“Agora já não é normal…”


Por TADEU SILVA, COLABORADOR

30/12/2015 às 07h00

A agressão verbal sofrida pelo compositor Chico Buarque ao sair, com amigos, de um bar do Leblon torna evidente o que já era sabido: a raiva da elite com os avanços sociais dos últimos anos, que misturou espaços de nossa estática pirâmide social. Como essa mexida implicou ocupação proporcional dos lugares, os recantos exclusivos do privilégio sentiram-se ameaçados e passaram a reagir.

Como seria inviável uma pauta de retrocessos, danosa para sua maquiagem moderna, a elite continuou agarrada onde sempre esteve, nos símbolos da nacionalidade, que sempre foi para ela a pátria-mãe, ao mesmo tempo em que madrasta para a grande maioria pobre. Veste-se de verde e amarelo tentando retomar a indecente amizade colorida e incestuosa com os cofres da viúva, como declarou o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. Acusa a corrupção enquanto manobra preventiva, pois se sabe a maior corrupta da história brasileira, herdeira do patrimonialismo predador que Raymundo Faoro, dentre tantos, denunciou no clássico “Os donos do poder”.

Na verdade, está apavorada com a perda da prerrogativa espoliadora exclusiva que a manutenção do poder sempre favoreceu. Impune durante 500 anos, está desacostumada, porque nunca esteve, a um ambiente em que as instituições apurem e punam livremente, o que tocou rebu em suas hostes corruptas.

É isso que explica manifestações cuja totalidade dos presentes, noves fora babás e outros grupos de apoio, é branca e rica, como mostraram as pesquisas. Sintomático é também que nunca demonstrou qualquer animosidade pela ficha corrida (sic) do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e outros figurões, pois escândalos não faltam. Rabo preso ou pura identificação, o que interessa é que ostenta a mesma qualidade no que tange ao assalto ao Estado Brasileiro.

Pior, com o exemplo dado pelos governos petistas de cortarem na própria carne, doa quem doer, intuiu o golpe mortal no modo de operação que a sustenta desde sempre. O desespero e o ódio que a levam a um discurso destemperado, cheio de mentiras e acusações, sem preocupação factual, são seu canto do cisne. Um exemplo interessante foi a reação da classe médica contra o programa “Mais médicos”, que julgava ameaçar, e ameaça, seu monopólio sobre a exploração da saúde nacional.

Enfim, todos esses estrebuchares, apesar da condenável incitação violenta, não deixam de ser normais nas circunstâncias brasileiras. A silenciosa violência dos arranjos entre quatro paredes tinha como contrapartida o estardalhaço das dores de suas vítimas, para as quais fazia ouvidos (olvidos?) de mercador. Sua contrapartida, em tempos de modernização das relações e dos costumes, é o estridente recado enviado pela democracia, patrocinadora da cidadania cada vez mais explícita. E o Chico, ela sabe, é um dos muitos fiadores dos novos tempos, que a sociedade brasileira espera e merece.

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