Empresas de ônibus podem ter sido beneficiadas por falhas na fiscalização
Comissão afirma que empresas são avisadas sobre realização de vistorias nos veículos e não sofrem punições pela falta de análise de processos administrativos em segunda instância
Apresentado durante a primeira reunião extraordinária de agosto da Câmara Municipal, o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instalada para investigar possíveis irregularidades no cumprimento do contratos de concessão de serviço de transporte coletivo de Juiz de Fora, apontou problemas diversos subdivididos em dez itens. Entre os principais pontos destacados pela CPI dos Ônibus estão supostas falhas na fiscalização da qualidade do serviço por parte da Prefeitura, por meio da Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra), e nas análises de recursos interpostos à autuação recebidas por empresas concessionárias, o que resultaria em “certeza de impunidade” para os consórcios.
LEIA MAIS:
- CPI dos Ônibus pede nova licitação e congelamento de tarifas
- Ônibus urbanos, com tempo máximo de uso, são substituídos em JF
- Apresentação do relatório final da CPI dos ônibus é adiada para agosto
- Ex-secretário de Transporte e Trânsito depõe à CPI dos Ônibus
- Settra e Sinttro são ouvidos na CPI dos ônibus
Com relação à fiscalização, o relatório da CPI dos Ônibus aponta problemas diversos. Entre os principais pontos destacados estão fatos que apontam que as empresas concessionárias seriam previamente avisadas acerca das inspeções realizadas nos ônibus em suas garagens. A vistoria seria previamente agendada pela Settra, o que, para os integrantes da comissão, daria a “oportunidade da empresa preparar o veículo para ser aprovado na fiscalização”.
Da mesma maneira, a partir da coleta de depoimentos feitos ao longo da apuração, inclusive os prestados por agentes de transporte e trânsito, a CPI acredita que, em inspeções realizadas nas ruas, “alguns agentes de transporte e trânsito, ao identificar uma determinada irregularidade, por deliberação própria”, entrariam “em contato com a empresa integrante do consórcio, para que fosse sanada a irregularidade sem, no entanto, efetuar a notificação de infração administrativa”. A comissão aponta ainda supostos problemas como a “falta de recursos materiais para que os agentes de transporte e trânsito responsáveis pela fiscalização possam desempenhar de maneira satisfatória o processo de vistoria dos veículos”.
Neste sentido, o relatório final da CPI recomenda, inclusive, que o Município realize investigações para apurar possíveis responsabilidades administrativa, civil e penal de agentes e ex-agentes públicos que possam ter cometido irregularidades como, por exemplo, possibilitar vantagem “em favor de adjudicatário durante a execução do contrato”; possível lesão ao erário em virtude de concessão de benefício administrativo”; e “violação aos princípios da administração pública, por violação dos deveres de imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”.
Sem segunda instância
Para a CPI dos Ônibus, as concessionárias também estariam se beneficiando do protelamento de possíveis sanções por conta de descumprimentos no contrato de prestação de serviço, pelo fato de a Settra não possuir órgão julgador de recursos administrativos em segunda instância. Assim, os processos ficariam “pendentes de julgamento e parados”, “aguardando a caducidade da pretensão punitiva da Administração Pública, o que oferece ao infrator a certeza da impunidade e ao Poder Público a certeza de prejuízo ao erário”.
Neste sentido, os integrantes da CPI recomendam à Prefeitura, em caráter imediato, a criação de um departamento específico “para análise, processamento e julgamento dos processos administrativos em primeira e segunda instância, de forma célere e imparcial, que obedeçam aos princípios legais e constitucionais atinentes ao devido processo, dando preferência para pessoal com formação e conhecimento na área do direito, possibilitando o processamento dos inúmeros processos que se encontram pendentes de julgamento em segunda instância por falta de existência deste órgão julgador”.
