Veterinários reivindicam prioridade na vacinação contra a Covid-19
Profissionais querem ser reconhecidos como trabalhadores da saúde, após receberem negativa de vacina em JF
Médicos veterinários de Juiz de Fora estão reivindicando prioridade na vacinação contra a Covid-19, após alguns profissionais da categoria relatarem ter recebido negativas ao tentarem se vacinar no início deste mês, durante duas semanas dedicadas à aplicação da primeira dose a profissionais de saúde que ainda não tinham sido contemplados. Os veterinários questionam a definição que libera a vacinação para trabalhadores da saúde, visto que, no entendimento da categoria, eles estão inseridos neste meio.
Júlia Barbosa é uma médica veterinária que atua em uma clínica particular da cidade, e relatou à Tribuna que compareceu a um posto de vacinação no dia 19 de maio. No entanto, profissionais que estavam aplicando a imunização teriam negado a dose, afirmando que apenas veterinários que trabalham com inspeção ou na área de zoonoses poderiam receber a vacina naquela ocasião.
“Nós trabalhamos com zoonoses todos os dias. Mas nos tratam como se não fôssemos da área da saúde. Na ocasião, disseram que se não estivéssemos satisfeitas, deveríamos registrar uma reclamação na Vigilância Epidemiológica”, narra. Ela e as amigas, então, foram até o local indicado, onde encontraram outras veterinárias que passaram pela mesma situação. Elas teriam sido orientadas a procurar o supervisor, mas Júlia afirma que elas não conseguiram encontrá-lo e nem obter respostas dele por outros meios. “Pedimos que eles emitissem um documento falando que não iriam nos vacinar, mas eles não o fizeram e nos mandaram de volta ao posto.” No local, elas teriam enfrentado novamente a negativa dos profissionais que realizam a imunização.
Profissionais dizem enfrentar riscos diários de infecção
Conforme Júlia Barbosa, o Plano Nacional de Imunização (PNI), do Ministério da Saúde, define que médicos veterinários podem ser vacinados, exceto os que estão em “estabelecimentos de saúde animal”. De acordo com ela, esta definição foi interpretada pela categoria como se referindo a outros espaços, como petshops e agropecuárias, e não a clínicas veterinárias, conforme justificou a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF).
A situação preocupou os profissionais da área, visto que eles atuam em contato direto com diversas pessoas, como os tutores de animais, por exemplo. “Duas pessoas conhecidas já foram infectadas trabalhando. Dei alta para uma cachorrinha cuja dona estava com Covid-19. Tive que me expor para explicar à tutora o que deveria ser feito para o animal. É uma situação muito difícil, porque ficamos em ambientes fechados, temos que trabalhar, não podemos negar atendimento. Mas é preciso lembrar que o animal não chega sozinho à clínica, sempre tem um tutor ou até mais que um com ele.”
A veterinária Júlia de Morais, que também atua em Juiz de Fora e teve a vacina negada, acrescenta que em outros estados, como o Rio de Janeiro, os médicos veterinários têm sido vacinados contra a Covid-19. Segundo ela, em outros municípios há entendimentos diferentes em relação aos “estabelecimentos de saúde animal”. “Fui receber a vacina e não fui vacinada, mas não fiz uma reclamação formal porque estava sozinha. Prestamos um serviço essencial desde o início da pandemia, não paramos em momento algum”, desabafa.
Para ela, a sensação que fica é a de desvalorização da categoria. “Se a minha profissão passou a não ser vista como área de saúde, o que somos? Trabalhamos com zoonoses diariamente, e o animal está sempre acompanhado do dono. Chegaram a questionar, dizendo que não temos contato direto, mas nós lidamos diariamente e diretamente com o risco.”
PJF afirma seguir definição do Ministério da Saúde
Procurada pela Tribuna, a Secretaria de Saúde de Juiz de Fora informou, por meio de nota, que, de fato, apenas os veterinários que trabalham em Vigilância em Saúde – como, por exemplo, os que trabalham no setor de zoonoses do SUS – podem ser vacinados em Juiz de Fora até o momento. “Os veterinários que atuam em estabelecimento de saúde animal não serão contemplados nesse momento”, diz o texto.
A Prefeitura acrescentou que o entendimento da Administração municipal sobre o assunto é o que está indicado no Ofício 57 do Ministério da Saúde. Em trecho destacado pela PJF na nota enviada à Tribuna, consta que “informa-se que os trabalhadores dos demais estabelecimentos de serviços de interesse à saúde (exemplos: academias de ginástica, clubes, salão de beleza, clínica de estéticas, estúdios de tatuagem e estabelecimentos de saúde animal) não serão contemplados nos grupos prioritários elencados inicialmente para a vacinação.”
A PJF destacou ainda que a recomendação é a imunização de pessoas que estão envolvidas na aplicação da vacina; trabalhadores de instituições de longa permanência de idosos e residências inclusivas dos serviços de acolhimento institucional para jovens e adultos com deficiência; trabalhadores de serviços de urgência e atenção básica envolvidos na atenção de casos suspeitos e confirmados de Covid-19, tanto de serviços públicos, quanto privados e os demais trabalhadores da saúde.
Conselho Federal busca resolução junto ao Governo
Em busca de promover uma mudança na forma como a recomendação do Ministério da Saúde é interpretada por estados e municípios, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), junto aos Conselhos Estaduais e outras entidades ligadas à categoria, entregou um dossiê com todas as solicitações de vacinação da categoria contra a Covid-19 encaminhadas até o dia 20 de maio a governos estaduais, prefeituras e secretarias estaduais e municipais de saúde.
Em reunião realizada na última quarta-feira (19), representantes do CFMV se encontraram com a equipe do Ministério da Saúde para solicitar que se faça valer o Ofício 234, do próprio Ministério da Saúde, que orienta os coordenadores estaduais das campanhas de imunização a incluírem 14 categorias na definição de trabalhadores da saúde, inclusive os médicos veterinários. No entanto, o grupo pediu ao Ministério a correção do ofício, para que a prioridade da categoria seja reforçada e reiterada.
O Conselho afirmou que há a confirmação do Ministério da Saúde de que a modificação ocorrerá, para que a categoria seja incluída como prioritária. Entretanto, a Tribuna fez contato com o Ministério da Saúde para saber se há uma previsão de quando o documento deve ser alterado e sobre o início da vacinação desses profissionais, em conformidade com o PNI, mas, até a edição desta reportagem, o órgão não tinha respondido a solicitação.
Conforme destacou o CFMV, a Resolução nº 287 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), desde 1998, reconhece os médicos veterinários como profissionais da saúde, sem nenhuma separação de área de atuação.