Voto e Cidadania: educação de qualidade e retenção de alunos seguem como desafios no próximo mandato
Matéria da série ‘Voto e cidadania’ tematiza os desafios enfrentados na educação após pandemia de Covid-19
A educação brasileira já enfrenta alguns desafios antigos, como a dificuldade em reter alunos em sala de aula, a desigualdade entre o ensino público e o particular e, ainda, a desvalorização dos professores. No entanto, com a pandemia de Covid-19, parte desses desafios se intensificaram e ainda surgiram alguns novos, que colocam a área da educação em alerta.
Em Juiz de Fora, a realidade não é diferente – a cidade não atingiu o padrão esperado pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb); lida com a evasão escolar; conta com uma educação integral que ainda não atingiu a maior parte dos estudantes; e, ainda em 2023, sofre com ameaças de ataques em escolas. Diante desse contexto, no projeto ‘Voto e Cidadania’, da Rede Tribuna, especialistas foram ouvidos para falar sobre os desafios que a cidade enfrenta no momento, e o que deveria ser priorizado para mudar o cenário nos próximos quatro anos. Assim como na matéria sobre saúde já publicada, a Tribuna elaborará uma pergunta relacionada ao tema e as respostas serão publicadas na terça-feira, em nova matéria.
Durante o período eleitoral, aos domingos, nossa equipe abordará outros temas relacionados à cidade, surgidos a partir da Pesquisa “Fala, JF”, que apurou as prioridades da população na destinação de recursos do Orçamento Municipal. A partir da publicação destas reportagens, a Tribuna elaborará uma pergunta relacionada ao assunto. A questão será enviada a todos os candidatos na segunda-feira seguinte, às 8h. As respostas, de no máximo 2.000 caracteres, deverão ser enviadas até as 15h do mesmo dia, e serão publicadas na terça-feira, em nova matéria.
Efeitos da pandemia ainda são sentidos em sala de aula
Um dos desafios mais nítidos que Roberto Jorge Abou Kalam, do Sindicato Municipal dos Professores (Sinpro-JF) enxerga, é justamente conseguir que os alunos recuperem o ritmo que estava sendo estabelecido antes da pandemia de Covid-19. “O prejuízo que a pandemia causou, nesse tempo todo necessário de afastamento, pode ser visto a olho nu. A gente precisa garantir um laboratório de aprendizagem, como tinha antes, para dar suporte para aqueles alunos que ainda enfrentam grande dificuldade no acompanhamento do processo de construção de conhecimento na sala de aula”, explica. Para ele, essa é uma demanda que deve ser atendida em todos os níveis, e que também deve buscar uma atualização das práticas de sala de aula. “Essa necessidade foi ratificada inclusive em assembleia da categoria, de que a administração possa reimplementar esse laboratório de aprendizagem para garantir que esses alunos possam, em um período paralelo às aulas cotidianas, recuperar esse tempo que não conseguiram”, conta.
Para que o resultado entre os alunos seja como desejado, no entanto, o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Eduardo Magrone, ressalta que é preciso haver recursos e reforçar a independência das escolas para desenvolverem os seus projetos. “Olhando pra rede municipal de ensino em Juiz de Fora e as experiências no Brasil, a gente vê que as boas práticas trabalham com isso: envolvimento da comunidade, acompanhamento personalizado dos alunos, e foco no desempenho acadêmico. Mas se temos um diretor ou diretora que tem que trocar 70/80% da equipe todo ano, isso fica muito difícil”, ressalta. Para ele, uma das medidas mais importantes neste sentido é garantir a permanência dos professores, para que possam ir acompanhando esse desenvolvimento.
Educação integral e com independência
Em agosto de 2023, a Tribuna registrou uma expectativa de ampliação das escolas em tempo integral. Esse tipo de ensino é apontado pelos professores como extremamente necessário para os alunos das escolas municipais, sendo essencial para que estes desenvolvam atividades complementares e possam adquirir as habilidades previstas. Até o momento, a Rede Municipal de Ensino de Juiz de Fora possui 8 escolas em tempo integral e outras 12 com jornada ampliada para os estudantes, conforme esclarecido pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF). No entanto, como observam os professores, esse índice ainda é insuficiente para abranger todos os alunos. “A escola de tempo integral é muito importante. Os alunos das camadas médias e altas têm seu ensino integral privado – a família paga futebol, judô, piano, violão. O estudante das camadas populares não tem isso, e quando é enviado pra casa, muito provavelmente não vai estar estudando”, explica Magrone. Para ele, essa medidas precisam de uma expansão que inclua justamente quem mais precisa do sistema público, e que ajude a fazer com que os alunos não se evadam do ensino. “A evasão tem uma série de fatores, e um deles é a necessidade de trabalho. E esse trabalho, muitas vezes, é em casa. Isso prejudica muito a frequência e o aprendizado deles nas escolas. A escola pode ficar mais atrativa pra essa faixa etária. Para isso, há a necessidade de projetos específicos para cada local, cada bairro, cada região de Juiz de Fora”, ressalta.
