Após perdas, indústria de Juiz de Fora quer virar o jogo
2019 foi marcado por adversidades que foram além da crise, mas setor aposta em melhores resultados
A indústria juiz-forana busca estabilidade em 2020 para se fortalecer e alcançar a tão esperada retomada do crescimento. Responsável por empregar 19.758 trabalhadores e movimentar cerca de R$ 44 milhões por mês em salários, o setor possui grande relevância para a economia local, mas vem enfrentando um histórico de altos e baixos. O ano de 2019 foi desafiador e apresentou obstáculos que foram além da crise econômica. Já no início de janeiro, o segmento de mineração sofreu um baque com o rompimento da barragem da Vale na Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho. Posteriormente, a cidade acompanhou a redução das atividades da Mercedes-Benz e a desistência do projeto da M. Dias Branco. Apesar do cenário desfavorável, os empresários se mantiveram confiantes e aumentaram as contratações. Este otimismo é apontado como principal motor para alavancar melhores resultados e criar uma história diferente este ano.
A tragédia em Brumadinho deixou o país de luto. Os impactos sociais, ambientais e econômicos alcançaram diferentes esferas. Ao final de janeiro do ano passado, a indústria mineira registrou queda de 4,7% do faturamento. O desempenho foi o pior verificado em oito anos. “A economia mineira foi severamente impactada pelo rompimento da barragem, e apresentou resultado nulo na primeira metade do ano”, informou a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).
Embora o setor não tenha contabilizado os resultados de 2019, a estimativa da Fiemg é que as paralisações parciais no segmento extrativo mineral ocasionem reduções de R$ 22,3 bilhões no faturamento estadual e R$ 32,8 bilhões em âmbito nacional. A expectativa da indústria é fechar o ano com retração de 4,96% ante 2018.
Juiz de Fora está inserida neste contexto de perdas, embora a atividade extrativa mineral tenha menor participação na economia local se comparada à indústria de transformação. “A cidade também sentiu os reflexos, como redução de demanda e empregos”, afirma o economista e analista de negócios da Fiemg regional Zona da Mata, Matheus Santana. “O primeiro semestre do ano passado foi muito difícil para toda a indústria, pois quando há uma perda desta dimensão em um segmento, todos os outros são afetados. Além disso, ainda tivemos que lidar com a crise no mercado interno e a incerteza sobre as reformas”, relembra o presidente da instituição, Aurélio Marangon.

Impacto na MRS e Nexa
No relatório mais recente enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), disponível no site do órgão, a MRS Logística informou que o volume total transportado pela companhia no terceiro trimestre de 2019 teve redução de 16,8% em comparação com igual período de 2018. “A queda do total transportado foi ocasionada, principalmente, pelo rompimento da barragem em Brumadinho e suas consequências”, afirma o texto.
Apesar disso, neste mesmo intervalo, a empresa conseguiu aumentar o lucro em 10% em relação ao último trimestre de 2018. O desempenho positivo é justificado pelos resultados obtidos com o transporte de carga geral, categoria que inclui produtos agrícolas, siderúrgicos, contêineres, produtos para construção civil e outros que não são ligados à mineração. Procurada pela Tribuna, a assessoria da empresa explicou que está impossibilitada de detalhar as perspectivas para 2020. “É vedado à companhia antecipar qualquer informação ou fazer projeções antes da divulgação completa dos resultados consolidados (referentes à 2019).”
Também pelo mesmo motivo, a Nexa Resources, antiga Votorantim Metais, não pode conceder entrevista. Mesmo com a ausência de números sobre os possíveis impactos econômicos, a realidade da empresa foi afetada pela situação. Ao longo do ano passado, a equipe de reportagem da Tribuna acompanhou a preocupação dos moradores do Bairro Igrejinha e entorno, na Zona Norte, com a situação da Barragem dos Peixes e a Barragem da Pedra, administradas pela Nexa. A empresa passou a investir em aperfeiçoamento dos planos de segurança, a partir da aquisição de sirenes e da realização de simulados de evacuações de emergência.
