Quatro médicos são presos em operação do Ministério Público
Investigação apura possível associação criminosa de anestesistas, que manipulavam escalas e faziam plantões simultâneos
Quatro médicos anestesistas que atuavam na Casa de Caridade Leopoldinense foram presos nesta quinta-feira (12) durante a operação Onipresença, deflagrada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) Regional da Zona da Mata – unidade de Visconde do Rio Branco, em conjunto com a Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde da Macrorregião Sanitária Sudeste e com a Promotoria da Saúde de Leopoldina. A investigação indica a existência de possível associação criminosa dos profissionais, que compunham uma pessoa jurídica. Eles são suspeitos de manipular escalas e fazer plantões simultâneos também no Hospital São Salvador, situado em Além Paraíba, a cerca de 55 quilômetros da unidade de Leopoldina. Um deles ainda trabalhava em Muriaé: no Hospital São Paulo, na Casa de Saúde Santa Lúcia e no Hospital do Câncer.
Além dos quatro anestesistas presos temporariamente e afastados dos serviços ligados ao SUS, o MP solicitou o afastamento da provedora e da diretora técnica da Casa de Caridade Leopoldinense. A prática, segundo o MP, causava graves riscos à saúde e à vida dos usuários atendidos na entidade hospitalar, conveniada ao SUS. Também foram cumpridos 20 mandados de busca e apreensão. Um dos médicos alvo da ação também acabou preso em flagrante após serem encontradas cinco armas de fogo na residência dele. Ainda foram apreendidos R$ 500 mil em espécie, diversos documentos, celulares e computadores.
Todos os quatro médicos seriam moradores de Leopoldina. “As investigações tiveram início para apurar a realização de plantões simultâneos em locais e hospitais distintos, a realização de cirurgias eletivas nos dias de plantões de urgência e anestesias simultâneas pelos profissionais médicos investigados”, informou o MP. “Com a evolução das apurações, foi constatada a prática de delitos ainda mais graves, que geraram a exposição dos pacientes a riscos concretos. Inclusive, cirurgias e anestesias eletivas da rede suplementar foram realizadas pelos médicos investigados, durante a escala de sobreaviso da urgência e emergência.”
As investigações revelaram “fortes indícios do vínculo subjetivo entre os profissionais médicos investigados para a prática de crimes de peculato (artigo 312 do CP), bem como para conservarem um esquema de manipulação de escalas médicas, cirurgias simultâneas/sequenciais e cirurgias eletivas durante o plantão SUS, com a prática do crime de falsidade ideológica (artigo 299 CP), infringindo, por conseguinte, o tipo penal de expor a perigo a vida ou a saúde de outrem (artigo 132 CP), dentro do contexto da infração penal de associação criminosa (artigo 288 do Código Penal).”
Entre as condutas dos suspeitos estavam combinações de versões, falsidades documentais médicas, manipulação de documentos importantes e até imputação de responsabilidades a pessoas aparentemente inocentes. “As apurações revelaram, ainda, práticas de fraudes, ocultação de erros médicos e até subtração de materiais necessários à realização de cirurgias”, apontou o MP. Policiais militares e civis também participaram da ação.
Investigação começou na pandemia
Segundo o coordenador regional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde da Macrorregião Sanitária Sudeste, Rodrigo Barros, as investigações começaram em 2020, em meio à pandemia, para garantir a manutenção de escalas devidamente adequadas, as exigências normativas do Ministério da Saúde e do próprio Conselho Regional de Medicina. Desde então, 13 termos de ajustamento de conduta (TACs) foram emitidos a unidades de saúde da região. “Naquele momento da pandemia isso foi muito frequente. Determinados profissionais realizaram plantões simultâneos em áreas distintas do mesmo hospital, como CTI e pronto-socorro, criando risco iminente para os usuários que estavam sendo atendidos. E essas apurações foram evidenciando novos problemas e novas irregularidades.” O promotor acrescentou que, a partir do momento em que, por exemplo, um profissional assume dois plantões distintos, ele acaba desviando parte do recurso, pois deveria estar integralmente dedicado a um plantão. Após a prisão dos anestesistas, a coordenadoria tomou providências para garantir o atendimento de usuários.
Segundo o coordenador do Gaeco de Visconde do Rio Branco, Breno Coelho, a prática do grupo teria começado por plantões simultâneos no mesmo hospital, mas depois foi expandida para unidades distintas e distantes. “Isso chamou muita atenção. Nós passamos a adotar algumas medidas e técnicas de investigação que comprovaram que a situação era muito mais crítica. Eles tinham plena ciência do que estavam fazendo, inclusive, muitas das pessoas, às vezes, zombavam da situação, acreditando que estariam, com a manipulação de escalas, suprimindo informações importantes e cruciais para que nós pudéssemos fiscalizar, sobretudo através da coordenadoria da saúde.” Ainda conforme o promotor, alguns profissionais chegaram ao ponto de esconder bisturis eletrônicos para que outros profissionais não pudessem fazer as intervenções cirúrgicas deles.
Casa de Caridade Leopoldinense
Em nota divulgada nas redes sociais, a Casa de Caridade Leopoldinense afirmou que os médicos presos prestavam serviços por meio de empresa terceirizada. A unidade lamentou o afastamento da provedora e da diretora e anunciou novos profissionais para assumir os cargos. “Reforçamos que nosso departamento jurídico está tomando todas as providências necessárias, incluindo o pedido de vistas aos autos do processo e dos inquéritos investigativos, visando a compreender plenamente os fatos e colaborar com a Justiça (…) Nossa prioridade é manter o funcionamento normal do hospital, assegurando o atendimento à população de Leopoldina e região.”
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