Não tente me calar, “valentão”
Todo mundo me pergunta sobre os riscos de ser jornalista. Poucas vezes falei sobre isso, porque penso que a nossa profissão é maior do que o nosso medo. Mas já fui ameaçada de morte, várias vezes. Uma delas quando denunciei a máfia do DPVAT, em 2011, época em que cinco advogados foram presos em consequência da minha investigação. Na ocasião, a polícia me orientou a deixar minha casa em troca de segurança. Grávida de oito meses, deixei para trás meu lar e o quartinho do meu filho que ia nascer. Passei um bom tempo longe para proteger a mim e minha família. Antes disso, já havia sido ameaçada ao denunciar um dos políticos mais influentes da região que acabou renunciando ao mandato para não ser cassado. Também sofri duras perseguições, quando revelei, em 2000, que a mesa diretora da Santa Casa vendia produtos a preços superfaturados para a filantrópica, causando um rombo no hospital de R$ 18,754 milhões à época. Com a reportagem na qual localizei a cova de um militante político que estava desaparecido por 35 anos, tive que enfrentar a ira dos que não queriam que a verdade daquele assassinato viesse à tona. Meu trabalho, porém, foi reconhecido nacionalmente e fez o Governo federal mudar a causa da morte do gaúcho Milton Soares de Castro.
Já passei por tantas experiências, mas nunca pensei que viveria um tempo em que seria ameaçada de morte apenas por escrever sobre algo que alguém discorda, como ocorreu no último domingo. A ameaça partiu de alguém que se esconde atrás de um perfil fake e que se sente absolutamente livre para dizer que vai atirar em mim em meio aos comentários publicados no site do jornal. Quando esse cidadão escreveu A-T-I-R-O P-I-H (atiro piranha), a minha coluna sobre os professores já tinha quase dez mil visualizações. Nem isso o fez ser cauteloso. Certo de que sairia impune, ele não só me ameaçou de morte, como manteve o comentário até hoje, mesmo depois de toda a manifestação de solidariedade que recebi do país. O coitado pensa que não será encontrado, mas será, porque já está devidamente denunciado na Polícia Militar e Civil. Eu acredito na busca da justiça por meios legais.
Não quero politizar coisa nenhuma, nem demonizar ninguém. Mas não posso aceitar que um desavisado venha querer calar o que digo e penso. Vou continuar defendendo o que acredito, e a profissão de professor, uma das mais nobres que existe, está entre os assuntos que me mobilizam. E vou continuar dizendo que atribuir medo a quem ensina é algo devastador para os que crescerão desconfiando não só do ambiente escolar, mas de toda instituição e de qualquer autoridade, inclusive a dos pais. É o sociólogo Rudá Ricci quem definiu muito bem o significado de tudo isso: “esse tipo de ação é anticívica. É um estímulo à violência, uma desconfiança disseminada. É a selvageria, porque se esgarça a nação e coloca brasileiros contra brasileiros. Ao colocar nos alunos o poder de destruir a autoridade educacional, estamos deformando nossas crianças e jovens e acabando com a estabilidade do sistema educacional brasileiro.”
Jamais seria favorável a nenhum tipo de doutrinação, mas não se pode colocar todo mundo no mesmo balaio e, não enxergar isso, é mais do que falta de bom senso, é uma tremenda dose de má-fé. Lançar professores e agora jornalistas ao roll dos inimigos públicos é um tiro no pé. Enquanto os covardes se escondem em seu mundinho, somos nós, os comprometidos com o jornalismo de qualidade, que arriscamos a vida todos os dias para ajudar a construir a memória coletiva desse país, pois o esquecimento gera a barbárie.
Pela primeira vez, nesses 23 anos de carreira, notei que minha voz incomoda porque ecoa muito longe, pois se soma à das milhares de pessoas que confiaram a mim suas histórias. Por isso, não tente me calar, “valentão”. Ao contrário de você, por enquanto um pobre sujeito sem rosto, eu jamais estarei sozinha!