Juiz de Fora tem quase três mil pessoas na fila do Bolsa Família
Especialistas projetam crescimento do número represado diante do fim do pagamento do auxílio emergencial
O Município de Juiz de Fora acumula 2.937 pessoas na fila de espera pela concessão do benefício do Bolsa Família. O dado, confirmado à Tribuna pela Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), é referente a novembro. Ao menos desde maio de 2020, o número de pessoas à espera do acesso à renda mínima é crescente, uma vez que a concessão do benefício a novas famílias está suspensa desde abril pelo Governo federal devido à concessão do auxílio emergencial. Embora mantenha no programa as famílias já beneficiadas antes do início da pandemia de Covid-19, a suspensão – renovada, em 18 de janeiro, por mais 90 dias – impede a concessão do benefício a famílias que tenham sido relegadas às linhas de pobreza e extrema pobreza nos últimos meses.
As 2.937 famílias na fila de espera do Bolsa Família recolocam Juiz de Fora no patamar atingido no início de 2020, quando, em janeiro e fevereiro, o Município acumulou, respectivamente, 3.041 e 3.250 pessoas à espera de inclusão no programa. Em fevereiro, inclusive, o represamento de famílias atingiu patamares históricos a nível federal. À época, contudo, o Ministério da Cidadania conseguiu, ao menos em Juiz de Fora, zerar a fila de espera do programa após conceder 3.839 benefícios entre março e abril. Entretanto, em maio, já havia 137 novas famílias à espera do ingresso no Bolsa Família, número que evoluiu, em setembro, para 1.284, conforme dados obtidos junto ao Ministério da Cidadania por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
O aumento coincide justamente com a transição para o auxílio emergencial residual, quando o valor do benefício mensal caiu de R$ 600 para R$ 300. Conformes especialistas ouvidos pela Tribuna, o desemprego e a retração de renda, somados ao fim da concessão do auxílio emergencial neste mês, podem ter contribuído para aumentar a fila de espera do programa em Juiz de Fora. Caso o Governo federal não aumente o repasse mensal do Bolsa Família a Juiz de Fora após o fim da suspensão da revisão cadastral, novas famílias entrarão no programa apenas caso outras saiam.
Atualmente, conforme dados do Ministério da Cidadania referentes a novembro, o Município tem 15.089 beneficiários, o que corresponde a uma cobertura de apenas 77% em relação à estimativa da quantidade de famílias em situação de pobreza, também de acordo com o levantamento. No entanto, como a estimativa é realizada com base do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de cobertura pode ser diferente.
A Tribuna procurou o Ministério da Cidadania para questionar sobre o novo crescimento da fila em Juiz de Fora, bem como quando, de fato, o Governo federal voltaria a conceder novos benefícios. Entretanto, até o fechamento da edição deste texto, a reportagem não obteve resposta.
Ex-gestor atribui fila a congelamento de benefícios
Em dezembro de 2020, o então gerente do Departamento de Transferência de Renda da PJF, Alfredo Faria, responsável pela gestão do Bolsa Família e do Cadastro Único (CadÚnico) entre 2017 e 2020, conversou com a Tribuna. Embora tenha admitido o patamar histórico atingido entre janeiro e fevereiro de 2020, Alfredo acredita que, desde que o Governo federal tenha orçamento para tal, a fila de espera do Bolsa Família em Juiz de Fora deve ser reduzida até março. “Agora, terminando o auxílio emergencial, o Governo federal deve voltar a conceder os benefícios. Então, a gente só vai ter um posicionamento real sobre a fila por volta de março, porque o Governo já vai ter concedido benefícios em janeiro, fevereiro e março. Pode ser que conceda aos poucos ou que faça como fez em fevereiro de 2020, quando concedeu 3.200 benefícios aproximadamente de uma vez só”, projetou. Contudo, como confirmado pelo próprio Ministério da Cidadania, a suspensão seguirá ao menos até abril.
O ex-gestor do Bolsa Família e do CadÚnico em Juiz de Fora ainda ponderou que, em dezembro, havia um número maior de famílias em Juiz de Fora recebendo o benefício do que o de pessoas aptas a recebê-lo de fato. “Temos em Juiz de Fora 14.501 famílias aptas para receber o Bolsa Família, mas o Governo está pagando para 15.089. Ou seja, a diferença é de pessoas que vão sair do programa, porque provavelmente estão com o cadastro desatualizado ou estão fora do perfil Bolsa Família, e o Governo federal ainda não enxergou isso, porque congelou as bases. Então há uma diferença de 588 famílias que, possivelmente, vão sair e vão dar lugar a outras.” Entretanto, vale ressaltar que a diferença de 588 famílias aptas a entrar no Bolsa Família é ainda inferior ao número de pessoas na fila. Caso as 588 pessoas fossem, hipoteticamente, incluídas no programa, ainda sobrariam 2.349 famílias na fila de espera.
No entanto, Alfredo reconheceu que, antes da concessão de três mil benefícios de uma só vez em março de 2020, o Governo federal, ainda no primeiro ano sob a presidência de Jair Bolsonaro (sem partido), incluía poucas famílias por mês no programa. “O Governo federal, por exemplo, chegou a liberar 300 benefícios por mês, 350, 400, 250 etc. Em 2019, havia mês em que o Governo federal liberava 12, 25, 30. Houve uma redução. O saldo de 3 mil na fila (em março de 2020) foi por conta da diminuição de liberação de benefícios. Acredito que diz respeito a uma questão orçamentária.”
