Raimundo Nonato: há 56 anos trabalhando na Câmara Municipal
Ele carimbou todas as recentes leis produzidas na cidade e aprendeu: “Para ser político tem que ter vocação”
Ele cumprimentou 12 prefeitos, em 17 gestões. Trabalhou para 15 legislaturas na Câmara Municipal. Abraçou as 11 mulheres que se elegeram vereadoras na história da cidade. Assistiu três vereadores sagrarem-se vencedores no pleito para o Executivo municipal. Em 56 anos de carreira, Raimundo Nonato Américo Mendes, com seus mais de uma dúzia de carimbos, acompanhou as milhares de leis produzidas nas últimas cinco décadas em Juiz de Fora. “Tem carimbo de recebido, de aprovado, de emenda aprovada, de aprovado substitutivo, aprovado em primeira, aprovado em segunda”, enumera o homem que em 2018 completa 80 anos de estrada. “Em todas as reuniões eu estou presente”, orgulha-se o servidor que de contínuo chegou a chefe da Divisão de Acompanhamento de Processo Legislativo, tendo passado mais tempo de sua vida na sede do Legislativo do que na própria casa.
“Antigamente o horário era diferente. A Câmara funcionava de manhã, de tarde e as reuniões começavam 19h45 e iam até 23h45. Os vereadores, quando acabava a pauta, pediam prorrogação e eu, muitas das vezes, saía às 2h da manhã, ia para a casa para estar de volta, no outro dia, às 8h da manhã. E não eram só dez reuniões, não. Costumava ter quase o mês todo. Sábado tinha o título de cidadão honorário e benemérito, e todos os funcionários tinham que assistir”, conta o profissional que recebeu as medalhas Comendador Henrique Halfeld e Barbosa Lima, além dos títulos de cidadão benemérito e amigo da Guarda. Este ano, o mais antigo funcionário da instituição com sede no Palácio Barbosa Lima é o homenageado pelo Bloco dos Servidores Municipais.
Principal testemunha dos bastidores da política local, Raimundo guarda na memória tentativas desastradas de legislar. “Cheguei a ver umas três leis muito esquisitas: a lei do gelo colorido, que o vereador tentou mas não foi para frente; outra, que queria que todos os carros que estivessem acompanhando um enterro carregassem um adesivo dizendo isso; e mais uma, que o vereador queria que os cavalos usassem fralda”, conta, aos risos. Também recorda-se, com o interesse expresso na voz e no brilho dos olhos, de textos que lhe deram o orgulho do trabalho, como a lei que dava isenção de impostos a empresas que se instalavam na cidade, a que deu o aceite das verbas para a abertura do Mergulhão, além das que beneficiam o idoso e o deficiente.
Por pena
Na primeira vez em que entrou na Câmara Municipal, Raimundo tinha quase 20 anos. Ao lado do pai e desempregado, pedia uma carta de apresentação para o dentista e vereador Dr. Orlando Antônio Fellet (1955 – 1958), “muito amigo do pai”. Na legislatura seguinte, retornou, para ter a carteira assinada pela Casa. “Vim trabalhar em 1º de setembro de 1961, na época em que o Olavo Costa era prefeito. Quem me colocou aqui foi o Dr. Godofredo Baziliço Botelho (1955 – 1966). Daquela época, o único vereador vivo até hoje é o Dr. Wilson Coury Jabour. Eu tinha ficado desempregado uns três dias antes. Entrei como contínuo. Ficava com pena de uma senhora que trabalhava com arquivos pesados e comecei a ajudá-la. Quando a Câmara mudou de endereço, ela pediu ao Dormevilly Nóbrega, que era o historiador, para que eu trabalhasse com ela. Fui arquivista, protocolista, depois assessor, galgando até chegar à chefia. Hoje sou chefe de uma divisão que, se parar, a Câmara para. Tudo o que os vereadores discutem, é a nossa seção que produz. Quando eles apresentam projeto na mesa, vem para nossa mão. Somos nós quem formulamos, vemos para quais comissões vão, e em que dia entra para discussão. Depois volta para nós e enviamos para o prefeito sancionar ou vetar”, explica o homem de bigodes e cabelos brancos a denunciar o tempo passado e a história de mudanças que presenciou no Legislativo municipal. “No início, a Câmara era na esquina do Parque Halfeld. Era a Prefeitura também. No mesmo corredor, de um lado ficava o presidente da Câmara, do outro, o prefeito. E os gabinetes eram abertos. Um dia, o prefeito estava trabalhando a noite, e um vereador ‘meteu o pau’ nele na sala. O prefeito foi para a porta, mas o vereador não viu. Tentaram alertar, mas demorou. Quando ele viu o prefeito, mudou o discurso dele, na hora”, lembra, bem-humorado, o homem que virou a cara quando a instituição decidiu abandonar o Edifício Adhemar Rezende de Andrade (atual sede da Cesama), para ocupar o suntuoso prédio atual. “Antes, tinha um plenário que era um colosso. Em cima era a divisão. Naquela época eram vinte e poucos funcionários, hoje tem muito mais. Se tivesse continuado naquele próprio prédio, teria lugar suficiente para todo mundo”, garante ele, cuja mesa fica do outro lado do Parque Halfeld, em uma sala no imóvel onde também funciona a Previdência Social.