Da mesma forma, o diretor do Sinpro acredita que é preciso discutir recursos necessários, um instrumental e o aparelhamento necessário para que aquele aluno possa ter condições de se desenvolver. “Acho que é importante que a gente mostre pra comunidade que a educação tem a sua importância formativa. Quando você vê crianças tendo que largar a escola para trabalhar e ajudar o ganho familiar, esse é um componente que tem que ser revisto. Só que isso não é uma política que se funda no poder local, é mais macro. É uma política social de geração de emprego e que garanta que criança em idade escolar tenha o direito pleno de frequentar a escola, e a família tenha condições de empregabilidade que possam garantir o sustento dela sem sacrificar a vida da criança que, até determinada idade, tem que ser vivenciada nesse ambiente escolar”, afirma. Sobre a educação integral, ele também destaca que é preciso que haja uma maior interação entre o Governo federal, os municipais e os estaduais, para que esse processo se dê de forma mais séria, já que os esforços neste sentido, em sua visão, estão acontecendo bem lentamente.
Desempenho no Ideb
Entre os desafios da próxima gestão está a melhora do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em Juiz de Fora. De acordo com o relatório divulgado em agosto, a cidade teve nota 4,9 em 2023 na rede municipal, quando analisados os anos iniciais do ensino fundamental, bem abaixo da média nacional, que ficou em 5,8. O Ideb é um indicador sintético que relaciona as taxas de aprovação escolar, obtidas no Censo Escolar, com as médias de desempenho em Língua Portuguesa e Matemática dos estudantes no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
Em relação aos anos finais do ensino fundamental, o município atingiu 4,2, também aquém da média do país (4,6). “Desta forma, apresentam melhores resultados no Ideb os sistemas que alcançam, de forma concomitante, maiores taxa de aprovação e proficiência nas avaliações”, destaca o Ministério da Educação (MEC). Quando é levada em conta toda a rede pública no ensino médio – que não inclui escolas municipais em Juiz de Fora- , a cidade registrou 3,9 no Ideb 2023, enquanto o Brasil chegou a 5,6. “Eu estive dando uma olhada nos números da educação, especialmente o Ideb, que teve os lançamentos de 2023. O que chama a atenção naqueles números é o destaque que redes como Ceará, Alagoas, Piauí e Pernambuco, que têm PIBs modestos em relação aos estados das regiões Sul e Sudeste, conseguiram avanços bastante expressivos em termos de indicadores. Uma das políticas que lá se desenvolveram foi uma crescente autonomia das escolas e a formação de um corpo de professores estável e coeso dentro de um projeto de escola eficaz”, comenta Eduardo Magrone, sobre o que pode ajudar a mudar esse cenário.
Desvalorização dos professores
A desvalorização dos professores não é uma temática nova, tanto é que, como Roberto Kalam, do Sinpro, destaca, foi requisitada pelo sindicato, nos últimos anos, uma série de medidas de valorização dos profissionais. “Nós tivemos uma demanda muito grande no início dessa gestão que está concluindo o mandato agora. As principais eram a revogação do artigo 9o. da lei 3.012, que é aquela que efetivamente destruiu a tabela de cargos e salários da prefeitura e dos educadores. E também o cumprimento da Lei Nacional do Piso Salarial, que era uma reivindicação super antiga e que a gente vinha reivindicando”, conta.
Com o atendimento a essas demandas pela gestão atual, no entanto, outros problemas passaram a ser enfrentados: “Precisamos, dentre outras coisas, garantir que o resultado do Congresso Municipal de Educação, que discutiu o Plano Municipal, tenha sua implementação garantida, para que o plano de fato seja um instrumento de materialização e avanços na educação local”, diz. Além disso, ele ressalta a necessidade de garantir que o concurso público para o magistério aconteça de dois em dois anos. “É necessário que políticas que tiveram êxito tenham continuidade, como discutir formas pelas quais aqueles profissionais que se qualificam com mestrado e doutorado, que fazem projetos e trabalhos excelentes, possam trazer essa discussão pro restante da categoria para que vejam formas práticas de intervenção. Nossa categoria é extremamente qualificada e bem formada, e tem muita coisa para oferecer. Precisamos cultivar canais de discussão para viabilizar tudo isso e fazer com que a qualidade da educação em JF tenha esse tamanho”, afirma Roberto.
Inclusão
A inclusão é mais um dos desafios que os especialistas enxergam como pontos que devem ser melhorados e, em matérias anteriores da Tribuna, os pais de alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) relataram as dificuldades que enfrentaram para que os filhos tivessem acesso a educação, para que conseguissem acompanhamento terapêutico e para que tivessem profissionais capacitados para garantir que recebessem uma educação inclusiva. Em 2024, também foi proposto pela PJF um Projeto de Lei que dispõe sobre o profissional de apoio para estudantes com deficiência na Rede Municipal de Ensino (PDA), e este foi regulamentado no começo de julho por meio da Lei 14.960/2024, para assegurar mais inclusão. Assim, as próximas gestões deverão verificar como esse projeto vai ser aplicado na prática.
Ataques nas escolas
Em 2023, outro assunto que abalou o universo da educação municipal foi a ameaça de ataques nas escolas de Juiz de Fora. Na época, a Prefeitura acionou a Guarda Municipal para rondas escolares e anunciou a contratação de porteiros para atuar nas escolas municipais. No entanto, como Roberto Kalam destaca, a atenção para uma cultura de paz e a promoção de uma escola sem riscos desse tipo é crucial. “A escola não é uma bolha. É um núcleo que está inserido numa sociedade, e se a sociedade está doente, é lógico que isso vai intervir na normalidade da escola. Mas ações de prevenção precisam ser feitas, e com muita cautela e cuidado, para que a escola não se transforme em um espaço que vá além do seu propósito, que é educar”, afirma.