Além do saudosismo: orelhão é alternativa prática para democratizar acesso à comunicação
Questões burocráticas entre Anatel e Oi, mudança nos contratos e atraso na manutenção marcam o atual momento dos escassos telefones públicos

Mesmo esquecidos em meio a paisagem urbana, os orelhões ainda estão presentes na memória de muita gente que passou horas ao lado do telefone, fazendo ou esperando ligações: “Quando saí de Rio Pomba para fazer faculdade em Juiz de Fora, só dava orelhão na nossa vida. Depois das 23h a ligação era mais barata. Quando dava o horário, o pessoal ia telefonar cheio de fichas. Quando elas acabavam era um desespero”, conta a jornalista e pesquisadora Márcia Costa, de 54 anos. A lembrança de Márcia não é novidade para quem tantas vezes usou esses equipamentos para conversar com familiares, amigos ou mesmo com a namorada: “Esses contatos acabavam sendo um grande evento e não algo corriqueiro, como é hoje”, relata o engenheiro agrícola Fernando Vieira, 63.
O que antes eram vivências comuns para a maioria das pessoas no país, atualmente não é mais uma realidade. O acesso à internet e a urgência imposta pelas novas tecnologias de comunicação, somado a uma série de processos burocráticos, fizeram com que os 2.187 orelhões existentes em Juiz de Fora em 2018 se limitassem a apenas dois em 2025, conforme a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
O processo de desativação dos telefones públicos começou em 2019, quando as operadoras deixaram de ser obrigadas a prestar o serviço. De lá para cá, o desuso foi gradual, e os orelhões, que antes eram verdadeiras marcas da cultura brasileira, agora vivem no esquecimento. Conforme a Anatel, estão espalhados pelo Brasil quase 41 mil orelhões, sendo que 35 mil estão em funcionamento. Em Minas, o número é bem menor em relação a outros estados: 995 equipamentos no total, mas somente 587 seguem ativos – pouco menos de 60%.
Em Juiz de Fora, dos dois telefones públicos que restaram, apenas um funciona plenamente. Ele está localizado em Toledos, na Zona Rural do município. O outro também fica na Zona Rural, em Mascate, e consta no sistema da Anatel como “precisando de manutenção”. Questionada, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) informou que a responsabilidade pelo conserto é inteiramente da operadora.
Novas regras para orelhões a partir de 2026

Este cenário até poderia significar abandono desses bens públicos no país, porém, em agosto do ano passado, a Anatel publicou norma que retoma a obrigação das operadoras de telefonia de manterem em funcionamento os telefones públicos que ainda existem no Brasil, a partir de 2026.
Desde 1998, empresas como Algar Telecom, Claro, Sercomtel e Oi arcam com contratos de concessão de telefonia pública, que têm previsão de encerramento em 31 de dezembro deste ano. Por isso, no ano passado, a Anatel alterou a modalidade dos contratos de concessionárias para autorizadas. Isso permite que as empresas negociem diretamente com a Administração Pública o funcionamento das telefonias fixas, tornando a implementação de novos orelhões opcional.
Porém, em novembro de 2024, a Anatel propôs um Termo de Autocomposição – válido até o fim de 2028 – que impõe às operadoras, mesmo em regime privado, que retomem o serviço dos orelhões em localidades onde não há outra forma de comunicação que ofereça funcionalidade de voz. Para a agência reguladora, a prioridade está em investir em tecnologias banda larga e outros equipamentos de comunicação mais modernos, mas os telefones públicos continuam sendo alternativas práticas para democratizar o acesso à comunicação.
“Várias áreas dos distritos da cidade não têm acesso à internet. Isso complica muito a vida do produtor que precisa se comunicar. Até há orelhões funcionando – e quebram o galho -, mas é muito difícil achar um”, relata o presidente do Sindicato Rural de Juiz de Fora, Domingos Frederico. Quando olhamos para a fala de Domingos, fica óbvia a necessidade de desenvolver o acesso à comunicação em diversas localidades do país, inclusive na Zona Rural do município. Mas a apuração da Tribuna deu conta de que um possível processo de retomada dos orelhões não causaria grandes impactos na cidade.
Uma questão burocrática
Quase dois meses depois de assinar o Termo de Autocomposição, em 30 de janeiro deste ano, a Oi – operadora responsável pelo serviço de telefonia fixa em Juiz de Fora e em 26 dos 27 estados brasileiros – foi notificada pela Anatel para dar início ao processo de regularização dos orelhões. No entanto, a empresa apresentou recurso administrativo contra essa decisão, pedindo também efeito suspensivo. O recurso ainda não foi julgado.
A Tribuna questionou a empresa para entender como está o processo de manutenção dos orelhões nas mais de dez mil localidades em que é a única prestadora do serviço de telefonia pública, segundo a Anatel. “A manutenção dos orelhões que não são mais obrigatórios não é efetuada, tendo em vista que eles serão retirados. No caso de Juiz de Fora, a maioria das localidades possui outras modalidades de telefonia, e, desta forma, a Oi não é obrigada a manter esse serviço. Cada dia, a Oi/Anatel analisam várias localidades, onde não é mais necessário ter essa obrigação.”

