Minas é o estado com mais processos de crimes ambientais no país
São mais de 40 mil processos de crimes ambientais que se acumulam nos últimos anos, segundo o Conselho Nacional de Justiça
Minas Gerais assume a dianteira no ranking dos estados com mais processos de crimes ambientais em pendência no Brasil. Conforme informações do Conselho Nacional de Justiça, são 44 mil casos civis e criminais aguardando por uma conclusão até o primeiro trimestre deste ano, última vez que o painel de dados foi atualizado. Na visão da professora e pesquisadora Mahalia Aquino, isso acaba por colocar o estado cada vez mais suscetível a novos crimes ambientais – uma vez que a demora pelo julgamento e pela responsabilização cria a concepção de que há impunidade nestes tipos de processo.
As informações são do painel interativo nacional de dados ambiental e interinstitucional, chamado “Sirene Jud”, que oferece um panorama ambiental no país. Segundo o sistema, o tempo médio de um processo de crime ambiental até o julgamento é de 1.420 dias – o que equivale a quase quatro anos. A média brasileira para o julgamento dessas ações ambientais, contando da data inicial até a primeira sentença, é de quase três anos. Isso torna o estado mineiro mais lento para o processamento do que a média do país.
A Tribuna questionou a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) de Minas Gerais sobre os motivos que levam à pendência de resolução dessas ações na esfera judicial. A pasta afirmou que, no que cabe aos processos administrativos de autos de infração decorridos de crimes ambientais, o período da pandemia (2020 e 2021), com sucessivas suspensões dos prazos processuais, impactou na data de encerramento de vários processos. Mas acrescentou que seria possível vislumbrar uma evolução no processamento de autos de infração entre 2022 e 2023.
Contudo, a secretaria não elucidou quais situações especificas teriam tornado Minas o estado com mais processos pendentes, já outros locais também foram impactados por embargos e atrasos provocados pela pandemia. Mahalia Aquino, doutora pela Universidade Federal Fluminense, aponta outros fatores que podem ter influenciado o cenário. “O crescimento nos índices de processos judiciais ligados aos crimes ambientais pode estar relacionado ao aumento dessas intercorrências negativas sobre a exploração da natureza, assim como o aumento nas denúncias por parte dos grupos afetados”, explica a pesquisadora.
Principal mecanismo de combate é a prevenção
No que tange aos crimes ambientais, a principal esfera de combate são ações preventivas, isto é, evitar que os casos se concretizem, por meio da legislação ambiental voltada a coibir as ocorrências. Mahalia, destaca que o país possui uma regulação bastante desenvolvida neste sentido, que garante amparo para denúncias, fiscalizações e punições aos responsáveis. Em contrapartida, ela observa que isso não é suficiente, caso as medidas não sejam cumpridas pela sociedade, “em especial aos setores do agronegócio e da mineração –, e/ou pelo poder público”, pontua.
Para além de judicializar esses casos, ela destaca, é necessário que também ocorra o encaminhamento dessas ações – por meio da punição a empresas, indústrias, mineradoras, ou aos demais responsáveis. Nesse percurso, a natureza e as pessoas atingidas também precisariam de um olhar atento, a fim de proporcionar medidas de descontaminação, resolução e indenização. Caso ao contrário, a impunidade abre margem para que novos crimes ambientais possam ocorrer.
Em Minas, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou que atividades de fiscalização estão sendo incentivadas por meio de investimento em tecnologia e estrutura. As medidas incluem aquisição de drones, renovação da frota de veículos, monitoramento potencializado por aplicativos e salas de inteligência recém-inauguradas no começo de junho, durante a abertura da Semana do Meio Ambiente.
Desmatamento equivalente a 272 campos de futebol
O governo estadual mencionou à reportagem a expressiva diminuição dos casos de desmatamento no estado. Inclusive, citou o levantamento da SOS Mata Atlântica, que identificou uma a queda de 57% da área desmatada no local em 2023, em comparativo com o ano anterior. Porém, foi ainda no primeiro mandato do governo Zema, que esse bioma foi diretamente afetado pelo desmatamento, que havia crescido significativamente. Outro comparativo possível se dá em relação aos eventos de desmatamento em 2019, que chegaram a 856. O número dobrou em 2022, quando alcançou a marca de 2.876.
A informação é do Relatório anual do desmatamento no Brasil de 2022, conduzido pelo Map Biomas Alerta. De acordo com o documento, MG foi o responsável pelo maior desmatamento no bioma Mata Atlântica daquele ano. Foram 294 hectares de desmatamento nos municípios de Araçuaí e Itinga – isso equivale a 272 campos de futebol. A Diretoria de Estratégia em Fiscalização Ambiental da Semad-MG, informou ao levantamento que não havia autorização para o desmatamento em questão.
Crimes ambientais e a responsabilização de grandes empresas
Quando se fala de crimes ambientais em Minas, é impossível não citar as duas grandes tragédias que afetaram o estado neste sentido: Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019. O mais antigo foi foco da pesquisa de mestrado e doutorado em educação da Mahalia. “Eu realizei um levantamento teórico-metodológico para analisar o crime ambiental do rompimento da barragem de rejeitos minerários de responsabilidade da empresa Samarco.”
O resultado da sua investigação, segundo ela aponta, é que crimes ambientais tem uma relação íntima com a maneira como os seres humanos se relacionam com a natureza e o aumento da incidência desses casos na contemporaneidade. Para além da questão da demora desses processos que é um fato já apontado na reportagem, ela enfatiza que é importante fazer valer as regras ambientais – o que o estado ainda não tem feito ativamente.
“O crime ambiental ocorrido em Mariana, até hoje não puniu as mineradoras responsáveis (Vale, BHP e Samarco), não realizou a descontaminação da natureza (rios, solo, ar) e nem alcançou a indenização exigida pelos atingidos”, diz a medida que acrescenta que a produção dessas mineradoras continua em curso, assim como o rendimento dos lucros.
Ela qualifica como “predatória e destrutiva” a forma com a qual a sociedade utiliza-se de recursos naturais. Quanto mais demanda por produtos primários para a industria e comércio, mais recursos explorados e, portanto, consequências para os ecossistemas. Neste sentido, a avaliação quanto ao preparo do estado evitar novas tragédias ambientais não é otimista.
“Não acho que o estado de Minas Gerais esteja se preparando ou esteja preparado para evitar que crimes ambientais, como os de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), aconteçam novamente. Inclusive, me arrisco a dizer, que estamos caminhando na contramão da proteção ambiental. Aqui possui inúmeras barragens com risco iminente de rompimento conforme denunciam alguns movimentos sociais, como o Movimento dos Atingidos por Barragens”, explica Mahalia.
A direção indicada por ela seria a efetivação de educação ambiental, incentivando a visão crítica a cerca destes espaços. Bem como a ampliação de verbas aos órgãos públicos ambientais. O respeito ao território dos povos originários e tradicionais, buscando romper com a lógica global do mercado.