando todos os planetas da galáxia sob risco de destruição iminente. Cabe à tripulação da Discovery descobrir a origem da distorção gravitacional e seus criadores, e encontrar um meio de impedir que novos mundos sejam destruídos.
Para os fãs de ficção científica e “Star Trek”, a quarta temporada de “Discovery” é um banquete. Em vários episódios, temos a Frota Estelar precisando lidar com essa nova ameaça, ao mesmo tempo que faz novas descobertas a respeito da anomalia espacial e da espécie que desenvolveu a tecnologia de distorção gravitacional.
Ao mesmo tempo, é preciso lidar com a parte diplomática que envolve a Federação, pois os planetas – afiliados ou não – têm posições divergentes sobre como avaliar a ameaça. Essa trama bem amarrada rende ótimos episódios, como são os casos do primeiro da temporada, “Kobayashi Maru”, e “Conexão”, além um season finale que pode até não surpreender, mas que dosa muito bem a ação, drama e suspense.
Outro ponto que gostamos muito nessa quarta temporada é o desenvolvimento dos personagens. Michael Burnham muitas vezes incomodava por repetir o clichê da personagem que não segue ordens e, mesmo assim, sempre se dava bem no final; ao assumir o comando da Discovery, porém, ela passa por um amadurecimento que a torna mais próxima dos clássicos capitães de “Jornada nas estrelas”. O alienígena kelpiano Saru (Doug Jones) também termina a temporada com um desenvolvimento interessante, ainda mais com o início de seu relacionamento com a presidente de Ni’Var, T’Rina (Tara Rosling).
“Star Trek: Discovery” ainda aproveitou para dar mais espaço para alguns dos coadjuvantes que pouco apareciam na série, como Detmer (Emily Coutts), Owosekun (Oyin Oladejo) e Reno (Tig Notaro). Por outro lado, sentimos muito a falta de Sylvia Tilly (Mary Wiseman), que foi treinar os cadetes da Frota Estelar. Dos novos personagens, a presidente da Federação, Laira Rillak (Chelah Horsdal), foi a grande adição à série, servindo em vários momentos de contraponto a Michael. E nem precisamos falar da alegria em ver David Cronenberg em “Star Trek”. Se existe um ponto fraco nessa temporada, fica por conta do vilão da temporada, pois é nítida a impressão de que ele poderia resolver seus BOs de outra forma, que não fosse se vingar da chamada espécie 10-C.
Antes de terminar, é preciso lembrar o que dissemos na primeira Live d’OMinotauro, que rola toda terça-feira, às 20h30, no perfil @ominotauro do Instagram: que ótima época para ser fã de “Jornada nas estrelas”! Depois de tantos anos tratando a franquia como um produto qualquer, a Paramount viu o imenso potencial do universo criado por Gene Roddenberry, e o mais importante: que é possível atrair todas as idades, não apenas o fã que já assistiria a qualquer coisa ligada a “ST”.
O resultado desse investimento é que temos nada menos que CINCO séries de “Jornada nas estrelas” para acompanhar em 2022. “Discovery” e “Picard” podem atrair novos fãs e manter os antigos; “Prodigy”, em parceria com a Nickelodeon, é animação para conquistar as crianças; “Lower decks” pode ser considerada a animação capaz de atrair os fãs de “Rick and Morty”; e “Strange new worlds”, que estreia em maio, terá o capitão Pike (Anson Mount) e o doutor Spock (Ethan Peck) a bordo da Enterprise para mostrar as aventuras da NCC-1701 antes da chegada de James T. Kirk.
E há muito mais por vir, pois a Paramount já anunciou uma série baseada na Academia da Frota Estelar, outra que vai tratar da Seção 31, e ainda teremos pelo menos mais um filme de “Star Trek” dentro do “universo Kelvin”. Parafraseando o doutor Spock, o futuro de “Jornada nas estrelas” tem tudo para ser… fascinante.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.