Especialista em violência de gênero e saúde participa de debate na UFJF
Ana Flávia d’Oliveira, médica e professora da USP, participa de evento organizado pelo Coletivo Marielle Franco
Dando pluralidade à temática evento “Sororidade e Resistência – enfrentamento às violências contra a mulher na universidade”, organizado pelo Coletivo Marielle Franco, projeto de extensão da UFJF, que será realizado nesta quinta-feira (8), uma das convidadas é a pesquisadora Ana Flávia d’Oliveira, docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que debate “Violências na Universidade: solidariedade, articulação e enfrentamento”. A professora é referência em violência de gênero e saúde da mulher, tanto como acadêmica quanto no papel de médica, atendendo vítimas de violência física, sexual, moral e psicológica. A especialista esclarece que a discussão só se tornou uma questão de sua área – apesar de o problema ser atemporal – entre o fim da década de 1990 e o início do século atual, mas que ainda assim é possível ter dados de pesquisas relevantes no contexto da saúde.
“O primeiro é que a violência contra a mulher é de altíssima magnitude, e é muito comum em todas as suas expressões, do abuso infantil à violência doméstica, seja física ou psicológica, entre muitos outros desdobramentos. Uma pesquisa que realizamos recentemente em São Paulo revela, por exemplo, que 11% das mulheres sofreram algum tipo indesejado de toque antes dos 15 anos. E, ao redor do mundo todo, um terço de todas as mulheres sofreu agressão física ou sexual”, pontua.
Segundo Ana Flávia, a incidência tão alta da violência de gênero é um dado cultural, ligado a uma histórica desigualdade de gênero e, ao mesmo tempo, às mudanças contemporâneas na sociedade neste campo. “Observamos estes dois aspectos: um é este, histórico, a crença de que os homens deveriam ‘educar’ as mulheres como crianças, o que leva a várias formas de violência ‘corretivas’. Outro ponto é a ameaça de privilégio que os homens sentem com as conquistas que foram dando mais poder às mulheres: a separação de sexualidade da reprodução pela contracepção; a maior escolarização; a ampliação da entrada no mercado de trabalho e a postos de direção, entre outros avanços. Isso criou concomitantemente um medo masculino e reação violenta, no sentido de manter o poder que sentem como injustamente perdido. É um problema cultural e histórico, que se reflete na mídia, na composição do mercado de trabalho, do Congresso, do Judiciário, na própria divisão do trabalho doméstico e em tantos outros espaços de poder.”
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A especialista explica que todo este contexto social reflete direta e indiretamente nos serviços de saúde. “A saúde tende a ser a redutora do sofrimento das patologias diversas do corpo, trata para reduzir essas dores que tem a ver com outro sofrimento, que é cotidiano, em que ocorrem humilhações, ameaças, xingamentos, violências físicas, sociais, psicológicas, um sofrimento que não se cura com antidepressivos e analgésicos. O grande desafio da saúde é aumentar a detecção destas violações e não se ater aos sintomas físicos e fisiológicos delas, podendo ouvir as mulheres, fazer um primeiro acolhimento sensibilizado, sem vitimização, julgamento e culpabilização, oferecendo garantias de segurança e de direitos e, claro, encaminhando os casos para redes de atendimento, como delegacias, centros de referência e outros órgãos.”
Para além de nuances que são mais visíveis ao senso comum, há outros aspectos que atravessam a saúde, em que diversos recortes sociais tornam algumas mulheres mais vulneráveis que as outras às formas de abuso, das mais sutis até o feminicídio “Há a violência contra idosas, cometida sobretudo por filhos e netos; a doméstica praticada por agressores que não o parceiro (esta é a mais comum); o estupro ‘corretivo’ de mulheres lésbicas; a violência obstétrica contra mulheres negras; a especificidade violência contra mulheres com deficiência, a falta de acesso a serviços de mulheres periféricas, e vários outros fatores”, exemplifica.
Tópicos: violência