Por urgência
Na infância do juiz-forano Raimundo, a casa vivia sempre muito cheia. “Sempre morei do lado de lá do Rio Paraibuna, no Vitorino Braga, São Bernardo, por ali.” Um dos 13 filhos de um conhecido motorneiro de bonde, que depois passou a telegrafista dos Correios, com uma dona de casa, o menino, aos 15, já trabalhava para ajudar em casa. “Fazia cobrança para lavanderias. Depois fui trabalhar num mercado da Rua Batista de Oliveira. Logo mais numa fábrica de calçados, que faliu, e eu fui chamado pelo Dr. Botelho, que era casado com uma tia da minha patroa e vereador”, recorda-se ele, que em 1990 aposentou-se, mas o presidente da Câmara, na época, convenceu-lhe a permanecer na política. Até quando?, pergunto. Raimundo pede que desligue o gravador. A data é surpresa. Mas é certa. Hoje, com a esposa Alcy, com quem está casado há mais de 50 anos, pai de quatro (Marcos, Patrícia, Augusto e Renata), avô de três e bisavô de uma, ele quer descansar. Quando atravessar a porta da Câmara levará na bagagem um sem número de amigos de dentro e de fora do poder. Também levará a ética da qual nunca abriu mão. “Costumo falar com meus colegas que quando vem alguém aqui, a gente tem que atender com prontidão. Não estamos fazendo favor, é nossa obrigação.”
Por paixão
Na juventude, o interesse de Esquerdinha era apenas um: “Meu negócio era futebol.” Aos 6 anos, Raimundo ganhou uma camisa do Flamengo. Mais tarde, aos 9, montou um grupo de pelada e recebeu o apelido de Esquerdinha, como o craque dos anos 1950, que atuou como ponta-esquerda em 277 partidas pelo Rubro-Negro, marcando 110 gols e tornando-se o 16º maior artilheiro do clube. No trabalho, orgulha-se por ter sido chefe, por dois dias, de Maciel, goleiro titular do Flamengo nos anos 1960. “Ele foi trabalhar na minha seção por dois dias, mas depois foi emprestado ao Legislativo do Rio de Janeiro, porque tinha que estudar ou trabalhar para jogar futebol. Como o Dr. Waldir Pedro Mazocoli (1951 – 1958 e 1963 – 1966), que era o presidente da Câmara e fazia parte do conselho do Flamengo, cedeu ele para a Câmara carioca”, conta, resgatando práticas comuns num meio político que, nas últimas décadas, deparou-se com diferentes regramentos e também com novos eleitores. “Ele (o eleitor) hoje está mais atuante, tem televisão, internet, que permitem que o sujeito fique sabendo o que acontece no mundo. O eleitor está mais esclarecido”, defende o homem que filiou-se ao MDB e, mais tarde, integrou os quadros do PSDB, por onde disputou uma eleição na década de 1990. “Fui candidato pelo PSDB, que não tinha candidato a vereador. Faltavam dois. Fui, fiquei afastado, não tive tempo de trabalhar a campanha, mesmo assim recebi 920 votos. Depois não quis mais. Porque acho que para ser político tem que ter vocação. Apesar de trabalhar com política, não conseguiria ser um”, revela Raimundo, cientista político pela força do tempo de carreira. “Antigamente tinha muito vereador que se envolvia na política por prazer. Lembro que eu ganhava quase Cr$ 8 mil e os vereadores ganhavam Cr$ 5,6 mil. Faziam por gostar de política.”