30 anos do estádio: Um time de craques nos bastidores
Na última reportagem da série de aniversário dos 30 anos do Mário Helênio, conheça ex-jogadores, preparadores físicos, técnicos e torcedores apaixonados que ainda hoje tomam conta do espaço
Nos últimos 30 anos, muitos funcionários já passaram pelo Estádio Municipal Radialista Mário Helênio. Hoje, entre aqueles que cuidam do local, estão ex-jogadores e integrantes da comissão técnica de clubes da cidade, além de apaixonados por futebol que têm o prazer de acompanhar cada partida no espaço. Para conhecer as curiosidades e as experiências desses protagonistas que atuam fora do campo, a Tribuna reuniu supervisores, eletricistas e um administrador que fez história no futebol de Juiz de Fora.
Aos 85 anos, Moacyr Toledo convive diariamente com as lembranças de sua trajetória de maior artilheiro do Tupi, através das fotografias expostas no hall de entrada do Estádio que hoje administra. Foram 159 gols desde os 16 anos, quando começou no Galo, além de ter feito história como integrante do time que ficou conhecido como “Fantasma do Mineirão”. O feito aconteceu em 1966, quando venceu o Cruzeiro duas vezes – a primeira por 3×2 em Juiz de Fora e depois por 2×1 no Mineirão -, além de superar o Atlético MG e o América MG na casa do adversário, ambos por 2×1. O sucesso chamou a atenção até da Seleção Brasileira, que convidou a equipe para um jogo-treino antes da Copa do Mundo com a presença do rei Pelé.
“Aquele foi um marco e tem no Mineirão uma placa de reconhecimento. Fomos chamados para treinar com a Seleção Brasileira porque ganhamos aquele torneio em Belo Horizonte, eles queriam saber porque aquele time que ninguém conhecia tinha destaque”, conta entusiasmado. Ao aposentar as chuteiras com mais de 40 anos, Toledo conta que trabalhou como técnico na escolinha do Tupi e no profissional por cerca de uma década. E, apesar de não ter pisado no gramado do Mário Helênio como jogador, teve a honra de comandar a equipe Carijó que estreou o estádio.
“O Tupi disputava campeonato na época, ele tinha um jogo marcado contra o Cabofriense (pela terceira divisão do Campeonato Brasileiro) e dependia disso para continuar na disputa, o jogo estava marcado na mesma data da inauguração. Então o técnico me chamou e disse para reunir os jogadores que estiverem disponíveis, porque até os reservas foram com ele. Nesse dia, eu recebi uma medalha do Tarcísio Delgado que está guardada até hoje”, relembra.
Da rede ao gramado, os cuidados diários
Desde 2009, Cláudio Rogel, 54, e Tadeu Henriques, 58, são supervisores do Municipal. O primeiro é ex-goleiro do Tupi e também ex-preparador físico nas divisões de base do clube. Já Tadeu passou por Tupynambás, Sport e Tupi como preparador físico e técnico. Ao lado de Toledo e outros funcionários, eles fazem a manutenção, limpeza e preparação da estrutura para os dias de jogo.
Quando não existia o placar eletrônico, era Tadeu quem escrevia o nome do adversário e do dono da casa. “Eu cortava os moldes das letras e colava manualmente o nome da equipe adversária para não ficar escrito ‘visitante’ no placar. Nessa época de placar manual, o Binha (Cléber Aníbal, técnico de base no Tupi) marcou os gols por cerca de 20 anos. Ele ficava em cima na laje e, quando saia gol, colocava os números.”
Tadeu conta que depois da instalação do placar eletrônico em 2017, as bandeiras de tecido foram aposentadas. Até então, em todos os jogos eram colocadas as bandeiras do Brasil no centro e Minas Gerais e Juiz de Fora nas laterais, já que por lei o Hino Nacional deve ser executado antes de cada evento esportivo. “Um dia, por ter sido muito tumultuada a preparação para a partida, coloquei a bandeira de Juiz de Fora no meio, e quando percebemos já estava na metade do jogo e não tinha mais como trocar e falei ‘hoje, colocamos a cidade maior que o Brasil’. O jogo acabou, tiramos as bandeiras, e isso ficou na história”, relembra.
Mesmo com as mudanças, Tadeu continua responsável pela preparação das redes e verificação das marcações do campo de acordo com os padrões da CBF. “Geralmente o pessoal poda o campo na quinta-feira e na sexta-feira faz essa marcação. Quando ficam duas ou três semanas sem ter jogos, a marcação some, mas já tenho o mapa das linhas até na cabeça”, conta ele e destaca os três funcionários responsáveis pelas marcações: José Geraldo Machado, José Geraldo Alves e Erton Braz, que já lutaram contra o tempo quando a chuva lavou a tinta fresca antes de uma partida.
Para Cláudio, cuidar do estádio tem muitos privilégios para um amante de futebol. “Conhecemos os bastidores do jogo, vemos o treino na véspera, a chegada da equipe no dia da partida e vamos participando disso. Depois fica tudo muito natural, a gente nem tem mais tanta curiosidade. Mas percebemos que quando vêm o Atlético Mineiro e o Cruzeiro em Juiz de Fora, aparecem muitos torcedores e muita gente curiosa querendo conhecer os jogadores e tirar foto”, relata.
