Da lama ao caos: a lição de Mariana
O nome Minas Gerais se deve à primeira atividade econômica desenvolvida no estado: a mineração. Das diversas minas se extraem ferro, manganês, bauxita, britas, areias, ouro, pedras preciosas, calcário, mármore, fosfato, argilas, nióbio, caulim, quartzo, mica, entre outros. No entanto, tamanho potencial minerário ofusca o outro lado da questão: os impactos ambientais adversos. Na maioria das vezes, para se alcançar o recurso mineral, é necessário desmatar e remover o solo para realizar a lavra a céu aberto em bancadas ou em cavas. Os impactos são vários: extinção da biodiversidade, fragmentação de ecossistemas, eliminação de nascentes, alteração de cursos d’água, emissões de ruídos, assoreamento de rios e alterações topográficas para construção das barragens de rejeitos e disposição final de material estéril.
Mesmo considerando as medidas mitigadoras e os monitoramentos exigidos pelos órgãos ambientais responsáveis pelo licenciamento e fiscalização, os riscos de acidentes são elevados. O recente vazamento da barragem do Fundão, pertencente à empresa Samarco, não foi o primeiro. Aqui mesmo, na Zona da Mata, já tivemos acidentes semelhantes com rompimento de barragens contendo rejeitos de fabricação de papel em Cataguases (2003) e rejeitos da lavagem de bauxita em Miraí (2006 e 2007). Esses vazamentos ultrapassaram os limites de Minas Gerais e atingiram o Estado do Rio de Janeiro. Na época, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, demonstrou preocupação com a falta de informações sobre o número de barragens de rejeitos em Minas Gerais e suas reais condições estruturais e de manutenção. O acidente ambiental em Mariana deixou claro que o tema não foi levado a sério, e, mais uma vez, os prejuízos recaíram sobre o ambiente e a sociedade.
No dia 22 de novembro, a lama, finalmente, atingiu o mar, comprometendo o equilíbrio dos ecossistemas costeiros do Espírito Santo. Não somos contra a mineração, mas o balanço que fazemos da atividade no estado não é positivo. Afinal, o que fica para Minas Gerais? O que sobra para Mariana e seus distritos? Aqui fazemos coro com o ilustre poeta de Itabira, Carlos Drummond de Andrade, que sempre demonstrou preocupações e desencantos com a mineração, atividade que lhe subtraía a paisagem: “foge minha serra, vai deixando no meu corpo e na paisagem mísero pó de ferro, e este não passa” (do poema “A montanha pulverizada”). O que aprendemos com a lição de Mariana? É notório que a responsabilidade pelo acidente é da empresa Samarco, mas e os órgãos ambientais? Ocorreram falhas na aplicação da política ambiental, principalmente no que diz respeito a um maior rigor na fiscalização, na renovação de licenças de operação e na análise do plano de ação emergencial.
As populações que moram próximas à jusante de barragens de rejeitos encontram-se em situação de vulnerabilidade, condição que exige atenção especial dos órgãos ambientais, do Poder Público, da Defesa Civil e do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), cuja função é fiscalizar o exercício das atividades de mineração em todo o território nacional. No entanto, esses órgãos precisam ser mais proativos e firmes na aplicação da legislação ambiental e do Código de Mineração. Só assim evitaremos a reincidência desse tipo de acidente. A propósito, corrigindo o que diz grande parte da mídia, a lama não é de Mariana, é da Samarco.
As opiniões e o posicionamento do jornal estão registrados no Editorial. A Tribuna respeita a pluralidade de opiniões dos seus leitores. Esse espaço é para a livre circulação das ideias.