Tarcísio Delgado: legado de luta e democracia

De Juiz de Fora a Brasília: a trajetória de Tarcísio Delgado, político que marcou a cidade e o país


Por Pedro Moysés

13/09/2025 às 07h20

“Eu nasci na roça, vivi como agricultor até os 15 anos, fiz todo o trabalho de roça que você possa imaginar e tudo descalço. Só fui calçar sapato depois dos meus 17 anos. Não podia nunca imaginar que chegaria ao Congresso Nacional, como eu cheguei.” Essa é a primeira fala do ex-prefeito de Juiz de Fora, Tarcísio Delgado, no documentário “Memórias” feito pela Câmara dos Deputados em homenagem ao político em 2018.

Mineiro de fala mansa, Tarcísio nasceu em Torreões, distrito de Juiz de Fora, em 1935. Formou-se em Direito na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), no ano do Golpe Militar, em 1964. Tarcísio foi presidente do diretório acadêmico do Curso de Direito da UFJF.

Em um depoimento compartilhado na Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora em 2017, Tarcísio relembrou que precisou intervir em diversos casos na cidade e no estado de abuso durante o regime militar. 

Em 1966, inicia sua carreira política concorrendo a vereador em Juiz de Fora. Sem verba para a campanha, contou com a ajuda de um amigo que ia às gráficas pedir rebarbas de papel que pudessem ser cortadas em formato retangular. Além dos papéis, o amigo mandou fazer um carimbo ‘Para Vereador, Tarcísio, MDB 1308’. “Ficávamos eu, minha esposa, esse amigo e a esposa dele carimbando os papéis. Esse era o material de campanha que eu tinha no dia seguinte. Mesmo sem verba, fui o vereador mais votado”, contou ele no mesmo documentário. 

Ainda no mandato como vereador de Juiz de Fora, de 1967 a 1970, foi presidente da Câmara. Encerrado o mandato, Tarcísio não quis repetir a candidatura, se lançando, então, como candidato a deputado estadual. “Se der, deu, se não, eu sigo minha vida.”

Como deputado, foi líder da bancada e promoveu a ida de Ulysses Guimarães à ALMG. O evento lotou a assembleia. Foi com a anticandidatura de Ulysses Guimarães à presidência que o MDB viajou por todo o Brasil para denunciar os atos arbitrários da ditadura. O ato fez o partido estourar e, em 1974, eleger a maioria absoluta de vereadores. Estava iniciada a importante trajetória do político no cenário nacional.

Autênticos: ala combativa frente à ditadura

Em 1974, Tarcísio já integrava o grupo dos “Autênticos”, uma ala de deputados do MDB, com posturas mais combativas frente à ditadura. Foi dentro do grupo dos Autênticos que surgiu a ideia da anticandidatura de Ulysses na passagem do Governo Médici para o Governo Geisel, em 1974. No ano seguinte, iniciou o mandato como deputado federal, ato que repetiu três vezes, de 1975 a 1979, 1979 a 1983 e, mais tarde, de 1991 a 1995. Em 1991, se licenciou do cargo de deputado para assumir a Secretaria do Trabalho e Ação Social de Minas Gerais, retornando em 1992l

Para ele, quem puxou o Brasil para a constituinte, para a democracia, foram os Autênticos. Foi ele quem fez o primeiro discurso na tribuna da Câmara sobre a constituinte.  “Daí a necessidade de uma obra definitiva, com a consolidação de todos os preceitos funcionais num só instrumento. Que se aproveite o que há de valioso. Que se expurgue o que há de excesso. Que se crie o que falta de necessário. E consigamos, desse trabalho, a Constituição para o Brasil.” O discurso de Tarcísio, em 17 de abril de 1975, teve a publicação no Diário Oficial da União censurada pelo regime militar.

O político também esteve na luta pela aprovação do Fundo Social de Emergência, fundo que sustentaria o início do Plano Real. Nos bastidores do MDB, Tarcísio esteve presente na ascensão de Tancredo Neves, no movimento das Diretas Já e no processo da Assembleia Nacional Constituinte. Enquanto presidente do partido, acompanhou a CPI dos Anões de Orçamento e articulou a votação definitiva que possibilitou a criação do Plano Real.

CHARGE BELLO
Caricatura de Tarcísio Delgado pelo chargista Bello

Político com maior número de mandatos e tempo à frente da Prefeitura

Além de deputado federal, Tarcísio também foi prefeito de Juiz de Fora por três mandatos, além de presidente do DNER durante o Governo FHC. Foram 14 anos em três mandatos à frente do Executivo de Juiz de Fora, garantindo o recorde de político com maior número de mandatos e tempo à frente da Prefeitura. 

Como prefeito, no primeiro mandato (de 1983 a 1988), construiu e inaugurou o Estádio Municipal Radialista Mário Helênio. No mesmo ano, embargou a venda do Cine-Theatro Central, equipamento que, caso vendido, se transformaria em prédio e hoje, sob administração da UFJF, se transformou em um importante equipamento cultural da cidade.

Foi sob a gestão dele que os prédios que hoje abrigam o complexo do Espaço Mascarenhas foram doados ao Município. Tarcísio ainda foi eleito para o mandato de 1997 a 2000 e reeleito de 2001 a 2004.

Em 2014, concorreu ao Governo de Minas, mas perdeu para Fernando Pimentel (PT), ainda no primeiro turno. Na época, o político juiz-forano afirmou à Tribuna que encerrava ali sua vida pública como candidato. “Recebi um apelo do saudoso Eduardo Campos e aceitei defender o partido em Minas. Mesmo saindo da vida pública, sigo na cena política como cidadão brasileiro e juiz-forano.”

Em 2018, Tarcísio reforçou a posição, afirmando que não disputava mais cargos, mas que não deixaria de fazer política um minuto sequer. “Eu sou daquele conceito que vem de Aristóteles. ‘O homem é um ser essencialmente político’. E o homem é um ser essencialmente político. Aquele que fala que não é político já está fazendo política.”

Em nota, o MDB lamentou a perda do político. “O MDB perde hoje um de seus fundadores: Tarcísio Delgado. Ele faleceu aos 89 anos, em Juiz de Fora, cidade mineira onde nasceu e que jamais deixou. Autor do livro “A História de um Rebelde”, era um dos remanescentes que criaram o partido de oposição à ditadura militar.” A nota termina dizendo que “Tarcísio honrou Minas Gerais, o MDB e o Brasil.”

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