Racismo institucional desconstruído em sala de aula
Relatos de vivências de situações cotidianas de racismo ajudam estudantes a compreender necessidade de combater as violências contra pessoas negras
O caso da advogada Valéria Lúcia dos Santos, que foi algemada em Duque de Caxias (RJ) após solicitar acesso aos documentos da defesa em um processo no qual trabalha, ganhou repercussão nacional. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro realizou ato de desagravo público em favor de Valéria, que é negra, na segunda-feira (17). A situação chama atenção para o racismo estrutural, que ainda marca profundamente a trajetória de profissionais negros. Mas o combate ao racismo também ganha força dentro das instituições de formação de profissionais. No Centro de Ensino Superior (CES-Academia), alunos e a comunidade podem participar de uma conversa aberta sobre o racismo institucional, parte da disciplina Seminário I dos cursos de Administração, Gestão de Recursos Humanos e Marketing.
O fio condutor dos encontros, que acontecem às 18h das terças-feiras, são as falas de profissionais convidados, que relatam experiências em seus ramos de atuação e suas estratégias de enfrentamento. Os encontros acontecem até o fim de novembro, mês dedicado à Consciência Negra. “Dentro dos cursos, sempre procuramos trabalhar um assunto que seja transversal e importante para a formação do profissional, enquanto cidadão e enquanto profissional, que vai estar dentro das empresas. O racismo é uma triste realidade. Acreditamos que a faculdade, além de oferecer conhecimento e a preparação para o mercado de trabalho, também precisa estar atenta e promover reflexões como essa”, ressalta o coordenador dos três cursos, Tiago Guimarães de Oliveira. A intenção é despertar um olhar crítico, para que os estudantes não disseminem o racismo e sejam agentes transformadores em suas carreiras. “Que eles tenham um olhar mais respeitoso e saibam valorizar a competência e não a cor da pele, a orientação sexual, ou qualquer outro critério que não seja esse.”
Um dos palestrantes convidados foi o vereador Emerson Patrick Vieira (Pros), de Guarani, cidade localizada a 70 quilômetros de Juiz de Fora. A equipe da Tribuna entrou na sala no momento em que ele falava sobre a necessidade de ampliar a presença da população negra nos espaços de representação. Enquanto contextualizava o fim do período de escravidão, com uma ruptura brusca do sistema, marcada pela ausência total de políticas públicas voltadas para a inclusão dos negros, mostrava que não havia qualquer aparato do estado que pudesse garantir as mínimas condições de dignidade, o que hoje tem consequências nefastas, que começam pelo lugar de inferioridade, para o qual as pessoas negras costumam ser levadas. “Com a ausência de políticas públicas de nivelamento, a população negra demorou a se lançar no mercado educacional. Demorou muitos anos para chegar às universidades públicas. A presença de pessoas negras cursando Direito, Medicina, Administração e outros cursos é algo muito recente na nossa história do regime democrático. Por isso, clamo a esses novos administradores que tragam isso para si. A necessidade de reconhecer ao negro a mesma dignidade de qualquer outro cidadão, sem qualquer distinção.”
Na política, ele acredita que é preciso garantir o protagonismo das pessoas negras, de forma a fomentar candidaturas e evitar a diferenciação em função do modo como as campanhas são financiadas. Para Emerson, a criação de cotas pode ser um caminho para combater essa falta de representatividade. O vereador considera que o investimento no nivelamento da educação, desde o ensino fundamental, ajudaria a dar condições para uma concorrência de igual para igual com alunos brancos, de classe média, que estudaram a vida toda na rede particular. “As cotas vieram sim como uma forma de reparar uma defasagem histórica. Mas a solução é a política pública de base. Os ensinos médio e fundamental de qualidade dariam ao negro a condição de encarar o mercado profissional de maneira justa”, defende.
Hoje a disciplina se concentra sobre o racismo, mas outros tipos de preconceito já foram temática. O primeiro foi o preconceito contra os encarcerados. Os alunos visitaram uma penitenciária e puderam ter contato com quem já cumpriu uma pena.
Olhar voltado para o meio profissional
Segundo a professora Luciana Viana Lima Haider, responsável pela disciplina Seminário I, a proposta visa a proporcionar ao aluno a oportunidade de ver o debate sobre o racismo institucional por diversos viéses. “Temos profissionais da educação, política, mulheres, cada um deles traz uma importante contribuição sobre esse debate. Tentamos aprofundar o máximo possível, sem superficialismos, dentro das vivências de cada uma dessas pessoas.” As discussões se estendem para além da sala de aula, conforme a professora. As conversas também se ampliam para as redes sociais, com opiniões bem embasadas e uma boa contribuição para a diminuição da intolerância, das reações de ódio e, principalmente, da prática do racismo.
“Discutir o racismo institucional é, basicamente, discutir o racismo estrutural, que, muitas vezes, aparece velado na sociedade. Percebemos bons frutos. Os alunos estão entrando no mercado com outras visões, que são menos nebulosas, menos preconceituosas. Eles têm conseguido tirar esse conhecimento da teoria e transformá-lo em prática.” A estudante Desirée Martins, que cursa o terceiro período de Administração, vislumbra uma conscientização expandida. “Nós, negros, também queremos ocupar certos espaços, que ainda são muito difíceis de conquistar. Queremos mostrar que a gente existe e resiste apesar de todo o preconceito. Nosso olhar deve estar muito atento ao mercado e ao racismo que acontece no meio profissional. Para isso, a primeira coisa é a mudança do olhar. Nós vamos lidar diretamente com outras pessoas, com a contratação delas e precisamos quebrar esse olhar estereotipado sobre o negro e sobre o medo de contratá-lo, que infelizmente, ainda é muito presente.”
Tópicos: educação