‘Cãoroinha’ de Piraúba: cachorro vira símbolo de fé e acolhimento

Vídeo de Amarelo, como foi batizado, viralizou nas redes sociais nos últimos dias


Por Pedro Moysés

01/06/2025 às 07h00

Entre os bancos da Igreja Matriz de Piraúba, a Paróquia de São Sebastião, na Zona da Mata, uma presença constante chama atenção pelo compromisso assíduo de comparecer a todas as missas. Amarelo, como foi carinhosamente batizado, é um dos ‘fiéis’ mais dedicados da paróquia da cidade: não perde uma missa. Cachorro quase comunitário e querido por toda a cidade, ele ganhou o coração dos fiéis com seu comportamento dócil e a presença constante em celebrações religiosas. De coroinha a consolo em velórios, sua trajetória mistura afeto e pertencimento.

Em meio a cânticos, orações e mais de 1.500 coroinhas reunidos no 19º Encontro Diocesano de Coroinhas (Endico), o personagem de quatro patas roubou a cena. Durante a missa de encerramento, celebrada na Igreja <atriz de Piraúba, o padre Júnior prestou uma homenagem especial ao cachorro, reconhecendo sua presença constante nas celebrações. O vídeo, gravado por Fátima Gravina, rapidamente viralizou nas redes sociais. e o cãozinho ficou conhecido como “Cãoroinha”.

Amarelo apareceu em Piraúba no final de 2020, início de 2021. Segundo a atual tutora, ele ficava rondando a igreja. Na época, o pároco responsável era o padre Márcio Arthur, que também possuía cães e, por isso, acabou se compadecendo com Amarelo. Lígia Soares, hoje tutora do cão, contou à Tribuna que o padre passou a alimentá-lo todos os dias após a missa, ato que foi retribuído por Amarelo, que continuou assiduamente frequentando as celebrações. 

Em janeiro de 2023, padre Márcio foi transferido para Cataguases e, sem a possibilidade de levar Amarelo, o cão ficou. Lígia, que na época trabalhava na Prefeitura, próximo à Igreja, passava todos os dias pelo cachorro. “Eu passava por ali e achava ele muito tristonho. Passei a levar água e colocar comida.”

No mesmo ano, Amarelo se envolveu em uma briga com outro cão e saiu ferido. “Me ligaram, eu estava no meu serviço e saí correndo para buscá-lo”, contou Lígia. Após o resgate, ela, juntamente com a Associação dos Amigos dos Animais de Piraúba, arrecadou valor para o tratamento e a castração de Amarelo. “Ele ficou direto comigo em casa uns três meses, para se recuperar. Mas chorava sempre perto dos horários da missa, era incrível como ele sabia que era final de semana e os horários.”

Rotina paroquial

Após a recuperação, Amarelo quis voltar ao hábito que havia criado. “Quando ele melhorou, começou a roer a minha porta para sair”, contou Lígia. Bastou a abertura do portão da casa para que ele retornasse à sua rotina paroquial. “Ele continuou indo para a missa. Ele gosta de ficar ali, no meio do povo. Eu levava e ele ia direto para dentro da igreja, se sentava do lado do altar e ficava quietinho”, conta a tutora.

Com o tempo, a comunidade começou a perceber a presença constante do cachorro e passou a se afeiçoar ainda mais por ele. Entre os frequentadores da igreja, a presença de Amarelo ganhou significado especial, principalmente para as crianças e os jovens. “Ele é muito manso, brinca com todo mundo, fica ali deitado no meio dos meninos. Já virou parte das celebrações”, contou Fátima.

Alguns fiéis, inclusive, relacionam a presença do Amarelo ao padre Ibrahim, que viveu em Piraúba por 67 anos. Isso porque Amarelo trabalha quase como um guardião da Igreja, cuidando de tudo e todos, participando e estando presente em todas as missas celebradas na Paróquia. 

Junto das famílias nos velórios

caoroinhavelorio arquivo pessoal ligia soares
Amarelo na capela do cemitério de Piraúba (Foto: Arquivo Pessoal/Ligia Soares)

Mas não são apenas em missas e celebrações que o cãozinho se faz presente. Lígia conta que Amarelo também vai a todos os velórios da cidade. Ele chora no portão para que a tutora o abra. “Eu abro o portão, ele corre para o cemitério e fica junto da família. Acompanha até o final do sepultamento e depois desce com os familiares. Parece que sabe quem precisa de apoio.”

Amarelo também costuma frequentar as festas juninas da escola, vai ao campo de futebol com as crianças no fim de semana e, muitas vezes, ao sair da missa aos domingos, procura um churrasco na casa de algum fiel para fazer uma boquinha. 

A viralização de Amarelo realizou um antigo desejo de Lígia. A intenção dela sempre foi divulgar a história do cão, para que, através dela, as pessoas passassem a respeitar mais os animais de rua. “Eles não estão nas ruas porque querem, estão porque foram abandonados”, explica. Ela conta que a Associação dos Amigos dos Animais de Piraúba desempenha uma frente ampla de trabalho no resgate e no tratamento de animais abandonados e conta com o apoio da Igreja. “Todo ano, o padre Júnior empresta o salão paroquial para a associação fazer uma noite de caldos para arrecadar dinheiro.”

Roupa de coroinha e visibilidade

 

Foi com a roupa de coroinha, feita por Lígia, que Amarelo trouxe visibilidade para Piraúba. Lígia conta que providenciou a roupa no ano passado, para que o cão pudesse usar no dia de São Francisco de Assis, quando o padre dá a bênção aos animais na pracinha da Igreja. Mas foi apenas no último domingo que a história ganhou as redes. “Quando fiquei sabendo do encontro diocesano de coroinhas que foi no último domingo, coloquei a roupinha de novo nele.”

Amarelo talvez não compreenda o peso simbólico que carrega para a cidade, mas sua história virou mensagem. Ao ganhar sua roupa de coroinha, Amarelo também ganhou voz e, com ela, ajuda a dar visibilidade à causa de tantos outros cães que vivem na rua como ele vivia.

AmareloCaoroinha2---Arquivo-Pessoa-Ligia-SoaresAmareloCaoroinha---Arquivo-Pessoa-Ligia-SoaresAmarelo4---arquivo-pessoal Ligia SoaresAmarelo3---arquivo-pessoal Ligia SoaresAmarelo2---arquivo-pessoal Ligia Soarespadremarcioeamarelo-arquivo-pessoal Ligia Soares
<
>
Amarelo na pracinha da Igreja (Foto: Arquivo Pessoal/Ligia Soares)

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.