HMTJ é alvo de operação da PF contra corrupção na saúde
Organização social, que atua na cidade e no Rio de Janeiro, teria recebido R$ 280 milhões devidos pelo Governo fluminense em troca de suposta propina
A Organização Social de Saúde Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus (HMTJ), que atua na gestão de unidades hospitalares em Juiz de Fora e no Rio de Janeiro, é alvo da operação Kickback, deflagrada pela Polícia Federal (PF) na manhã desta terça-feira (15). O objetivo da ação, realizada em conjunto com a Procuradoria Geral da República, é apurar possível esquema criminoso que pode ter causado prejuízo de mais de R$ 50 milhões aos cofres públicos do estado fluminense. Dez mandados de busca e apreensão e dois de prisão preventiva foram autorizados pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Benedito Gonçalves, que também consentiu medidas cautelares diversas da prisão e a indisponibilidade de bens dos investigados.
Em Juiz de Fora, as buscas ocorreram no HMTJ, na Avenida Itamar Franco, no Bairro São Mateus, Zona Sul, e em endereços ligados a José Mariano Soares de Moraes, um dos administradores da organização social. Os cerca de 40 policiais federais mobilizados também cumpriram as ordens judiciais nas cidades do Rio, onde foi preso um advogado, de Niterói e Nova Iguaçu (RJ).
Segundo a PF, o desvio de recursos na área da saúde ocorreria por meio de pagamento de dívidas inscritas na modalidade “restos a pagar”, ou seja, de despesas do Estado do Rio que teriam ficado pendentes de um ano para o outro. Para receber os valores devidos pelo Governo fluminense em decorrência da administração de unidades hospitalares e “furar fila”, algumas organizações sociais, como a HMTJ, acrescenta a PF, teriam aceitado participar de um acordo com o alto escalão da Administração pública – mediante operadores financeiros e escritórios de advocacia-, que previa a devolução de uma porcentagem do valor em forma de propina.
Além disso, conforme a PF, a citada organização social teria feito pagamento de R$ 50 milhões a um escritório de advocacia no Rio. Este, por sua vez, teria repassado mais de R$ 22 milhões para pessoas físicas e jurídicas ligadas ao mesmo operador financeiro identificado nas operações Placebo e Tris in Idem, que culminou com o afastamento do governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), no fim de agosto.
A operação desta terça foi batizada de Kickback, em referência ao termo utilizado por um colaborador na delação do esquema sobre a execução do pagamento devido mediante retorno de propina.
Em nota divulgada pela assessoria, a defesa da Organização HMTJ esclareceu que, “ao longo das investigações, sua diretoria prestou todos os esclarecimentos necessários à elucidação dos fatos”. A entidade ainda garantiu que “isso seguirá sendo feito, de modo a contribuir com as investigações e provar que o HMTJ não tem qualquer envolvimento ilícito em relação aos fatos por ora sob investigação”. A assessoria lembrou que o hospital é uma instituição tradicional, com mais de 90 anos de serviços prestados à população.
José Mariano é citado em denúncia do MPF
A Tribuna teve acesso a uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF) que detalha a suposta participação da Organização Social de Saúde Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus (HMTJ) no esquema de pagamento de propina para ter prioridade no recebimento de valores citados como “restos a pagar” nas despesas orçamentárias do Governo do Estado do Rio de Janeiro.
Segundo o MPF, nos primeiros meses de 2019, início da gestão do governador Wilson Witzel, foi criado um sistema de desvio de recursos públicos decorrentes dos “restos a pagar”, junto a organizações sociais vinculadas à Secretaria de Saúde do Estado do Rio. “Em decorrência da crise econômica na gestão Cabral/Pezão, o Governo estadual contraiu dívidas milionárias com as organizações sociais que administravam hospitais e UPAs no estado. Essas dívidas foram objeto de barganha e possibilidade de obter vantagens ilícitas para a organização criminosa”, introduz o MPF, para continuar: “A Organização Social de Saúde Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus é uma das organizações sociais responsáveis pela gestão de unidades de saúde do Estado do Rio de Janeiro. A dívida inscrita em restos a pagar no orçamento do Estado era de R$ 500 milhões. Diante da demora no recebimento, o então secretário de Saúde, Edmar Santos (em comum acordo com outros dois envolvidos no esquema), procuraram José Mariano Soares de Moraes, ‘dono’ da Organização Social HMTJ, para oferecer a possibilidade de a HMTJ receber os créditos administrativamente, com a condição do repasse de 20% do valor ser destinado ao grupo criminoso, através de operador financeiro.” Ainda de acordo com a denúncia do MPF, José Mariano teria aceitado o negócio ilícito e realizado os repasses na forma acordada com o bando criminoso.
Conforme o MPF, um colaborador confirmou em depoimento o sistema ilícito criado pela organização criminosa para obtenção de vantagens indevidas, citando a cobrança de um “kickback” nos pagamentos de restos a pagar. Os critérios fraudulentos teriam sido estabelecidos porque não havia dinheiro para pagar a todos. Ainda segundo o delator, “houve um caso específico em que ele recebeu um pedido de seu amigo José Mariano, que tinha ficado com dívidas não pagas de governos anteriores”. O denunciante, conforme o MPF, teria dito que José Mariano teria pedido ajuda para receber os valores devidos, sem oferecer qualquer vantagem indevida. Dessa forma, o colaborador teria levado a questão ao grupo, que teria repassado o caso ao escritório de advocacia envolvido no esquema. Ainda segundo o delator, em um segundo almoço com José Mariano, este o teria questionado se deveria pagar os honorários cobrados pelo escritório na garantia de ter os “restos a pagar” quitados. O colaborador teria confirmado, e o escritório sido efetivamente contratado, fazendo acordo extrajudicial com a Secretaria de Saúde, para requerer o pagamento dos valores atrasados devidos à HMTJ.
Defesa nega ter ocorrido qualquer acordo
Em nota, a defesa de José Mariano Soares de Moraes nega de forma veemente que o cliente tenha acordado qualquer tipo de vantagem oferecida por terceiros. “Suas eventuais relações com as autoridades públicas em nome do HMTJ sempre observaram, estritamente, os preceitos da ética, da transparência e da legalidade.”
A defesa confirmou que José Mariano foi alvo de mandado de busca e apreensão na manhã desta terça e informou que ele colaborou com a autoridade policial, “visto que já havia se colocado à disposição – inclusive do Ministério Público – para prestar informações sobre o caso e apresentar quaisquer documentos julgados necessários”.
Ainda no texto, esclareceu que José Mariano não é proprietário do HMTJ. “A instituição é uma associação civil e não possui, por isso, um dono, sendo administrada por um conselho.”