Mesmo sendo torcedor do Tupi, Cláudio torce mesmo é para que aconteça um grande jogo no estádio. “É muito bacana trabalhar aqui, minha vida inteira trabalhei com futebol, desde novo. Significa estar trabalhando perto daquilo que eu gosto e estar por dentro dos bastidores. Comento com o Tadeu que às vezes saímos aqui de madrugada, porque teve um jogo importante, e no dia seguinte temos que estar aqui cedo. Mas faço isso com o maior prazer e não sinto o cansaço.”
Desde que chegaram ao estádio, os dois supervisores fazem o relatório das partidas, que auxiliam na administração e servem de registro histórico. Do evento mais inusitado que o estádio já vivenciou, os supervisores guardam até um souvenir: foi o jogo entre Tupi e Aparecidence (GO) há 5 anos, quando o massagista adversário Esquerdinha tirou o gol de classificação do Carijó para as quartas de final da Série D. “Nesse dia, o massagista saiu do estádio escondido dentro do baú de chuteira dos jogadores, com medo de ser reconhecido. Ele deixou para trás o colete de socorrista, que está aqui até hoje”, conta Tadeu.
“Cada jogo é uma história”
O flamenguista Francisco Moraes (Chico), 57 anos, e o botafoguense Wanderlei Pedrosa, 60, são dois dos responsáveis pelo sistema elétrico do estádio. Além de fazer as manutenções, em todos os dias de jogos, a equipe se instala em uma cabine acima da arquibancada e faz plantão até a última entrevista. Segundo a dupla, mesmo com tantas histórias e imprevistos, nunca aconteceu de qualquer jogo precisar ser cancelado ou interrompido por falta de luz.
Chico trabalha como eletricista na Prefeitura desde 1987, um ano antes de inaugurar o estádio, e conta que acompanhou a chegada da iluminação no palco esportivo. Segundo ele, as primeiras partidas disputadas no lugar, inclusive no grande dia da estreia, eram todas realizadas de dia, já que o sistema elétrico ainda não havia sido instalado. A situação mudou em 4 de julho de 1992, com o jogo entre Botafogo e Cruzeiro pelo Campeonato Brasileiro. A vitória do carioca por 2×1 aconteceu sob 60 refletores com capacidade de 120 mil watts.
“A eletricidade veio na administração do prefeito Alberto Bejani. Ele viajou para Belo Horizonte e ligou para o administrador do estádio Dirceu Buzzinari, falando que teria um jogo entre Botafogo e Cruzeiro, mas era à noite. Isso caiu igual a uma bomba. Como iríamos fazer? Então ele voltou para Juiz de Fora e chamou nosso setor e não tínhamos estrutura para fazer, nem tinha sistema elétrico no estádio. O jogo já estava marcado, fizemos parceria com a Cemig, e trabalhávamos até uma hora da manhã. A Cemig colocou dois transformadores, e trabalhamos com o que tínhamos de material. Na época, pegamos refletores que montavam o carnaval, e os outros tiramos das torres do Tupi (Estádio Saltes Oliveira) e transferimos para cá. Tivemos um mês para fazer isso. No dia do jogo, ficamos em cima do telhado esperando dar algum problema a qualquer momento, mas deu tudo certo”, relembra.
A iluminação definitiva chegou em 26 de novembro de 1997. As 128 lâmpadas das quatro torres que funcionam até hoje estrearam na partida entre Tupi e Sampaio Corrêa (MA) pela série C do Campeonato Brasileiro, onde o dono da casa perdeu por 1×0.
Wanderlei trabalha no Mário Helênio desde 2004 e também coleciona histórias marcantes da responsabilidade de cuidar da iluminação de um grande estádio. O jogo entre Tupi e Atlético PR pela Copa Brasil, em 28 de abril de 2015, ficou paralisado por meia hora. “O jogo estava rolando, e, de repente, apagou uma torre e fechou o curto em uma peça, sendo que as peças trabalham em série. Se eu tirasse uma, ia apagar todas de um lado do estádio. Desliguei e passei para uma chave direta, mas isso leva tempo, e o juiz pressionava para voltar o jogo. O Tupi estava ganhando por 1×0, e o juiz achou que fosse sabotagem. Quando acabou o jogo, ainda estava voltando a energia, e o juiz pediu para mostrar a peça para comprovar que não era sabotagem”, conta.
Trabalhar no estádio também é uma oportunidade de ver de perto os times do coração, mas com uma restrição: quem trabalha lá precisa torcer com moderação. “Quando teve jogo entre Botafogo e Flamengo, não cabia ninguém no estádio. Terminou em empate 2×2, mas a gente não pode comemorar enquanto estamos trabalhando. A gente sai de um lado para o outro para conferir as torres, passando pelas duas torcidas, então não podemos torcer”, explica Wanderlei.
Com tantas histórias e curiosidades, o trabalho dos eletricistas é de uma responsabilidade sem tamanho. “Nós nunca ficamos tranquilos”, afirma Chico. “Quando vejo um jogo na televisão e acontece um apagão, eu imagino o que eles estão passando, porque é difícil. O jogo é algo muito sério. Mas é muito gratificante trabalhar aqui, porque é um trabalho de responsabilidade, e cada jogo é uma história”, conta.