Uma em cada três
O número de ocorrências contra as mulheres deve ser a matriz para uma profunda revisão de comportamentos e da legislação
A chamada pós-modernidade é um paradoxo. Quando se esperava uma melhora nos padrões civilizatórios, os números os desmentem. Em pleno século XXI, a violência contra mulher tem padrões que impressionam. De acordo com organismos internacionais, uma em cada três já viveu algum tipo de violência. E não se fala apenas de Brasil. Trata-se de uma estatística global que não passa por países fechados, nos quais qualquer dado é motivo de contestação. Nesses números está também o chamado primeiro mundo.
No Brasil, a violência contra a mulher tornou-se endêmica, bastando ver os dados mais recentes. O matutino O Globo revela que mais de 1,23 milhão de mulheres vítimas da violência foram atendidas pelo sistema de saúde do país entre 2010 e 2017. Como já se suspeitava, em 90% dos casos o agressor é alguém próximo. Os números de 2018 e 2019 ainda não foram computados, mas a curva é ascendente, bastando acompanhar o noticiário, que a cada dia mostra situações mais graves.
As agressões, porém, não são a etapa final desse bárbaro cenário. O feminicídio é a ponta da discussão, pois tornou-se prática dos que se sentem rejeitados por suas parceiras, como se a relação tivesse o viés de propriedade. A cada dia, surgem casos escabrosos, nos quais, independentemente de classe, matar é a instância derradeira do fim da parceria.
Enfrentar essa questão não é simples, pois envolve cultura e impunidade. Desde o princípio, a mulher é considerada abaixo na linha da relação, e, quando o empoderamento chega para ficar, o inconformismo tornou-se a mola propulsora para a violência. Ainda há regiões em que dirigir um carro ou simplesmente andar ao lado do marido é uma heresia. A diferença, porém, sobe de patamar. Em sociedades consideradas avançadas, a desigualdade prevalece, bastando, de novo, acompanhar os números: os cargos de direção ainda são ocupados, em sua maioria, por homens. Na relação de salário, a desigualdade se faz presente em postos semelhantes.
No Brasil, a Lei Maria da Penha foi um avanço, mas ainda insuficiente para inibir a violência contra a mulher. A impunidade torna-se um incentivo, a despeito de os tribunais, felizmente, terem adotado uma linha intransigente contra os agressores. Mas isso só não basta, pois não é só com punição que se reverte esse processo. Entra em cena a educação, matriz para mudar os padrões civilizatórios, mas colocada à margem.