Arte profunda


Por MARISA LOURES

21/10/2014 às 07h00- Atualizada 22/10/2014 às 14h20

Quadros, esculturas e poesias integram a exposição

Quadros, esculturas e poesias integram a exposição

Sérgio Marques confeccionou um Dom Quixote

Sérgio Marques confeccionou um Dom Quixote

Fabrício Macedo assina pintura e desenhos

Fabrício Macedo assina pintura e desenhos

Lilian Furtado participa da mostra com suas poesias

Lilian Furtado participa da mostra com suas poesias

Lilian Furtado, 47 anos, poeta. “Às vezes/ A dor / Não tem/ Alívio/ É só delírio”, escreveu ela, batizando sua criação de “Dolores.” Os versos, premiados em primeiro lugar em concurso nacional de pintura e poesia no ano de 2000, foram parar nas páginas do livro “Arte de viver”, projeto executado para ser uma ferramenta de valorização do trabalho dos pacientes portadores de esquizofrenia por meio da arte. Em poucas palavras, Lilian expressou o que sentia na época em que se descobriu depressiva. “Às vezes, pego o lápis e escrevo. Parece que a ideia vem assim, de uma hora para outra. Outras, fico muito tempo sem inspiração”, compartilha a autora, uma das participantes da segunda edição da exposição “Artes e conquistas”. A mostra abriga, até 23 de outubro, na Casa de Cultura, 56 telas, além de esculturas, poesias, prosas e uma instalação com trabalhos manuais confeccionados pelos usuários da Clínica Vila Verde, com apoio da Associação Bromélias.

Atuando no ramo da confecção, a empresária criava frases para estampar camisetas. A caneta e o papel eram seus companheiros inseparáveis, já que qualquer novidade fazia aflorar o lado escritora. Das simples sentenças, resolveu partir para os poemas. “Sou muito exigente com meu trabalho. Crio, corto, guardo e deixo um tempo parado. Nesse período, eu só lia, lia, até que precisei procurar uma psicóloga. Ela disse que meu trabalho é literário”, conta a paciente, de volta a Juiz de Fora, depois de um período radicada na Alemanha. Lá, casou-se e se afastou do universo das letras.

“Fiquei uns cinco anos escrevendo coisas de que não gostava, achava feio. Um dia, muito emocionada, resgatei a poesia.” De volta ao lugar que lhe cabe, resolveu usar o talento como aliado ao tratamento. “Quando voltei para o Brasil, estranhei tudo. O sol me incomodava, tudo me incomodava. Lá era um silêncio danado. Senti como seu eu fosse uma estranha no ninho. O que me faz mais intensa e mais viva é a poesia.” Se ela pretende alçar novos voos? “Tem hora que sim, tem hora que não. Às vezes, penso em fazer uma exposição com quadros das minhas poesias. Gosto de fazer planos, mas isso não quer dizer que eu tenha que realizá-los. Sou do tipo que tenho que dar um espaço para a arte, vivenciar novas coisas, senão meu trabalho fica aguado. Minha poesia é mais profunda.”

Criação sem amarras

“‘Artes e conquistas’ se constrói e se mostra como a Arte Bruta. Os artistas entram em um processo de conceito sem saber, fazem a arte com uma liberdade incrível, sem amarras, porque não se prendem às regras artísticas e, então, inventam. É o aflorar o inconsciente de maneira instantânea, não muito reflexiva. O que importa é o olhar, o comportamento do homem perante a arte, pois até na sua distorção há beleza”, reflete a técnica em saúde mental Lyliane Lanza, responsável pela oficina de saberes matemáticos e língua portuguesa. Enquanto a exposição era montada, os artistas faziam questão de mostrar à Tribuna as produções que ganhariam o amplo espaço da galeria. “É um viés de tratamento que abre possibilidades de se colocar de maneira concreta através da arte. Arte esta manifestada em vários graus, desde a mais autêntica, sem preocupação com a estética, até a forma mais lapidada. Essa vertente foi surgindo naturalmente, como forma de as pessoas poderem circular, e representa um campo de ação. Hoje, elas estão na arte, daqui a pouco podem estar no esporte. Tudo isso só faz sentido se for visto como um multiplicador de possibilidades de vida”, afirma o diretor técnico da clínica, Renato Lobo.

A escultura de Dom Quixote, confeccionada em jornal por Sérgio Marques da Silva, 56, é o cartão de visita da exposição. O aposentado conta não nutrir sonhos na área. Contudo, a obra apresenta uma riqueza nos detalhes que impressiona. Foi durante uma internação de dez dias que ele resolveu participar das oficinas realizadas na Clínica Vila Verde. “Meu problema foi emocional. Eu era torneiro mecânico e soldador. Fazia peças de ferro e alumínio. Com o tempo, fui desenvolvendo certas habilidades com o jornal. Comecei com mandalas, depois fiz um elefante indiano, um jogo de xadrez e agora o Dom Quixote.” Para produzir uma peça como a que está exibida, Sérgio leva cerca de três meses. “Corto tudo em tamanho uniforme, enrolo e vou colando os pedaços. Isso surgiu do nada num tempo em que estava em depressão, me isolei na sala e fui soltando a imaginação.”

O desenho do rosto de uma amiga é uma das contribuições do estudante Fabrício Araújo Macedo, 37, para a mostra. A destreza com o lápis herdou da mãe. “Ela inventava uma porção de coisas. O dom dela me inspirou”, diz, segurando a tela onde pintou um leão em cores vivas.” Apaixonado por rock’n’roll, frequentemente se pega flertando com o mundo das palavras. “Também componho. Escuto Iron Maden, Metallica e outras bandas. Entrei para a clínica e pensei: ‘Será que eles me darão oportunidade de fazer um CD?’ Tenho um caderno quase completo. Gosto de vender meu trabalho, mas não sei se sou um artista.”

ARTES E CONQUISTAS

De terça a quinta, das 14h às 19h. Até dia 23/10

Casa de Cultura

(Av. Rio Branco 3.372 – Centro)

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