Sapo de fora: O VAR já mudou (um pouco) o futebol, e isso é bom
Os fãs do futebol vivem uma nova realidade desde que a bola começou a rolar na Rússia, sede da 21ª edição da Copa do Mundo: jogadores correndo em direção ao juiz, fazendo o gesto simulando uma tela horizontal de televisão, pedindo para que ele recorra ao VAR (Video Assistant Referee, Árbitro Assistente de Vídeo em português), recurso de auxílio à arbitragem instituído oficialmente pela Fifa para a competição, saindo enfim da contramão da história.
E era uma contramão daquelas. Afinal, são muitos os esportes que, há mais ou menos tempo, já recorriam ao vídeo e outros recursos eletrônicos: o futebol americano, o basquete da NBA, o beisebol da MLB, o tênis; até mesmo a natação, mesmo que isso não seja tão “notável”, mas que utiliza sensores, por exemplo, para definir quando o competidor fazia as viradas ou terminava a prova.
Francamente? Demorou, mas ainda bem que chegou. Basta ver o tanto de lances que, graças ao VAR, foram revertidos ou confirmados por sua excelência, o juiz, e que não resultaram em injustiças no gramado, em especial nas faltas dentro da área. Tivemos o pênalti a favor da França, no duelo com a Austrália; outro a favor do Peru frente à Dinamarca, mas que foi desperdiçado por Cuevas; um terceiro que resultou no gol da vitória da Suécia contra os sul-coreanos; o que permitiu o solitário gol do Egito, convertido por Salah, na derrota frente à Rússia; a confirmação do impedimento que anulou o que seria o gol de empate do Irã no jogo com a Espanha. E não podemos esquecer do aperfeiçoamento do recurso que permite tirar qualquer dúvida se uma bola cruzou totalmente a linha do gol, como no tento decisivo da França na batalha com os australianos.
Com pouco mais de um terço de jogos disputados na Copa, o VAR ajudou a corrigir inúmeros equívocos da arbitragem que, por humana, é por consequência falível. Por isso, o futuro reserva um menor número de injustiças — mas não de polêmicas — no futuro, que marcaram o violento esporte bretão por tantas décadas e até hoje são lembradas, comentadas, celebradas ou lamentadas.
Só para ficar na competição máxima do esporte, podemos voltar até 1962, quando os dois passos marotos de Nilton Santos transformaram um pênalti em falta fora da área, no duelo contra a Espanha; o gol que não foi gol da Inglaterra na final da Copa de 1966; o pênalti cometido — e não marcado — por Gentile em Zico na Tragédia do Sarriá, em 1982; o gol de mão de Maradona contra a Inglaterra, em 1986; o inexistente pênalti — e gol da vitória — que garantiu para o Brasil a virada na estréia contra a Turquia, em 2002.
Durante décadas, muitos foram os argumentos para refutar a tecnologia no futebol. Entre elas, a de que seria algo caro, que tornaria o jogo lento, demorado, mas, principalmente, que “tiraria a graça do futebol”, a discussão de bar, no trabalho, sobre se foi ou não gol, pênalti, impedimento.
Pois veja só como são as coisas: bastou o VAR ser utilizado pela primeira vez para jogadores perceberem que o recurso poderia lhes ser favorável, e passaram a fazer o tal gesto da tela de TV toda vez que suspeitam de alguma irregularidade. Até mesmo a torcida, seja no estádio ou do lado de cá da televisão, reclama quando o juiz não pede para conferir algum lance duvidoso. Nas mesas redondas, comentaristas se dividem se era preciso ou não ter solicitado o VAR.
Por conta disso, podemos dizer, aleluia!, que o principal argumento dos “puristas” — eu diria retrógrados —, de que a tecnologia tiraria a graça do futebol, a polêmica do dia e décadas seguintes, caiu por terra feito as infinitas simulações de falta do Neymar. O motivo é simples: o ser humano, essa criatura insatisfeita por natureza, sempre vai arrumar motivo para reclamar. Mesmo com o VAR, ele vai discordar da interpretação do juiz ao assistir o replay, ou se o recurso não foi utilizado em determinado lance. Afinal, não há tecnologia capaz de satisfazer por completo as paixões dos seres humanos. E o futebol é uma delas.