Procurada pela Tribuna, a atual Secretaria de Assistência Social (SAS) ressaltou, em nota, que a Subsecretaria de Vigilância Socioassistencial já identificou as famílias em situação de extrema pobreza no CadÚnico. “Desta forma, a SAS já possui dados consolidados sobre quantas famílias constam em cada um dos territórios dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras). Agora, a subsecretaria está empenhada em identificar as famílias e verificar como elas podem ser atendidas pelo Sistema Único de Assistência Social (Suas) do Município e quais já contam com outra forma de apoio além do Bolsa Família”.
Orçamento de 2021 é insuficiente para receber novas famílias
Ao contrário de Alfredo, a professora da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Viviane Souza Pereira, acredita que a fila de espera do Bolsa Família aumentará durante os primeiros meses deste ano. Além das famílias já à espera do benefício, a tendência, conforme Viviane, é de que pessoas que receberam as últimas parcelas do auxílio emergencial procurem o Bolsa Família após o fim da concessão da renda emergencial paga pelo Governo federal. Aliás, para a pesquisadora em questões sociais e pobreza, o auxílio emergencial “expõe com muito mais veracidade do que o Bolsa Família um quadro maior de famílias que estão em situação de vulnerabilidade e de miséria”.
Questionada se o auxílio emergencial teria “maquiado” o número de famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, Viviane afirma que, na verdade, o benefício expôs famílias que necessitam de políticas públicas de assistência social. “O auxílio emergencial estabelece critérios que são mais flexíveis em termos de documentação, de número familiar, relações de trabalho etc. Até falamos que o auxílio deu visibilidade para pessoas que são invisíveis inclusive para o Bolsa Família em função dos critérios estabelecidos.”
No Projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 encaminhado pelo Governo federal ao Congresso Nacional, há a previsão de R$ 34,8 bilhões para a transferência de renda do Bolsa Família. Porém, se comparado ao valor orçado e revisado para 2020, o montante é, aproximadamente, apenas 7,2% superior – R$ 32,5 bilhões. Viviane aponta que o aumento previsto será suficiente para cobrir apenas as famílias já retidas na fila. “O aumento não daria conta de cobrir a entrada de novas famílias, que já estão buscando o cadastramento desde a redução do auxílio emergencial e vão buscar mais ainda com o fim do auxílio emergencial a partir deste mês. Então, o programa já começa 2021 enforcado, mesmo com o aumento de cerca de R$ 2 bilhões no orçamento. Se a gente trabalha com a perspectiva de que o aumento pode cobrir o atendimento da fila de espera, ele cobriria stricto sensu só isso.”
Agravamento de crise econômica pode aumentar fila
As perspectivas apontadas por Viviane são corroboradas por Alexandre Aranha Arbia, também professor da Faculdade de Serviço Social da UFJF. De acordo com ele, caso a economia não reacelere em 2021, somado ao enxugamento da liquidez no varejo diante do fim do auxílio emergencial, o país deve atravessar uma crise econômica muito grave. O cenário, conforme o professor, levaria famílias a cair para a linha da pobreza e até para a de extrema pobreza, sobrecarregando ainda mais o Bolsa Família, por exemplo.
Diferentemente do Bolsa Família, o auxílio emergencial, no entendimento de Alexandre, além de dar um aporte para a renda familiar, resultou em um acréscimo de renda às famílias e injetou dinheiro na economia. “O auxílio emergencial deu um aporte de R$ 600. É um volume muito mais elástico do que o do Bolsa Família. De acordo com dados do próprio Ministério da Cidadania, foram aproximadamente R$ 250 bilhões injetados na economia. Apenas nos estados nordestinos, isso chega a 6,5% do PIB. Perceba o volume de dinheiro público para tentar fazer a economia girar na ponta, no varejo. Há um cenário muito ruim para o Estado de recolhimento fiscal, porque há retrações econômica e fiscal, além de um comprometimento de teto de gastos, que é um outro garrote.”
De acordo com o pesquisador, há dois fatores que vão determinar o tamanho da fila do Bolsa Família em 2021. “O primeiro é a capacidade de resposta orçamentária que o Governo vai ter, em todos os níveis, para direcionar recursos para os programas de renda mínima. Vamos imaginar que, em um cenário muito bom, otimista e utópico, essa seja uma capacidade real e efetiva, ou seja, os Governos conseguem manobrar o orçamento para ampliar esses programas. Nesse caso, a fila não vai ser para nós o melhor indicador dos níveis de pobreza do país”, pontua. “O segundo são essas pessoas, sem auxílio emergencial, que não venham a conseguir se reinserir no mercado de trabalho e tenham a condição de pobreza recrudescida, que vão cair na fila do Bolsa Família. Eu apostaria, caso as coisas não mudem, ou seja, se o cenário for o de hoje, em um aumento da fila do Bolsa Família.”
Conforme Alexandre, o acréscimo de R$ 2,3 bilhões projetados pelo Governo federal no orçamento do Bolsa Família não é significativo. “Volto aos dados do Ministério da Economia. O Governo federal está trocando R$ 250 bilhões (usado no auxílio) por R$ 2 bilhões. Pode ser que isso gere um efeito na ponta da fila, mas se pegarmos os índices efetivos de pobreza e de desigualdade social – não se a fila cresce ou diminui -, isso não traz impacto efetivo nenhum. E vamos ser realistas: boa parte das pessoas que estão recebendo hoje o auxílio emergencial não tem critérios para se cadastrar no Bolsa Família. Então, elas vão ficar sem renda ou procurar outras formas autônomas de renda antes de entrarem efetivamente no programa.”