Concurseiros lutam por regulamentaĆ§Ć£o
Ingressar na carreira pĆŗblica nĆ£o Ć© tarefa fĆ”cil. AlĆ©m de investir tempo e dinheiro para passar em um concurso, os candidatos podem enfrentar diversos problemas, desde a inscriĆ§Ć£o atĆ© mesmo depois da aprovaĆ§Ć£o. Editais pouco transparentes e publicados com tempo insuficiente para o estudo, taxas de inscriƧƵes abusivas, falta de cronograma das etapas e descumprimento de prazos para homologaĆ§Ć£o e convocaĆ§Ć£o sĆ£o alguns dos transtornos que acontecem. A ausĆŖncia de uma legislaĆ§Ć£o que regulamente as seleƧƵes Ć© apontada como fator que contribui para esta situaĆ§Ć£o. Apesar de ser uma promessa de longa data, a criaĆ§Ć£o da Lei Geral dos Concursos PĆŗblicos ainda nĆ£o saiu do papel e segue sem grandes avanƧos.
Alexandro Lima, 28 anos, sabe bem como sĆ£o os transtornos enfrentados por concurseiros. HĆ” trĆŖs anos, ele tem se dedicado aos estudos. “Ć uma rotina difĆcil, principalmente porque tive que conciliar meu antigo emprego com o cursinho.” Neste perĆodo, ele tentou oito seleƧƵes, incluindo a prova para agente penitenciĆ”rio da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Seds), seleĆ§Ć£o que comeƧou em 2013 e estĆ” em andamento atĆ© hoje. No momento, Alexandro deixou o emprego para participar do curso de formaĆ§Ć£o para o cargo.
A morosidade para a conclusĆ£o do certame foi um dos grandes problemas vividos pelos candidatos a agente penitenciĆ”rio da Seds. “O concurso ficou parado por muito tempo. Como nĆ£o havia um cronograma a ser seguido, nĆ³s travamos uma verdadeira luta para que cada uma das seis etapas fosse realizada.” Os concorrentes chegaram a acampar cinco vezes em frente Ć Assembleia Legislativa e ao PalĆ”cio Mangabeiras, em Belo Horizonte, pedindo o andamento da seleĆ§Ć£o. “O concurso foi lanƧado em uma administraĆ§Ć£o e teve continuidade em outra, entĆ£o, sempre ouvĆamos que nĆ£o havia verba disponĆvel.”
Para Aline Moreira, 30, a opĆ§Ć£o de ingressar na carreira pĆŗblica surgiu com a expectativa de conseguir um bom salĆ”rio e estabilidade. “Depois que perdi o emprego, decidi estudar para concurso. Mas o caminho Ć© mais Ć”rduo do que parece. VocĆŖ estuda bastante, tenta superar os prĆ³prios limites a cada prova, e a concorrĆŖncia Ć© pesada. Saber que existem fraudes em concursos Ć© muito injusto e desanimador.”
De acordo com a estudante Luciana Carvalho, 27, algumas bancas organizadoras jĆ” sĆ£o consideradas “problemĆ”ticas” pelos candidatos. “Dependendo de quem organiza, eu nĆ£o tento o concurso. FaƧo parte de um grupo de concurseiros que trocam experiĆŖncia sobre seleƧƵes, e fico sabendo de vĆ”rias situaƧƵes das quais tento me precaver. HĆ” muitos casos em que o candidato precisa recorrer Ć JustiƧa, o que torna todo o processo ainda mais desgastante.”
Dentre os transtornos enfrentados pelos estudantes, Luciana destaca os concursos que nĆ£o oferecem vagas imediatas. “O ideal seria que abrissem uma seleĆ§Ć£o quando houvesse a real necessidade de pessoal, pois o candidato se dedica aos estudos, paga a taxa de inscriĆ§Ć£o para concorrer Ć formaĆ§Ć£o de cadastros reserva que nem sempre sĆ£o realizados.”
PEC busca uniformizar concursos pĆŗblicos
Aprovada pela ComissĆ£o de JustiƧa e Cidadania (CJC) do Senado, em julho, a proposta de emenda constitucional (PEC) 75/2015 estĆ” pronta para a deliberaĆ§Ć£o no plenĆ”rio e deve ser submetida a duas sessƵes de discussĆ£o, seguidas de votaĆ§Ć£o. A matĆ©ria abre caminho para a criaĆ§Ć£o de uma Lei Geral Nacional de Concursos PĆŗblicos que possa combater irregularidades, a partir da definiĆ§Ć£o de regras para as seleƧƵes. De autoria do ex-senador Douglas Cintra (PTB), de Pernambuco, o documento estabelece que o Poder Legislativo tenha a iniciativa de criar a lei, sendo concedida autonomia a estados, municĆpios, e ao Distrito Federal para fazerem adequaƧƵes de acordo com suas realidades.