Mercedes e M. Dias Branco intensificam dificuldades
O segundo semestre de 2019 intensificou as dificuldades para a indústria de transformação. Em julho, a Mercedes-Benz transferiu o desembaraço das sprinters para o Espírito Santo, motivada por incentivos fiscais. Posteriormente, confirmou que a produção do caminhão Actros irá para São Paulo este ano e abriu a possibilidade para que os trabalhadores da fábrica local fossem transferidos.
À Tribuna, a montadora informou que a decisão sobre as sprinters objetivou “redução de custos e eficiência logística”. Com relação à produção do Actros, destacou se tratar de um projeto interno que havia sido divulgado anteriormente. “Desde 2014, a empresa anunciou investimentos para concentrar toda a produção de cabinas em Juiz de Fora e a fabricação de caminhões em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista.”
Antes de encerrar o ano, a cidade contabilizou mais uma perda. Em novembro, a M.Dias Branco anunciou a desistência do projeto de instalação de um parque fabril na cidade. A empresa, que chegou a assinar o protocolo de intenções junto ao Município em 2014, anunciou a “inviabilidade econômica e de mercado da instalação de uma unidade fabril em Minas Gerais no atual cenário, especialmente em razão da aquisição de plantas industriais no Estado do Rio de Janeiro”. As aquisições no estado vizinho ocorreram após uma série de entraves burocráticos que impediram a realização de um acesso que ligaria o terreno adquirido em Juiz de Fora até a BR-040.

Projetos estruturais
O secretário de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Agropecuária, Rômulo Veiga, lamentou as perdas. “No caso da Mercedes, estamos em negociação, pois existe interesse de todas as partes para que novos negócios sejam aportados aqui, uma vez que a infraestrutura da unidade é muito boa. Já a M.Dias Branco nos deu a notícia de que não irá realizar investimentos pelos próximos cinco anos. Buscamos saber se a empresa tem o interesse de vender o patrimônio adquirido no município, mas fomos informados de que eles irão analisar melhor a situação este ano.” Para Rômulo, é necessário que o município crie oportunidades estruturais a partir de projetos que movimentem toda a cadeia produtiva. Como exemplo, ele cita a Plataforma de Bioquerosene e Renováveis, ainda em fase de engajamento.
Setor cria empregos na cidade
Mesmo em meio a tantas adversidades, a indústria juiz-forana se manteve otimista. Confiando nas possibilidades que seriam criadas pelo tradicional aquecimento do comércio no último trimestre, por conta das festividades de fim de ano, o setor continuou investindo e contratando. Entre janeiro e novembro, criou 450 vagas de emprego, saldo entre as admissões e demissões realizadas no período. A informação é do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgado pela Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia.
De acordo com o presidente da Fiemg regional Zona da Mata, Aurélio Marangon, algumas medidas contribuíram para que o empresariado seguisse otimista. “A liberação dos recursos do FGTS e a redução dos juros aumentaram o consumo, e isto foi muito positivo. A inadimplência ainda é grande e, por isso, a solução para nossa economia passa pela geração de emprego e renda, mas estamos confiantes de que agora a situação irá melhorar para a indústria.” A taxa básica de juros (Selic) encerrou 2019 em 4,5%, o menor patamar histórico.
Esdeva projeta crescimento de até 20%
Após vivenciar duas crises concomitantes, a de sua própria atividade e a do cenário de dificuldades econômicas do país, o setor gráfico precisou se manter em movimento para superar os obstáculos colocados nos últimos anos. Posicionada entre as duas maiores empresas do país em seu segmento, com atuação no mercado editorial e promocional, a Esdeva Indústria Gráfica buscou a diversificação de seus produtos, para se posicionar em um mercado de grandes turbulências.
