Mostra conta história da UFJF em imagens
Exposição aborda arte, comportamento e arquitetura ao retratar história da UFJF
Como um traçado marcante em preto numa extensão de verde riscada por finas linhas em marrom, a Avenida Itamar Franco, antiga Independência, surge em registros feitos na década de 1960 como um inovador caminho. Partia de uma cidade que se acostumava com a rotina pós-industrial para encontrar uma colônia rural de imigração. Num vazio, foram edificadas vanguardas. Em “Lvmina Spargere” (em latim, “espalhar a luz”, lema da UFJF), exposição em cartaz no saguão da reitoria da Universidade Federal de Juiz de Fora, está reproduzida a história da instituição e também seu impacto comportamental, social, político, cultural e arquitetônico em Juiz de Fora. Retratos de uma sociedade confrontada com o conhecimento.
Apresentada em plotagens, o que limita a potência pictórica da mostra, a narrativa transpassa a academia com um material fotográfico instigante e profundo. Integrantes do acervo histórico da universidade, as imagens refletem a potência de um fotojornalismo com inspirações nos franceses Henri Cartier-Bresson e Robert Doisneau, mestres no registro de cotidianos poéticos. Em sua grande maioria de autoria do fotógrafo Roberto Dornelas – que, nascido em 1936, trabalhou de 1966 a 1991 documentando as atividades da UFJF -, as fotografias atravessam a função de arquivo, como na cena do vestibular de 1969, realizado no ginásio do Sport Club Juiz de Fora, que cuidadosamente elabora jogos de luzes e as várias camadas geométricas.
“Assim que vi essas fotos fiquei muito impressionada, não apenas porque reacendem a memória do passado esquecido no tempo, mas porque comportam grande sensibilidade e condição expressiva que as elevam ao patamar da fotografia artística”, defende Valéria Faria, curadora da mostra e pró-reitora de Cultura da UFJF. “De fato, essas fotografias foram feitas em caráter de registro, no entanto, já sabemos que, mesmo quando documento, uma fotografia nunca é só documento. Essas imagens remontam a uma prática artística desenvolvida desde os primórdios da modernidade, pautada na dissolução da forma e na instauração de novas relações construtivas. São retratos com aura, com pulsação interior e extrapolam a mera reprodução da realidade”, completa.
Em entrevista ao projeto “Memórias possíveis”, coordenado pelas professoras e pesquisadoras Christina Musse e Rosali Henriques, em novembro de 2013, Dornelas assume o “olho armado” (expressão de Murilo Mendes). “Sempre tempero a coisa, faço uma foto jornalística, com um pouquinho de arte, com um pouquinho de poesia, porque a foto tem que vender um jornal, tem que vender uma mercadoria qualquer, é que ela fala por mil palavras. Dependendo da foto, não precisa de legenda, não. Acho que já nasci autodidata nessa coisa, porque eu gosto muito de ser metido a artista também, sabe? Eu fazia um pouco de arte com a fotografia, iluminação, ângulo e tal”, conta o fotógrafo, cujo currículo soma passagem por importantes veículos nacionais, como a “Revista Manchete”, de Adolpho Bloch.
Imagens como tratados
Calças de cintura alta, calças flares, camisas soltas, estampas florais e étnicas, proliferação de cores e padronagens unissex estão presentes nas fotografias cujo cenário é um complexo em construção entre os anos finais da década de 1960 e os primeiros anos da década de 1970. O mesmo vanguardismo expresso nas roupas está marcado no projeto arquitetônico e urbanístico do lugar onde restava um vazio. “O projeto do Arthur Arcuri previa, inclusive, alojamento estudantil. Onde é a reitoria hoje teria comércio. O projeto dele original não aconteceu e, provavelmente, foi transformado por conta da ditadura, que inibia espaços de conivência estudantil”, destaca o arquiteto e professor do departamento de história da UFJF Marcos Olender, coordenador do projeto “História da UFJF”, que sistematiza e coleta material documental, fotográfico e a história oral acerca da instituição.
“Havia um terreno vazio que de repente recebeu uma cidade universitária. Isso gerou um impacto não apenas em Juiz de Fora, mas em toda a região. De lá para cá, dá para perceber claramente o impacto urbano que causou. Há um desenvolvimento muito grande daquela região, que faz, inclusive, com que a universidade sirva de passagem entre pontos distintos da cidade”, pontua Olender, ressaltando, ainda, a importância da convergência de faculdades com origem privada num projeto de complexo de ensino público. Segundo o arquiteto e urbanista Rogério Mascarenhas, inicialmente houve a intenção de construir o complexo ao lado da Santa Casa de Misericórdia, em plena Avenida Rio Branco. “Não aconteceu, provavelmente, pelo preço dos lotes e pela necessidade ampla de desapropriação”, explica.
A ideia do projeto, para Mascarenhas, insere em Juiz de Fora um gesto até então ausente. “Vejo uma intenção de planejamento só na fundação. A cidade nasceu quando Henrique Halfeld abriu a Avenida Rio Branco. Existia ali uma intenção de criar um município. Mas, mais que isso, ele fazia valorizar os terrenos da família da esposa dele. Juiz de Fora cresceu espontaneamente, de acordo com seus agentes econômicos e sociais. Temos os loteamentos que foram projetos (como o Santa Helena e o Jardim Glória) e fizeram parte da cidade como bairros, mas não tinham a ênfase do planejamento urbano”, reflete. “A projeção tem uma grande vantagem porque se projetam ruas largas, com generosidade. Nossa cidade, por causa da topografia difícil, cresceu com ruas estreitas e terrenos também estreitos, o que faz com que sofra com o crescimento desordenado, que resulta em saturação. É claro que, por outro lado, ela também tem sua beleza espontânea.”
Arte e política
“O complexo humanístico do campus não é um projeto só de distribuição espacial de prédios, mas de estruturação institucional, que pensa em institutos de ciências e faculdades aplicadas”, comenta Marcos Olender, apontando para uma geografia que espalha, nas regiões mais baixas, as ciências puras e as ciências aplicadas. “Encimando tudo, coroando a universidade, está a engenharia, o que demonstra essa postura positivistwa, da engenharia como a grande construção do período”, analisa o professor e pesquisador, referindo-se ao ideário que prevaleceu, primordialmente, durante o governo de Juscelino Kubitschek, presidente responsável pela implantação da UFJF. “Quando reorganiza a instituição e possibilita que as pessoas se encontrem, esse projeto traz uma vida nova àquela região. São shows, manifestações, discussões que acontecem numa região que urbanisticamente não era muito ocupada”, completa.
Presenças constantes na história retratada por lentes sensíveis em “Lvmina Spargere”, as artes e a política estão em cenas que trafegam entre o lirismo e a poesia dos ativismos. “De fato os caminhos da arte e da história da universidade sempre se cruzaram prazerosamente, haja vista os esboços do que seriam os prédios do Campus assinado pelo artista Décio Bracher, que na época estagiava como desenhista na prefeitura da UFJF. Ademais, os saguões da antiga e da atual reitoria sempre se dedicaram a exposições artísticas e à promoção da arte e cultura produzida dentro e fora da academia”, defende Valéria Faria, apontando para os registros que dão conta do objetivo e do subjetivo, do que é documento e do que é criação.