Júlia Gama Fernandes lança o primeiro livro de poemas com ‘Notícias submarinas’

Livro da Urutau foi um dos mais vendidos da editora durante a Flip e traz à tona mergulhos no tempo


Por Elisabetta Mazocoli

15/08/2025 às 07h00

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Após sucesso na Flip, Júlia Gama lança livro de poemas em Juiz de Fora (Foto: Arquivo pessoal)

Júlia tem medo do mar e seu eu lírico não sabe pegar jacaré. Nem por isso deixa de mergulhar nas profundezas do oceano em “Notícias submarinas”, seu primeiro livro de poemas, que aproveita justamente a própria inibição para refletir sobre a escrita, os atravessamentos do tempo e os movimentos de partida. Mineira com os pés firmes no chão, ela se lançou a esse universo tão desconhecido com olhar detalhista, de quem escava algo difícil de traduzir e de quem reconhece nos mais diferentes elementos os tesouros da poesia.  Com 29 anos completos na data desta matéria, a autora prepara o lançamento da obra em Juiz de Fora, no Meiuca, às 16h deste sábado (16), depois de seus poemas também terem aportado em Paraty, durante a Flip, quando sua obra ficou entre as mais vendidas da editora Urutau

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(Reprodução/Urutau)

Guiada pela epígrafe do professor e escritor Edimilson de Almeida Pereira, “a memória é um curso em parte navegável”, Júlia conta que buscou usar a escrita como instrumento de liberdade, ainda que fosse tateando como fazer isso. Todos os poemas da obra foram escritos e reescritos há cerca de dois anos, quando ela também foi percebendo que o que escrevia podia deixar de ocupar um lugar mais íntimo e chegar à superfície. Mas foi só depois que ela notou algo que daria uma unidade ao projeto: “Comecei a perceber que, no que vinha escrevendo, tinha uma linha marítima. Eram poemas que falavam sobre  água e sobre mergulho, faziam alusões às passagens aquáticas”, conta Júlia. No verso de “Recife”, já mostra isso: “os nossos barcos/se dividem no mar bravio/ não quero ser de mim mesma/ nem dessa terra profunda”. 

Esse processo de curadoria dos poemas, para ela, foi um dos principais para chegar ao que pensou como procedimento estético para o livro, que tem menos de 60 páginas. “Eu considero um livro simples, mas que também é ambicioso em algum lugar. É um primeiro livro, então acho que tem que ser, tenho que querer dizer algo com ele”, explica. Essa intencionalidade também é um traço importante do seu trabalho, que ela enxerga por meio da organização da obra, que é dividida nas partes “navegar”, “aportar” e “zarpar”. Enquanto na primeira parte Júlia escreve trabalhando com raiva ou medo, na segunda, ela já deixa suas próprias memórias seguirem em frente e, na última, olha pro futuro com coragem.

É justamente essa mistura de sensações que o mar lhe causa — e da onde também começou a elaborar o título, com duas palavras no feminino, não por acaso. A elaboração de sua linguagem poética surgiu enquanto ela escrevia sua dissertação de mestrado na área de Cinema, na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e também percebe que encontrou ali a possibilidade de elaborar o que parecia pequeno e cotidiano. “O mar, pra mim, sempre simbolizou algo inalcançável, como se eu não pudesse entrar no mar sem sentir esse medo e esse repuxo que ele faz pra gente ir. Mas isso também simboliza uma certa possibilidade de ir mesmo assim.”

O fazer do cerzir

Enquanto o cerzir dos poemas de Júlia combinam e incorporam os elementos navegáveis, a sua linguagem literária reúne pontos miúdos de trabalho: é o caso da interferência do audiovisual. No livro, essa referência aparece no poema dedicado ao cineasta Hollis Frampton e ao poema chamado “Dente canino”, mas não só. Ela entende que as imagens e a própria escolha pela poesia estão totalmente relacionadas à sua formação.  “Escrevo poesia desde pequena, mas encarar o que escrevia como poesia e como um trabalho literário é mais recente”, explica. Mas as referências também apareceram por meio de músicas e até de uma foto do acervo pessoal do namorado.

Diretora do curta “Pivete”, ao lado de Ariel Rezende, exibido na Mostra de Cinema de Tiradentes em 2023, além de trabalhar como assistente de direção, ela pegou parte do pragmatismo que aprendeu no cinema para se voltar para o trabalho, para o fazer e refazer. “A poesia é mais imagética e menos descritiva. Fui entendendo que gosto disso, porque acho que se perdem possibilidades quando fecha muito o texto”, explica.

Navegar cada dia mais

Trabalhar com os próprios medos em relação à escrita foi algo que, pra ela, compôs muito do que eram os desafios de dar forma ao “Notícias submarinas”. “Eu não me considero uma pessoa tímida, mas acho que sou uma pessoa inibida. Acho que isso aparece no livro, tem uma contenção que tento explorar, porque quando entendo que podia fazer desses medos [do mar e de escrever] material da própria escrita, algo mudou pra mim. Não seria “escrava” desses medos, escreveria com eles”, diz. Para ela, foi preciso deixar de se importar com o destino dos poemas, e se guiar pelo próprio ato de escrever.

E fica também notável por suas próprias palavras, como no poema “Imaginar”, que já não há a mesma inibição do começo, mas uma necessidade de continuar: “para integrar a fantasia de menina/ de navegar cada dia mais”. Também em “epílogo”, finalizando o livro, ela não quer mais ter medo de seus cadernos. E por isso acha tão oportuno o lançamento, quando pode continuar compartilhando essas procuras com outras pessoas. “Acho que o lançamento está sendo leve por isso, é como se eu já não me preocupasse tanto com o que o trabalho virou, porque ele já existe, já independe de mim”, reflete.

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