Em entrevista concedida Ć Tribuna, Cintra explicou que a ideia da PEC surgiu a partir dos recorrentes casos de fraudes noticiados pela imprensa. “Acompanhamos com frequĆŖncia, principalmente nas pequenas cidades, editais e concursos que nos parecem “direcionados” a facilitar a aprovaĆ§Ć£o de determinadas pessoas, provavelmente ligadas a quem estĆ” no poder”, relata. “Ć uma grande injustiƧa com os participantes e, tambĆ©m, um impedimento para que a sociedade receba os melhores servidores pĆŗblicos.” Ele defende que a PEC se faz necessĆ”ria, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os critĆ©rios de avaliaĆ§Ć£o das bancas organizadoras nĆ£o podem ser revistos pelo JudiciĆ”rio. “DaĆ a necessidade de incluir essa previsĆ£o legal na ConstituiĆ§Ć£o.”
Projeto de lei
O texto da PEC destaca que “apesar dos inĆŗmeros projetos que tramitam no Congresso Nacional, ainda nĆ£o foi aprovada uma lei abrangente sobre o tema”, e segue com a afirmaĆ§Ć£o de que “Ć© urgente a aprovaĆ§Ć£o de uma lei nacional para os concursos pĆŗblicos”, o que “contribuiria para uniformizar o tratamento da matĆ©ria em todo o paĆs, tornando obrigatĆ³ria para todos os entes pĆŗblicos a aplicaĆ§Ć£o das regras moralizadoras”. Para a criaĆ§Ć£o da legislaĆ§Ć£o especĆfica, Ć© sugerido que o Poder Legislativo dĆŖ inĆcio ao projeto de lei, e os parlamentares apresentem propostas a serem debatidas.
‘Ć uma luta antiga’, diz associaĆ§Ć£o
As tentativas para garantir uma legislaĆ§Ć£o especĆfica jĆ” datam de mais de uma dĆ©cada, segundo informaƧƵes da AssociaĆ§Ć£o Nacional de ProteĆ§Ć£o e Apoio aos Concursos (Anpac). A diretora-executiva da entidade, Maria Thereza Sombra, conta que, em 2006, esteve em BrasĆlia para entregar a minuta de um estatuto para os concursos pĆŗblicos. Diante da ausĆŖncia de resposta, retornou em 2011. “Ć uma luta antiga, mas todos os projetos neste sentido entram em tramitaĆ§Ć£o e, em seguida, sĆ£o paralisados.” Ela espera que a PEC 75/2015 possa contribuir para modificar de vez a realidade que atinge estudantes em todo o paĆs. “Se este for o caminho para aprovaĆ§Ć£o de uma lei, com certeza serĆ” muito positivo. NĆ£o pode ser apenas mais um projeto, porque esta situaĆ§Ć£o Ć© urgente. Hoje o candidato luta duas vezes, a primeira para passar e a segunda para enfrentar as fraudes.”
Em Juiz de Fora, os cursos preparatĆ³rios para concursos tambĆ©m acompanham, hĆ” muito tempo, as dificuldades enfrentadas pelos estudantes. “Como nĆ£o hĆ” uma lei especĆfica, as bancas fazem uma adaptaĆ§Ć£o da lei de licitaĆ§Ć£o (Lei 8.666) e adotam o prazo de 45 a 60 dias entre a publicaĆ§Ć£o do edital e a realizaĆ§Ć£o da prova, o que nĆ£o Ć© razoĆ”vel para quem quer se preparar”, avalia o sĆ³cio-gerente do Curso Logos, Marcelo GonƧalves Alves. “Uma legislaĆ§Ć£o prĆ³pria poderia estabelecer um prazo mais adequado e restringir o conteĆŗdo programĆ”tico, se atento ao que efetivamente serĆ” cobrado nas provas.” Marcelo diz que os alunos do curso aguardam com ansiedade a aprovaĆ§Ć£o da Lei Geral. Para ele, uma regulamentaĆ§Ć£o daria maior seguranƧa aos estudantes e, tambĆ©m, traria benefĆcios para o serviƧo pĆŗblico, uma vez que selecionaria os melhores candidatos.
PadronizaĆ§Ć£o
O diretor do Executivo Concursos, Antonino Bellini JĆŗnior, concorda. “Acompanhamos uma sĆ©rie de problemas, e a criaĆ§Ć£o de uma lei ajudaria a padronizar estas questƵes, garantindo que elas fossem cumpridas independente do concurso ou banca. Seria um ganho para os estudantes, que teriam a certeza que a dedicaĆ§Ć£o Ć© o Ćŗnico caminho para a aprovaĆ§Ć£o; para os cursinhos, pois mais pessoas se interessariam pela carreira pĆŗblica; e a prĆ³pria administraĆ§Ć£o, que teria a garantia de funcionĆ”rios sĆ©rios e dedicados.”