Guerreiras de Clara estreia bloco no domingo
Grupo formado só por mulheres apresenta releituras do repertório de Clara Nunes; elas também marcam presença neste sábado no Bloco da Arteria
“É cheiro de mato / É terra molhada / É Clara Guerreira / Lá vem trovoada / Epa hei, Iansã! Epa hei! / Epa hei, Iansã! Epa hei!” De autoria de Dedé da Portela e Norival Reis, este trecho de “Contos de areia”, samba-enredo da Portela em 1984, homenageava um dos três nomes que eram considerados símbolos da azul e branco de Madureira: além de Natal e Paulo da Portela, dois dos fundadores da agremiação, ali estava a mineira que saiu de Paraopeba para cantar o Brasil mestiço, seu sincretismo religioso, o samba, até sua morte precoce, em abril de 1983, aos 40 anos.
Mas pelo menos em Juiz de Fora, Clara Nunes está viva, principalmente no carnaval. O grupo Guerreiras de Clara, formado há pouco mais de dois anos só por mulheres para celebrar a obra da intérprete com suas releituras, participa pelo segundo ano da folia juiz-forana, e, desta vez, num evento em que é a atração principal. Neste domingo (28), a partir das 15h (com apresentação marcada para as 17h), é a vez do Bloco Guerreiras de Clara ocupar a Praça Agassis, no Mariano Procópio, mostrando a força da presença feminina na música, na cultura e no carnaval: no total, serão cerca de 60 mulheres comandando a festa – algo inédito para o projeto -, entre cantoras e ritmistas do próprio grupo (num total de 19), banda de apoio e as 40 convidadas do projeto Batuquedelas, que eventualmente levam sua força rítmica para as apresentações. O evento de domingo será o fechamento de um final de semana agitado, pois as Guerreiras de Clara participam como convidadas, neste sábado (27), do Bloco da Arteria, que tem início às 15h na Praça Presidente Kennedy, no Paineiras.
Para as duas apresentações, o grupo vai interpretar alguns dos clássicos imortalizados na voz de Clara Nunes, desde sucessos da fase inicial (“Coração leviano”, “Tristeza pé no chão”, “Lama”) até a fase de maior sucesso comercial, em que as influências da música e religiões afro-brasileiras se fizeram mais presente, como “Guerreira” (música que inspirou o nome do grupo), “O canto das três raças”, “Meu sapato já furou”, “Ijexá”, “Minha missão”, “Coisa da antiga”.
As releituras, a partir de ritmos como o partido alto, ijexá, samba, funk e afoxé, serão acompanhados pela percussão das ritmistas e a banda formada por Amana Veiga (flauta), Tamires Rampinelli (violão), Sílvia Rocha (contrabaixo), Nádia Ribeiro (vocal) e Bethânia Discacciati (percussão solo). No total, a apresentação deve ter um total de cerca de 25 músicas.
O bloco terá outras atrações no domingo. Foram convidados a turma do Trupe Tear, de tecidos acrobáticos; o coletivo de mulheres capoeiristas De Dandara Às Marias; o projeto E Danço, que reúne mulheres a partir de 18 anos, com o espetáculo “Todo mulher”; e o DJ Pedro Paiva, do projeto Vinil É Arte.
Mulheres pela música – e por Clara
Se surgiu em 2016 com o objetivo de manter viva a obra de Clara Nunes, o Guerreiras de Clara, ao entrar de cabeça no carnaval, também ajuda, com sua presença, a valorizar o feminino na arte e na cultura. “Quando colocamos 60 mulheres para se apresentar, sem nenhum homem acompanhando, mostramos a importância da mulher na arte”, afirma uma das solistas do grupo, Tissiana Camargo, ressaltando a doação de trabalho por parte de todas para ajudar na organização do evento. “São mulheres de várias áreas em torno de um bem comum, que é a música. Tivemos a sorte de ter tantas pessoas querendo ajudar”, confirma uma das diretoras musicais do projeto, Fabrícia Valle – a outra é Alessandra Crispin.
O carnaval, porém, é mais um passo para o Guerreiras de Clara, que em 2016 reuniu um grupo de mulheres que não eram ritmistas mas tinham em comum a admiração por Clara Nunes. “Nosso foco é o repertório da Clara, que não é um repertório qualquer. Ele tinha muito a ver com os excluídos, o negro, o índio, o pobre, as religiões de matriz africana, que ficavam relegados aos terreiros e que ela ajudou a trazer para a mídia, muitas vezes se contrapondo ao politicamente correto”, analisa Tissiana. “Ela vinha cantando os orixás dela vestida de branco, com os pés descalços e cabelo desgrenhado. É um repertório que precisamos manter vivo. É muito bonito ver o povo cantando junto, em especial os mais velhos, que são apaixonados pela Clara e nos agradecem ao final de cada show.”