‘As minhas personagens são a vida toda que eu vivi até aqui’, afirma Bruna Linzmeyer, homenageada na Mostra de Cinema de Tiradentes 

Atriz busca entender em que consiste sua trajetória e quais serão seus próximos passos no cinema


Por Elisabetta Mazocoli*

27/01/2025 às 15h27- Atualizada 27/01/2025 às 17h10

bruna linzmeyer
Bruna Linzmeyer recebeu o Prêmio Barroco das mãos dos pais, em festa que celebra sua carreira (Foto: Leo Lara/Universo Produção)

“As pessoas valorizam muito um olho azul”, diz Bruna Linzmeyer, durante a Mostra de Cinema de Tiradentes, que celebra, neste ano, a sua trajetória no audiovisual. Mas não são os olhos claros ou o “rostinho bonito” que ela quer que sejam seus definidores em seus papéis e na vida: seus caminhos no cinema, que renderam o Prêmio Barroco, recebido da mão de seus pais no primeiro dia de festival, mostram que foram as escolhas desviantes e desafiadores que a colocaram como atriz-autora e um corpo vivo, que fizeram com que seu talento para a atuação se destacasse. Com a exibição de “O grande circo místico”, de Cacá Diegues, “Medusa”, de Anita Rocha da Silveira, “Cidade; campo”, de Juliana Rojas e “Baby”, de Marcelo Caetano, além de vários outros curtas, ela celebra a carreira no que entende como sendo quase uma “grande festa de aniversário” na cidade histórica. Ao mesmo tempo, busca entender em que consiste sua trajetória e quais serão seus próximos passos no cinema.

Durante a carreira, em cada papel, deixa que seu corpo e, consequentemente, seu visual, passem por transformações radicais. Dos cabelos cacheados e longos, por exemplo, passa a ter em uma semana a cabeça raspada para a nova personagem. Para ela, isso ajuda a dar uma velocidade de transformação que é necessária na agenda cheia de atriz, em que incorporar essas novas personagens demanda rapidez. É nos papéis mais diferentes que encontra o melhor lugar para criar: “Gosto que me chamem e me desafiem a fazer coisas diferentes do que já fiz e do que eu sou. Isso é o mais prazeroso”. Mas, ao mesmo tempo, entende que sua presença é parte importante na construção das personagens que marcam o público brasileiro. “Atuar é um ofício constante. Ele acontece o tempo todo, é um olhar sobre o mundo, é uma curiosidade sobre as pessoas, o meu jeito de olhar. As minhas personagens são a vida toda que eu vivi até aqui, e toda a minha curiosidade e memória, da forma que eu posso usar naquele momento.”

Com o tema “Que cinema é esse?”, a mesma mostra que a homenageia também olha para a diversidade trazida pela produção audiovisual brasileira. Diversidade essa que Bruna também se dispõe a olhar com atenção, entendendo onde pode acrescentar e o que quer trazer. “Eu sou uma pessoa muito apaixonada pelo nosso cinema brasileiro. Acho que parte do meu trabalho como atriz, nessa quantidade tão diferente de filmes que eu faço, é um pouco de uma pesquisa, de interesse, de vontade de ver esses filmes. (…) Ter a oportunidade de fazer esses filmes é também construir esse registro histórico que é o cinema.” Entendendo essa diversidade e de que forma pode contribuir com suas escolhas, também destaca o orgulho que sente ao poder ver sua trajetória representada nas telas. “Me sinto com vontade de seguir trabalhando, seguir fazendo, seguir fiel às minhas escolhas meio esquisitas, às vezes desviantes. Mas seguir com a minha intuição e desejo.”

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Atriz também está escrevendo seu primeiro longa (Foto: Leo Lara/Universo Produção)

Uma atriz-autora

Em mesa com a diretora Mayara Santos e o diretor Clari Ribeiro, que trabalharam com a atriz recentemente, foi destacada a capacidade de se transformar em uma atriz-autora, que interfere na obra ao se aprofundar nas personagens e perceber onde ainda há espaço para criar e transformar. Essa ação, como destaca Clari, também envolve esse processo de se livrar da alcunha de musa e de abrir mão de uma beleza que pode ser aprisionante. Em seu curta, “Se eu tô aqui é por mistério”, a participação de Bruna, por essa força, transformou a personagem, que tinha um papel menor, em uma espécie de narradora. E envolve, também, um estado de disponibilidade em que a atriz se coloca – inclusive para colaborar com iniciantes.

A cada projeto, ela também se desafia. “Toda vez que eu começo a fazer um filme novo, eu lembro de como é sofrido fazer um filme. É tipo se apaixonar. Você só se apaixona de novo porque esquece o que é sofrer de amor, se lembrasse como dói sofrer de amor, falaria que nunca mais iria se apaixonar. Fazer um filme é um pouco isso, é difícil pra caramba, dá muito medo. (…) Depois vai acontecendo.” Por essa relação tão própria com as personagens e com a criação no cinema, foi natural que, agora, também estivesse escrevendo uma história sua, um longa de ficção que leva o nome da cidade em que nasceu, Corupá, Santa Catarina. Quando questionada sobre que cinema é esse feito por Bruna Linzmeyer, ela confessou: ainda está descobrindo. 

Pertencimento e transformações 

Em um mês com tantas conquistas para o cinema brasileiro, a partir de “Ainda estou aqui”, filme de Walter Salles indicado a três Oscars, ela comemora a sensação de vitória coletiva que conquistas assim trazem – e, como atriz, a felicidade em ver Fernanda Torres indicada à categoria de atuação. “É uma sensação muito gostosa pertencer. A sensação é muito poderosa, e estamos vivendo isso em comunidade nesse momento. Esse é o poder que a cultura tem”, destaca. Nesse contexto, mais que sonhos individuais, ela também ressalta que espera que essa conquista impulsione um olhar mais cuidadoso para o cinema brasileiro, e faz comparação com a Coreia do Sul, onde essa é uma prioridade.

Ela ainda destaca as políticas mais recentes de cotas para os editais públicos ou de capacitação. Apesar de não esperar que um Oscar crie uma valorização maior para o cinema brasileiro como um todo, enxerga como prioridade uma valorização interna, um reconhecimento de “nós por nós”. “O retorno que um filme dá pro mundo e para o país é a longo prazo. É de investimento. A gente precisa que o dinheiro seja investido nessas pessoas, porque o retorno nem sempre vai ser diretamente financeiro. É um retorno de cultura, de pertencimento, de nação, de história.”

*A repórter viajou a convite da Universo Produção

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