PJF e consórcio aguardam relatório
Novamente questionada pela Tribuna, a Prefeitura, por meio da Settra, disse aguardar “o recebimento oficial do relatório para analisar e verificar o conteúdo do material para se posicionar”. A mesma postura foi adotada pela Astransp, que representa o Consórcio Manchester e a Viação São Francisco Ltda. (uma das integrantes do Consórcio Via JF). A reportagem não conseguiu contato com a Ansal, que detém 80% do Consórcio Via JF.
Por meio de sua assessoria, a Câmara afirmou que a expectativa é de que o relatório seja encaminhado ao Município, às empresas, ao Ministério Público Estadual e ao Tribunal de Contas do Estado ainda nesta semana. O relatório da CPI leva a assinatura do vereador Carlos Alberto de Mello (Casal, PTB). A comissão foi formada ainda por Adriano Miranda (PHS), que presidiu o colegiado, Cido Reis (PSB), José Márcio (Garotinho, PV) e Wanderson Castelar (PT). Castelar foi o único a votar contra o texto final da comissão por discordar da impossibilidade de ter acesso ao conteúdo final do relatório elaborado por Mello.
Apenas 25,6% dos pontos de ônibus são cobertos
Ainda de acordo com informações do relatório final da CPI dos Ônibus, dos 5.280 pontos de ônibus cadastrados apenas 1.339 pontos (25,36% do total) possuem proteção contra intempéries. A situação é ainda pior quando leva-se em consideração o número de abrigos de embarque e desembarque com rampa de acessibilidade, considerando toda a extensão do local onde o ponto se situa: apenas 46 são equipados (0,87%). “Os números apontam o desrespeito aos usuários com deficiência e/ou baixa mobilidade e demonstram a total falta de inclusão social para essa parcela da população”, afirma o texto. Assim, o colegiado cobra do Município a adoção de uma política de inclusão social no transporte coletivo, garantindo acessibilidade ao sistema e adequação de quase quatro pontos, “de forma a possuírem proteção contra intempéries”.
Sobre o problema, a CPI entende que houve falhas da Prefeitura na elaboração do contrato assinado junto às concessionárias. “A implantação obrigatória de abrigos prevista no processo licitatório não vem sendo realizada, até porque não faz parte do instrumento contratual, o que foi uma falha do poder público em não constar o item do edital no contrato, o que é prejudicial à população”, afirma o relatório. O texto justifica o entendimento pontuando que, “de acordo com o projeto básico da licitação, as concessionárias deveriam implantar 60 abrigos por ano” – 30 para cada consórcio – que seguiriam cronogramas e especificações estabelecidas pelo Poder Público, considerando fatores como local, tamanho do passeio e a viabilidade e o fluxo de passageiros.
Texto afirma que licitação teve ‘viés de renovação contratual’
O relatório final da CPI dos Ônibus considera que, desde a licitação, finalizada em 2016, ainda no primeiro mandato do ex-prefeito Bruno Siqueira (MDB), a prestação do serviço é inadequada. Sem discutir o mérito do processo licitatório, a comissão coloca em suspeição o fato de os consórcios vencedores serem formados pelas mesmas empresas que já operavam o antigo sistema. Estes, entre outros motivos, fomentam a recomendação feita para que seja realizada uma nova concorrência pública.
“Não sabemos se por ineficiência ou dolo esta CPI percebeu que o processo licitatório teve, aparentemente, mais um viés de renovação contratual do que de licitação e contratação propriamente dita, pois quando os consórcios iniciaram as operações, começaram sem as adequações necessárias dos veículos em conformidade com o edital, e o poder público leniente nada fez para que não ocorresse, compactuando com a situação”, afirma o relatório.
A licitação que definiu as concessionárias responsáveis pelos serviços de transporte coletivo urbano em Juiz de Fora foi vencida pelos consórcios Manchester de Transporte Coletivo e Via JF. A concessão em vigor prevê a exploração do sistema por um período de dez anos, com possibilidade de prorrogação por igual período.
Tópicos: CPI dos ônibus