“Tivemos um ano maravilhoso em 2014, mas, a partir de 2015, o setor gráfico despencou. Desde então, existe uma crise do setor que se misturou com a crise do país. Ainda é muito difícil dissociar uma coisa da outra. Alguns serviços gráficos, por exemplo, acho que não conseguem retomar seu patamar anterior. Outros produtos, como o livro impresso, estão voltando a crescer. Para se ter uma ideia, na Europa e nos Estados Unidos, os livros digitais chegaram a corresponder a 29% das vendas, e, hoje, já recuou para 16%. Quem quer ler, prefere impresso”, avalia André Neves, diretor-geral da Esdeva.
Diante do cenário de crise, a Esdeva buscou diversificar sua linha de produção para se manter forte no mercado. “Hoje, 30% do nosso faturamento vêm de produtos que não trabalhávamos até 2015”, conta André, citando os impressos de segurança. “Após uma queda de faturamento, conseguimos voltar ao patamar que estávamos em função deste novos produtos. Nos reinventamos na crise.”
Com larga experiência no mercado, o diretor-geral da Esdeva afirma que o momento é de confiança na recuperação econômica do país, o que o faz projetar crescimento da empresa da ordem de 15% a 20%. A criatividade é vista por André como um dos principais caminhos para a empresa se manter competitiva. “Como houve uma crise no setor, que levou ao fechamento de algumas empresas, estamos trabalhando para preencher este espaço. Acaba sendo um ajuste de mercado, que era esperado para acontecer em dez anos, mas que se deu em um período de três, quatros em função da crise.”
O empresário afirma que já projeta o futuro da empresa. “Nosso lema é que acabou a crise. Não podemos trabalhar com cabeça de crise. Isto fez com que, de 2015 para cá, o ano passado tenha sido o nosso melhor ano”, relata o diretor geral da Esdeva, que comemora a abertura de uma filial em São Paulo, que também ajudou na diversificação da linha de produtos da gráfica.
“Temos procurado associar várias soluções ao impresso”, pontua, destacando que o mundo está ficando mais competitivo. “Até mesmo as empresas de tecnologia estão enfrentando as mesmas concorrências e dificuldades.” Por fim, André Neves destaca a importância da Esdeva para a indústria juiz-forana e também para o setor. “Hoje, na cidade, geramos cerca de 860 empregos diretos. Se contarmos fora da cidade, este número chega a 1.500.”
Confiança
O economista e analista de negócios da Fiemg regional Zona da Mata, Matheus Santana, destaca que a projeção para 2020 é positiva. “O Índice de Confiança do Empresário da Indústria (Icei) chegou a 64,3 pontos em dezembro, o maior dos últimos 12 meses. Isto é importante para que os investimentos e o nível de emprego sejam mantidos.”
Para ele, a manutenção dos juros mais baixos e o controle da inflação irão continuar impulsionando o consumo e aquecendo a economia. “Ainda temos muitos consumidores negativados, mas temos acompanhado um esforço dos bancos para reduzir a inadimplência e voltar com essas pessoas para o mercado.” De acordo com a Serasa Experian, o Brasil possui 63 milhões de inadimplentes. Em Juiz de Fora, o número de negativados chega a 110 mil, conforme dados da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL).
CNI aposta em crescimento de 2,8%
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) aposta que a economia brasileira irá consolidar o processo de retomada do crescimento em 2020. “A atividade econômica será impulsionada pela expansão de 2,8% do PIB industrial e pelo aumento do investimento, que deve crescer 6,5%”, estimou em seu informe conjuntural.
Para isso, o órgão avalia que algumas medidas devem sair do papel. “É fundamental iniciar o primeiro trimestre no terreno positivo, em especial após tanto tempo andando para trás ou marcando passo. É preciso continuar com a marcha das reformas, sobretudo as que visam a eliminação dos entraves que dificultam ou impedem o investimento produtivo.”
Neste sentido, a reforma tributária é apontada como prioridade. “É imprescindível diminuir a complexidade do atual sistema de cobrança de impostos, unificar tributos, reduzir o número de obrigações acessórias e desonerar as exportações e a produção. Isso vai facilitar enormemente a vida das empresas”, declarou o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade.