Os desafios de Milei
Eleito no último domingo, e com posse marcada para 10 de dezembro, candidato da ultradireita vai precisar de apoio para levar sua agenda adiante. Trata-se de um desafio por não ter maioria no Congresso
O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, terá pela frente o desafio de conciliar seu discurso de campanha com a realidade política do seu país. Sem maioria nas duas casas legislativas, será induzido a fazer o que negou nos palanques: negociar com setores que, se não discordam de seu projeto, não são diretamente ligados à sua implementação. Ademais, ao contrário do que ocorre no Brasil, os argentinos não têm o Centrão, que negocia de acordo com suas conveniências e tem garantido ao presidente Lula – sob muita concessão – parte de sua agenda de campanha.
Sem um Centrão e sem maioria, o presidente eleito sabe de antemão que terá que recuar, ou adiar, em alguns projetos. A primeira pista foi dada durante seu primeiro pronunciamento após a confirmação de sua vitória. Chamou para sua trincheira aqueles que querem mudar o país e citou, pelo menos em duas ocasiões, o ex-presidente Maurício Macri e a sua adversária de primeiro turno, Patrícia Bullrich, que foram vitais na sua vitória ao endossar sua campanha contra o peronista Sergio Massa. Ambos são de direita, mas optaram por Milei mais por rejeição ao peronismo do que ao político libertário.
Os argentinos optaram pela ruptura e utilizaram as urnas democraticamente para essa decisão, mas devem estar preparados para mudanças importantes, mas sem a velocidade que lhes foi apresentada em campanha. Milei anunciou o fim do Banco Central e a dolarização da economia. Para tanto, terá que vencer a resistência do Congresso, o que não será simples, mesmo que use a opinião pública como um mecanismo de pressão. Hoje, a Argentina enfrenta uma estupenda inflação e, por já admitir a moeda americana em várias negociações, inclusive poupança, não lhe seria algo estranho, mas a questão é a disponibilidade de dólar no BC para efetivar a plena dolarização da economia.
Ainda é incerto apontar o que vai e o que não vai ser implementado no curto prazo, mas o eleitor, ao apostar na ruptura, deu mostras de seu cansaço com o peronismo e o modo como ele opera nas diversas instâncias de poder. Massa, o candidato derrotado, também é de direita, mas é, antes de tudo, peronista. Pagou por isso e pelo estrago nas contas do país, pelo qual é um dos responsáveis como ministro da Economia.
Quando venceram as eleições de 2016 e 2018, os presidentes Donald Trump, nos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, no Brasil, respectivamente, também mudaram paradigmas ao levar a direita oficialmente ao poder. No entanto, ao contrário de Milei, tinham maioria no Congresso que lhes garantiu parte da agenda e mobilidade para apresentação de seus projetos. Milei, não. Além de adotar uma agenda bem mais aguda, ainda tem que buscar aliados dispostos a comprar o seu discurso.
A política, no entanto, não é algo concreto, mudando de acordo com as articulações. O futuro presidente argentino sabe que terá que fazer concessões não só para garantir sua agenda, mas também o próprio mandato, já que suas apostas foram altas, e frustrar a opinião pública costuma ter elevado custo.