Curta-metragem que une cinema e dança é produzido em Juiz de Fora

Grupo NUN e Sala de Giz produzem o filme ‘Vento contra vento’


Por Mafê Braga*

30/07/2025 às 07h00

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Obra cinematográfica conta com um elenco que acumula experiências nas áreas de teatro, dança, audiovisual e circo (Foto: Nina Cristofaro / Divulgação)

Sob direção de Mayara Helena Alvim e produção de Bruno Psi, o curta-metragem “Vento contra vento” está sendo gravado em Juiz de Fora. A videodança parte de uma premissa: “Imagine um lugar onde o tempo é arquivado. Onde cada pessoa leva um objeto de sua vida para ser registrado, lembrado. Nesse lugar, tudo funciona com precisão – carimbos, datilógrafos, caixas – até o dia em que um pescador chega com um fragmento de madeira que sobreviveu ao fogo”. O novo projeto do Grupo NUN de dança contemporânea, em parceria com a companhia teatral Sala de Giz, tem previsão de lançamento na cidade entre os meses de abril e maio de 2026.

Formado por Bruno Psi, Cecília Cherem, Felipe Moratori e Mayara Helena, o elenco atua de forma horizontal no processo de criação e acumula experiências nas áreas de teatro, dança, audiovisual e circo. A equipe do curta afirma que “Vento contra vento” é um filme sobre a força da memória e o poder de lembrar com o corpo, um convite a atravessar o invisível, a se perder para poder se encontrar. O projeto é uma continuidade de trabalhos como “Arataca” e “Pra tirar você da chuva”, exibido em 27 festivais de 14 países. As obras anteriores surgiram a partir de uma pesquisa iniciada em 2018, no projeto Dramaturgia das Cicatrizes, contemplado pela Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa).

A construção de uma videodança

Gravadas nos estúdios Kempton Vianna e da Funalfa, “Vento contra vento” também terá cenas gravadas em praias de Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, com previsão de filmagem para setembro. A equipe tem expectativa de realizar exibições em festivais um lançamento em Juiz de Fora.

A diretora do filme, Mayara Helena, relata que é diferente quando o cinema materializa a dança, pois registra uma arte que é da natureza do efêmero. Assim, a gravação permite a possibilidade de várias tentativas. Isso faz com que haja o compromisso de que cada coisa seja milimetricamente pensada, porque esse registro vai ser único, aquele que ficará guardado no filme para sempre. A diretora enfatiza a exigência de cuidados técnicos e estéticos dessa natureza de apuração.  

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Filme deve ser lançado em 2026, em Juiz de Fora  (Foto: Larissa Noé / Divulgação)

“No livro ‘Não coisas: reviravoltas do mundo da vida’, de Byung-Chul Han, ele cita um romance que se chama ‘A polícia da memória’, de uma autora japonesa. Depois que a memória se tornou uma atividade proibida, as pessoas que procuram guardar alguma memória precisam ir a uma instituição específica para isso, um ato clandestino nesse universo. Então, a gente se aprofundou muito nessa figura dessa instituição que guarda a memória. Esse foi o toque principal para a conclusão desse roteiro”, relata Mayara.

O produtor do curta, Bruno Psi, revela que esse novo projeto é mais elaborado, com uma equipe maior e com sets diferentes. Ele considera que a maior diferença, se comparada a outras produções, são os detalhes, como o fato de terem montado um cômodo exclusivo para as gravações.

O roteirista e ator, Felipe Moratori, dá detalhes sobre o enredo. “O fragmento de madeira trazido pelo pescador é aquilo que resiste à perda total. É o que sobra quando tudo parece ter ido embora. Ele carrega o gesto da despedida e, ao mesmo tempo, a tentativa de guardar algo do que passou. Uma matéria viva, que ainda pesa na mão com restos de areia, que ainda tem cheiro de sal e carvão. Para o pescador, esse fragmento é a prova de uma travessia, a última parte do barco que o levou tantas vezes ao mar. Mas no fundo, ele simboliza a dificuldade de deixar ir. O curta pergunta: o que acontece quando até o fragmento desaparece? O que é possível inventar depois do fim de todas as coisas que restavam?”

Um elenco multifacetado

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O filme está sendo gravado em dois estúdios juiz-foranos e também terá locação em Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro  (Foto: Larissa Noé/Divulgação)

“Já é costume os dois grupos (Sala de Giz e Grupo NUN) terem processos criativos coletivos, então é sempre muito fluido. Mas a gente entende que existe a necessidade de uma figura de direção para garantir e sustentar em uma pessoa só a continuidade teórica, estética de todas as opiniões, decisões e materiais criativos que vão surgindo ao longo do processo. É uma direção que é muito fluida, de equilíbrio dos interesses individuais dos intérpretes criadores, mas também dos grupos”, relata Mayara.

Bruno Psi, que é produtor e também ator do filme, afirma que equilibrar atuação com produção não é simples porque há momentos em que, durante a atuação, surgem demandas de produção. 

“As dificuldades e aprendizagens com esse projeto estão em, justamente, aprender a fazer cinema. Porque eu venho de outras artes, né? Do teatro, da dança, do circo, que são artes do efêmero. São artes em que acontecem naquele momento do palco. Por mais que a gente ensaie bastante durante alguns meses até chegar a apresentação, depois que se apresenta, vira aquilo que foi feito ali na hora. O cinema não, pois ele eterniza aquele movimento, né? Então, registra aquilo e fica para sempre. Então, tenho aprendido muitas coisas quanto a isso, conhecer a parte técnica do cinema também tem sido bem interessante”, discorre Bruno.

“Acredito que se a gente olhar um pouco para as pessoas envolvidas em ‘Vento contra vento’ já dá pra entender a interdisciplinaridade do processo. Muitos de nós atuamos em mais de um campo, tem psicologia, educação, cinema, teatro, arquitetura e urbanismo, dança… cada um trouxe um tanto de si pra essa criação. Acho que isso se desdobra num olhar mais atento e um cuidado em vários detalhes que vão para além do cinema”, afirma a diretora de arte do filme, Maria Fernanda de Széchy.

Uma parceria entre formas de arte

A obra “Vento contra vento” foi criada como um processo de continuidade de dois trabalhos que já existiram antes entre a Sala de Giz e o Grupo NUN. O primeiro, denominado “Arataca” foi realizado pelo incentivo de pesquisa em dança da Prefeitura de Juiz de Fora, e, de acordo com os grupos, foi um processo coreográfico que estuda corpo e memória e ancestralidade. Depois desse projeto, aprovaram um segundo pela Lei Paulo Gustavo, que era para dar continuidade ao trabalho coreográfico, mas que com a pandemia foi migrado para o audiovisual. 

Os grupos ponderam que a videodança, uma linguagem artística que tem uma característica experimental e inicial no Brasil, tem poucos grupos e produções que lidam com esse tipo de expressão. Assim, na gravação do novo filme, eles buscam ligar os princípios tradicionais do cinema e também da dança, tanto no processo de composição do material quanto no resultado final, de forma que a narrativa seja construída de forma linear e organizada.

Quanto à produção juiz-forana, afirmam que tem a consciência de que o uso da cidade como palco é importante para os artistas. Eles visam que os recursos sejam sempre distribuídos para os artistas e empresas da cidade, além de todos os que estão participando das camadas de produção. Os artistas do curta consideram que é uma experiência profissional importante, pois é também um espaço para a produção de arte experimental. Assim, eles defendem que o curta “Vento contra cento” tem uma importância na própria linguagem artística e manutenção da cena em Juiz de Fora.


*Estagiária sob supervisão da editora Gracielle Nocelli

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