Semana passada, estranhamente, nos conectamos via aplicativo. Eu digo estranhamente, porque nunca notei que estivéssemos sem nos falar, já que ela vive aqui ao meu redor.
Impregnada nos sonhos bons de forma definitiva a aminha amiga Bete, a Betinha. Não me lembro de como nos conhecemos. Não houve um dia que marcasse nosso encontro, uma apresentação formal, nada disso. Mas minha vida em Guarani foi marcada por casas e a dela foi muitíssimo importante. Uma casa que fazia fronteira com a da minha avó, tinha uma salinha minúscula que era o local de visitas e tenho certeza de que eram muitos a frequentar aquela parte mais formal do endereço. Uma espécie de baú com fundo falso: de lá saíam alguns filhos e muitas filhas. Eram muitas e muitas mulheres, algumas com nomes mais tradicionais, outras com nomes de santas e algumas com nomes estrangeiros. A Betinha era Elizabeth, com “th”, como se fosse inglesa.
Fomos amigas desde que meu mundo foi mundo. Claro, sempre ajudou que nosso signo combinava – somos as duas de Ar e adoramos uma conversa longa. Nunca estudamos juntas. Sempre um ano ou dois na frente, Betinha era uma personagem enquanto crescia. Contou-me tantas mentiras que me deixava sem dormir de medo. Também me fazia rir até a doce incontinência da infância tomar conta dos shortinhos de algodão que eu portava. Uma das mentiras mais curiosas que ela contou era a de não saber a própria idade. Ela dizia que na certidão de nascimento, existiam duas datas com anos diferentes. Eu ficava tão fascinada com tamanho mistério que nunca me veio à mente verificar os fatos com a mãe dela que costurou muitas das minhas roupas e provavelmente desmascararia o delírio narrativo da filha em dois segundos ou no tempo suficiente para dizer 1972 ou 1973.
A ficção daquela narrativa infundada me encantava. A Betinha não sabe, mas entre as pessoas a quem devo meu arrebatamento por histórias, ela. Tínhamos o hábito de nos encontrar às sete da noite com outros dois amigos Sentados no passeio da minha rua, não demorava a mente brilhante da minha amiga voava a lugares que eu via como se feitos de vida. A mão branca que assustava suas irmãs na hora do banho era motivo de muito questionamento dos meus amigos, mas eu me reduzia a ouvi-la, maravilhada, como se lesse um livro, olhar fixo nos seus olhos castanhos brilhantes da arte de contar. Seu relato que me dava medo era envolto numa narrativa muito bem estruturada, contado de forma convincente. Quantas vezes precisei buscar meus pais madrugada afora por causa da mulher de branco que, ela dizia, se posicionava na sala de jantar da casa dela que também era a sala de TV e com o indicador, a figura fantasmagórica chamava, de debaixo do véu, quem a encontrasse. Claro, minha amiga também era minha confidente. Soube de muitas encrencas, entrou comigo em várias. Mas o que eu mais gostava nela, era ela. Seus delírios, suas ficções, suas histórias inventadas ali na marra, no improviso. Sua companhia sempre foi uma experiência surreal, colorida e viva exatamente como a sua família tão numerosa e que sempre me via, me notava ali na plateia desse lugar mágico que foi a casa da Betinha. Mas não me deram amor sem receber. Minha afeição por todos eles é imensa. Betinha segue comigo. Hoje, por aplicativo. Outro dia me mandou textos tão grandes que parecia escrever um livro. Mas não: era só ela de volta contando coisas para mim que, sentada no chão do meu quarto enquanto lia, notei os chinelos que eu calçava, os de sempre. Um sinal de que o que viramos foi o que sempre fomos.
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