Bispo dos outros, bispo de todos
(…) Gaillot foi recebido pelo Papa Francisco que lhe chamou de “irmão” e elogiou o trabalho que ele realizava junto a pessoas que se afastaram da Igreja como instituição.
Faleceu nesta quarta-feira, dia 12, aos 87 anos, o bispo católico Jacques Gaillot. Nos dizeres do jornal Le Monde, “nunca um bispo francês encarnou tão bem este papel de ‘sinal de contradição’ exigido do cristão”. Foi ativista pelos direitos das pessoas divorciadas, homoafetivas e imigrantes e sonhava com “uma Igreja do terreno, da base, de homens e mulheres abertos aos outros, que acolhem e trabalham com os outros, cristãos e cristãs que estão metidos na massa humana, com outros”, porque “os cristãos são o rosto de pessoas que não suportam a injustiça, que se batem pela paz e levam a mensagem, o fermento do evangelho”.
“Bispo dos outros” foi o título de um dos seus livros. Nele se vê o que representou para o mundo o bispo Gaillot: voz solitária no interior do episcopado francês na década de 1970, tomou posição contra as armas nucleares, as guerras no Golfo Pérsico, o apartheid na África do Sul e em favor da ordenação de homens casados. Além disso, tinha um enorme respeito pelo Islam, fruto dos 28 meses em que serviu ao exército francês na Argélia, antes de ser ordenado padre. Depois de ordenado, devotou seu sacerdócio à cultura da paz.
Por 13 anos foi bispo de Evreux, na Normandia, até que o Papa João Paulo II decidiu nomeá-lo bispo de Partênia, diocese mauritana que desde o século V estava extinta. Essa punição eclesiástica devia-se a suas opiniões heterodoxas sobre pontos da doutrina católica e a seu compromisso político. Bispo titular de uma diocese fisicamente inexistente, resolveu o problema abrindo uma página na internet, numa época em que isso era ainda uma novidade. Ali atuou durante toda sua vida, trocando correspondência com pessoas de todo o mundo, e facilitando o acesso a páginas de outras instituições e associações. “Antes de pertencer a um país ou uma cultura, somos habitantes do planeta. Antes de ser do Norte ou do Sul, somos cidadãos do mundo”, disse em entrevista. Entre os textos que escreveu está um catecismo “alternativo”.
Sua demissão de Evreux causou muitos protestos, mas a situação foi acalmada após encontro com o Papa João Paulo II, quando o então bispo de Partênia declarou: “Agradeci a Roma o que vivo. Estou desligado de tudo o que é institucional e decididamente muito ligado com as pessoas”. Tornou-se assim um bispo cuja diocese não tinha fronteiras: nem geográficas, nem culturais e nem mesmo religiosas.
Em 1º de setembro de 2015, Gaillot foi recebido pelo Papa Francisco que lhe chamou de “irmão” e elogiou o trabalho que ele realizava junto a pessoas que se afastaram da Igreja como instituição. Hoje entendemos que suas opções, tomadas há 50 anos, anteciparam certas posições de Francisco.
“As minhas são as questões da sociedade: a injustiça, a paz, a ecologia. (…) Sou um bispo, creio que fui libertado pelo evangelho, fui seduzido pela liberdade de Cristo. Sou um bispo que não está aí sobretudo por causa da doutrina, (…) mas para despertar as pessoas para aqueles que estão à beira do caminho, aos que sofrem. São os seres humanos que estão em primeiro lugar. Estou aí por eles.”
Neste momento em que foi anunciada sua passagem para o Reino definitivo, não podemos deixar de recordar aquele bispo que tanto lutou para que se realizasse na terra o Reino de Deus, como “um homem livre, irmão dos mais pobres e bispo das periferias.” Por isso mesmo, irmão de todos.