A vez dos elétricos
Iniciativa do Governo promete superar atraso da indústria brasileira no investimento em eletrificação de automóveis
A busca por fontes de energia limpa está em pauta na agenda de todas as organizações, sejam governamentais ou do setor privado. Catástrofes naturais, aumento da temperatura média global e crises de abastecimento obrigam nações e corporações a rever suas práticas energéticas. Tais entes têm se apressado em assumir compromissos com a redução da emissão de carbono e buscar fontes “verdes” de energia. O problema, todavia, é que tais iniciativas, no mais das vezes, restam apenas no campo do discurso, sem encontrar ecos efetivos na realidade.
A Europa, que na última década enfrentou ondas de calor com incêndios devastadores, bem como eventos de baixíssimas temperaturas, decidiu em outubro de 2022 banir os carros com motor a combustão do continente até 2035. O objetivo era eliminar a produção de veículos movidos por combustíveis fósseis, cortando assim em 100% a emissão de CO2.
Cinco meses depois, porém, sob pressão de Alemanha e Itália, dois gigantes da indústria automotiva, a União Europeia recuou da decisão: motores a combustão continuarão a ser permitidos a partir de 2035, desde que operem com combustíveis sintéticos (e-fuel) que não emitam CO2. O problema é que tal combustível, na prática, mal existe – a Porsche garante que está em franco desenvolvimento.
Ora, há décadas a ciência trabalha no desenvolvimento de energias limpas hoje comprovadamente eficientes, como a eólica e a solar. A questão já não é seu desenvolvimento, mas sua aplicação e incentivo pelas corporações e governos. É esse o caso dos carros elétricos, cujos investimentos no Brasil ainda são demasiado tímidos.
A despeito da frágil produção nacional, temos entre os consumidores, já há alguns anos, o sucesso dos veículos híbridos e dos – cada dia mais populares – 100% elétricos. Em novembro último, o país registrou recorde de vendas de carros elétricos, segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE): foram 10.601 veículos eletrificados leves emplacados, um aumento de 112% em relação a novembro de 2022. A busca por elétricos usados, segundo levantamento da Webmotors, segue a toada: em setembro de 2023 havia crescido 145% em relação ao ano anterior.
O Governo federal anunciou, no fim de dezembro, a retomada do imposto sobre a importação de carros eletrificados, zerado desde 2015. A nova alíquota para veículos híbridos já está valendo: é de 10% desde 1º de janeiro e subirá gradualmente até alcançar 35% em julho de 2026. Caminhões começam com taxa de 20% e chegam aos 35% em julho de 2025. Em um momento em que cresce a procura pelos veículos elétricos no país, muito menos poluentes, a medida parece um contrassenso. O vice-presidente Geraldo Alckmin garante que não: é uma forma de incentivar a produção nacional desses veículos, cuja indústria é marcada por baixo investimento e baixa produtividade.
A Medida Provisória 1.205, editada em 31 de dezembro, institui o Mover _ Programa de Mobilidade Verde e Inovação. A ideia é que R$ 19 bilhões, arrecadados justamente com o imposto de importação sobre elétricos, sejam convertidos em incentivos fiscais para que o setor automotivo invista em inovação. A saber se as montadoras farão essa virada de chave.
A chinesa BYD já deu seu bote. Maior vendedora de elétricos no país hoje, a gigante asiática deu início em outubro à construção de uma fábrica em Camaçari, na Bahia, onde pretende produzir, a partir de 2025, 150 mil carros por ano, podendo chegar a 450 mil. A BYD adaptará no Nordeste uma antiga planta da Ford, marca símbolo de um modo de industrialização datado do começo do século XX. O que não deixa de conter alguma ironia.