A Oi informou, no fim de agosto, que conseguiu diminuir o número de localidades categorizadas pela Anatel como “obrigatórias” de 10.650 para quase 9 mil. A operadora também se posicionou em abril do ano passado, revelando os altos custos de funcionamento dos orelhões – cerca de R$ 100 milhões anuais – e criticando a baixa demanda pelo serviço em certas regiões.
Conforme a Oi, apenas os orelhões de Toledos e Mascate são obrigatórios e somente eles devem permanecer funcionando na cidade ao longo dos próximos anos.
Solução anacrônica para o cenário atual?
Para o engenheiro Fernando Vieira, os telefones públicos mudaram o hábito de se comunicar para diferentes gerações: “Até então, ligar era somente de casa ou em comércios. Desde que os telefones passaram a estar nas ruas, a facilidade aumentou.” Para a jornalista Márcia Costa, as novas tecnologias são mais práticas e baratas, mas o orelhão não deixa de ocupar um espaço saudoso na memória daqueles que viveram o equipamento no seu auge.
Mesmo sendo uma tecnologia tão datada, o orelhão ainda poderia ser uma solução fora do seu tempo? “Quando falamos de inclusão digital e de desigualdade de acesso à comunicação é preciso pensar em modernização dos recursos. Os orelhões tiveram um inegável impacto cultural na sociedade brasileira. Nos lugares com enormes dificuldades para expansão de novas tecnologias ainda podem funcionar promovendo o direito de todos”, acredita o historiador Vanderlei Tomaz.

Questionada sobre políticas de comunicação, em especial no contexto rural, a Prefeitura informou que contempla políticas de acessibilidade digital por meio de programas de educação e inclusão, ampliando as condições de acesso da população. Porém, ao ser questionado sobre a qualidade do sinal nessas localidades, o Executivo municipal responsabilizou a Anatel pela regularização do acesso à internet e às outras tecnologias.
A Anatel, por outro lado, informou que, com a mudança nos contratos do serviço de telefonia pública, não é mais possível exigir às empresas que ampliem o número de orelhões, mesmo em áreas onde o acesso à comunicação é precarizado. Conforme a agência reguladora, para as localidades rurais também se espera a cobertura pelo serviço de voz móvel, não havendo mais previsão legal de aumento de pontos obrigatórios para atendimento pela Oi ou qualquer outra empresa responsável pela comunicação no município.
Resta, então, torcer para que novas soluções sejam colocadas em prática para garantir à população da Zona Rural dignidade no acesso à comunicação, enquanto os orelhões permanecem na memória.
*Estagiário sob supervisão da editora Fabíola Costa
Tópicos: anatel / comunicação / orelhões / Zona Rural