A intentona e o direito

“Os crimes políticos despertam paixões e dividem opiniões, razão por que o seu julgamento é sempre cercado de dificuldades”


Por Paulo Roberto de Gouvêa Medina - Professor Emérito da UFJF

17/04/2025 às 08h00

Em artigo publicado na edição de 7 de janeiro de 2024, sob o título “A intentona”, um ano depois, tratamos do episódio de 8 de janeiro de 2023, manifestando reservas quanto à competência para o julgamento dos respectivos processos (que entendíamos não ser do STF, mas, sim, da Justiça Federal de primeiro grau) e às penas impostas a alguns dos denunciados, que nos pareciam exageradas. Ponderávamos, a esse respeito: Os golpistas de janeiro passado merecem ser exemplarmente punidos. Mas têm direito a um julgamento justo. Até para que, em breve, não se venha a pleitear anistia em seu favor.

O que, então, prevíamos, agora, acontece. Há uma impressão geral de que as penas aplicadas aos que, naquele triste episódio, invadiram e danificaram as sedes dos três Poderes nem sempre têm sido proporcionais à culpa de cada um. E essa vem sendo a motivação, ao menos aparente, para o movimento em favor da anistia, que ora se desenvolve. É difícil avaliar a procedência das críticas às decisões do Supremo, sem o conhecimento dos autos. Mas impressiona, sem dúvida, a circunstância de os acusados estarem a responder, cumulativamente, por dois crimes da mesma natureza: tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito e tentativa de depor o governo legitimamente constituído. É que se trata de crimes que se correlacionam, o primeiro servindo de meio para alcançar o fim pretendido, consubstanciado no segundo. À luz do direito penal, o segundo absorveria o primeiro, mediante aplicação do princípio da consunção, sendo de prevalecer, assim, a pena a esse último atribuída. Dessa forma, somente a pena cominada para o crime-fim seria imposta.

Os crimes políticos despertam paixões e dividem opiniões, razão por que o seu julgamento é sempre cercado de dificuldades, tanto mais quando um dos alvos era o próprio tribunal incumbido de julgar e o mais visado entre os seus juízes era exatamente aquele a quem cabe atuar como relator dos processos. Mas a justiça das paixões é a pior de todas com que o homem pode defrontar-se. Contra ela devem, por isso, prevenir-se os julgadores ou eximir-se do encargo de julgar, dando-se por impedidos ou suspeitos, se dela não forem capazes de livrar-se. Não há justiça sem isenção e imparcialidade. Alguém já disse que a missão de julgar é uma tarefa que o homem arrebatou a Deus. Para exercê-la, é preciso, por isso, superar ao máximo as imperfeições humanas. E, nos casos em que, porventura, subsistam sentimentos ou prevenções de natureza política, será prudente refletir sobre a lição do Padre Vieira: “Quem julga com o entendimento, pode julgar bem, e pode julgar mal; quem julga com a vontade, nunca pode julgar bem.”

 

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