Farofa Carioca volta aos palcos após 12 anos com show em Juiz de Fora
Banda revive sucessos e celebra legado com nova formação e turnê comemorativa

Reunidos pelo desejo de fazer música com alegria, mas sem deixar os temas urgentes de lado, a banda Farofa Carioca retorna aos palcos após um hiato de 12 anos. Resgatando grandes sucessos e trazendo novos projetos, o grupo se apresenta nesta sexta-feira (8), às 22h, no Cultural Bar, e promete reviver com empolgação o “tempo perdido”.
Motivados pela necessidade de defender o nome e o legado do grupo, os integrantes – Bertrand Doussain (flauta), Carlos Moura (trombone), Gabriel Moura (voz e violão), Mário Broder (vocal), Sandrinho Carioca (percussão), Sérgio Granha (baixo), Seu Jorge (voz e guitarra), Valmir Ribeiro (cavaquinho) e Wellington Coelho (percussão) – se reuniram novamente. O último evento do grupo foi em 2013.
A banda surgiu no Rio de Janeiro em 1997, misturando samba, choro, xote e jongo a influências de reggae, hip hop, soul e funk. Tornando-se um fenômeno, lançou seu primeiro álbum, “Moro no Brasil”, com sucessos como “Moro no Brasil”, “A carne”, “A lei da bala”, “Menino da Central”, “São Gonça”, “Bebel” e “Doidinha”. Em fevereiro, o disco estreou nas plataformas de streaming.
Para o vocalista Gabriel Moura, esta é só uma das diversas realizações que a reunião está oferecendo. “É um trabalho que faz parte da nossa vida. Criamos isso, e é muito forte. Então, retornar e poder colocar o nosso som para o mundo ouvir nos enche de alegria. Agora viemos com uma turnê em celebração a esse álbum tão emblemático, que tem a cara do Rio de Janeiro, mas que, de certa forma, representa o Brasil.”
‘Pudemos dizer coisas que, sozinhos, não conseguiríamos’
Mario Broder explica que, mesmo separados todos esses anos, o grupo sempre esteve unido. Segundo ele, mesmo com divergências de localidades e opiniões, todos estavam interligados e tinham o desejo de retomar o projeto que lhes deu tanto.
O vocalista faz questão de destacar que são um coletivo de homens pretos periféricos que encontraram na música a forma de dizer o que pensam e sentem. “Esse som existe porque temos muita vontade de mostrar nosso talento e, coletivamente, conseguimos isso. Com conteúdo, sem perder a alegria.”
Sobre como a realidade os impacta, Broder explica que são peculiares, justamente, por isso: “cutucar com alegria o que a alegria não costuma cutucar”. Segundo ele, os temas abordados são necessários, e é impensável não apresentá-los em suas letras.
“Os assuntos continuam nos impactando da mesma forma e, à medida que nos impactam, trazemos nas músicas e levamos para as pessoas esses debates. A gente acredita que o Farofa nos deu voz, e pudemos dizer coisas que, sozinhos, não conseguiríamos”, completa Gabriel.
Ele cita que temas que antes eram, para o coletivo, referência da capital carioca e levados ao país por eles, hoje refletem uma realidade compartilhada. “As questões de crianças nas ruas, o racismo, a criminalidade, as drogas, como abordamos na música ‘Rabisca Robson’, são temas que cantávamos pensando ser um recorte do Rio e, hoje, vemos que é o país inteiro.”
‘A favela não venceu’
Broder explica que todos os integrantes são uma junção de vários “Rios de Janeiro”, separados por vielas e bairros de todas as regiões da cidade. Ele remete à metáfora de que, no fim da rua, todos se encontram em um único lugar: a praia.
Hoje, todos alçaram voos. Em tempos distantes do coletivo, cada um desempenhou seu papel e aprimorou seus talentos. Da Austrália e França ao Brasil, os integrantes refletem como as narrativas de suas músicas, lançadas há anos, ainda são realistas.
Gabriel analisa, também, o discurso de que “a favela venceu” é equivocado. “Não, a favela não venceu. Um ou outro pode ter vencido, e isso é motivo de alegria. Mas, até todos ali vencerem, vai demorar. Só torço para que a demora seja menor do que o tempo que parece que será.”
Sobre as pautas e os assuntos debatidos nas letras, o grupo percebe uma evolução, mas não o fim dos problemas. “Quantos negros hoje aparecem na TV, e quantos antes apareciam? A publicidade está nos aceitando mais, as empresas hoje prezam pelo discurso de diversidade. Isso é bom. Mas ainda existem pessoas que jogam o tema para frente, que adiam o debate, e isso puxa a sociedade para trás”, analisa.
“As questões das pessoas em situação de rua nos entristece muito, e é notável a diferença entre brancos e pretos. Nós percebemos que nossa música é extremamente necessária ainda. Embora tenhamos ficado parados por anos, nossa música continuou circulando por aí, como ‘A carne mais barata do mercado’, que é um hino à valorização da pele. É duro, mas lutamos muito por essa visibilidade às pessoas pretas. E isso sempre vai nos mover: nossa maneira de escrever, nossa maneira de pensar, nossa arte – para que a gente consiga, assim, falar de sorrisos e coisas boas”, reflete Gabriel.
Muito mais que um reencontro

Após mais de dez anos sem tocar juntos, os integrantes da banda destacam que o reencontro representa muito mais do que um retorno aos palcos. Para eles, o período afastado serviu como um tempo de amadurecimento individual e coletivo. “Valeu muito a pena essa volta. Estamos nos amando cada vez mais. Foi um tempo de reflexão. Hoje, reencontramos a alegria, a leveza de antes, mas com outra maturidade”, afirma Broder.
Eles ressaltam que o som da banda também passou por transformações, assim como o cuidado estético com a música e a convivência entre os membros. “Esse cuidado vem desse amadurecimento, dessas barbas brancas que já temos. Alguns ainda não. É diferente estar no meio do trabalho, com visibilidade e reconhecimento, e depois parar e seguir caminhos distintos, mas ainda ouvindo das pessoas que aquilo era importante e não deveria ter parado.”
O grupo ainda comentou sobre o símbolo que os representa. Em vez de um ícone tradicional, eles escolhem o cachorro vira-lata como representação da identidade da banda. “Nosso símbolo não é só um vira-lata, é um cachorrinho caramelo, que representa a mistura de territórios, de maneiras de andar. É um animal resiliente, resistente. Para mim, ele representa mais o Brasil do que a arara-azul”, define Gabriel.
Seu Jorge está de volta ao Farofa Carioca
Apesar de não estar presente no show desta sexta-feira, Seu Jorge continua envolvido com o grupo. De acordo com os integrantes, ele participa das decisões e mantém contato frequente, mesmo com a agenda cheia. Antes da entrevista, inclusive, o grupo informou que estava em ligação com o cantor.
A banda revela que tem buscado conciliar datas para que Seu Jorge participe de apresentações pontuais. Ele segue contribuindo ativamente com os projetos e mantém diálogo constante com os colegas.
Entre as novidades previstas, o grupo confirmou o lançamento de uma faixa inédita para novembro. “Vamos lançar mais uma música que foi gravada na época, mas não chegou a ser lançada: o ‘Rap do negão’, com a voz do Jorge – uma faixa que denuncia o racismo, mas também traz muita alegria.”
*Estagiária sob supervisão da editora Gracielle Nocelli
Serviço
Show Farofa Carioca em Juiz de Fora
Data: 8 de agosto (sexta-feira)
Horário: 22 horas
Local: Cultura Bar (Avenida Eugênio do Nascimento, 815 – Aeroporto)