Justiça barra pagamento de pensão a jovem ‘casado’ com a tia-avó
Esquema descoberto em JF envolve servidora pública falecida e poderia gerar prejuízo de cerca de R$ 4 milhões aos cofres públicos
Uma investigação da Procuradoria da Advocacia Geral da União (AGU) em Juiz de Fora evitou, na Justiça Federal, uma tentativa de fraude feita por uma servidora do INSS da cidade com objetivo de beneficiar seu filho com recebimento de pensão por morte. O esquema poderia causar um prejuízo estimado em R$ 4 milhões aos cofres públicos.
A tentativa de fraude teve início após a mãe, que é servidora do INSS, solicitar, em nome do filho de 29 anos, o recebimento de pensão da tia-avó, com quem ele era casado desde 2009. À época do matrimônio, a senhora tinha 84 anos, e o rapaz, 19.
No dia 14 de junho de 2018, aos 94 anos, a servidora aposentada da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) veio a falecer. Além da aposentadoria junto à UFJF (Ministério da Educação), a médica recebia ainda aposentadorias do INSS e do Estado de Minas Gerais.
Com a morte, a mãe do rapaz, que é sobrinha da ex-servidora da UFJF, requereu, por meio de procuração, a pensão federal a seu filho. O valor mensal que o jovem receberia, apenas da União, era de R$ 6,5 mil.
Considerando a expectativa média de vida de 76 anos do brasileiro, ele poderia passar 47 anos recebendo o benefício, causando um prejuízo de cerca de R$ 4 milhões aos cofres públicos. O fato chamou a atenção dos demais servidores do INSS, que procederam com a denúncia.
‘Típica vida de solteiro’
Durante as investigações, os advogados da União demonstraram que a médica falecida era, na realidade, solteira e vivia internada em residências para idosos desde 2008. Por meio de apurações feitas nas redes sociais, a AGU comprovou que o jovem levava uma “típica vida de solteiro”, o que incluía frequente compartilhamento de fotos de diversas viagens e “baladas”, sem qualquer indício de “manutenção de vínculo de casamento” com a falecida. Foram analisados conteúdos postados entre 2011 e 2017.
Diante da materialidade dos indícios, a Advocacia Geral da União (AGU) entrou com pedido de suspensão do pagamento na Justiça Federal em Juiz de Fora. “Constata-se que o casamento lavrado, por estar envolto por circunstâncias claras e cristalinas que maculam sua validade, principalmente quanto à assunção de responsabilidades no que se refere à constituição da família e a livre manifestação de votação, não deve ser reconhecido para fins previdenciários”, defendeu a AGU na ação.
Responsável pelo julgamento do caso, o juiz da 3ª Vara Federal, Bruno Savino, acolheu, em caráter de urgência, a suspensão do pagamento da pensão. Na decisão, o magistrado reconheceu que as fotos nas redes sociais demostravam a “típica vida de solteiro” e a “gritante diferença de idade”, confirmando, portanto, a simulação do casamento para “obtenção fraudulenta de benefícios previdenciários”.
“Além da inverossimilhança do suposto relacionamento entre um sobrinho-neto adolescente e sua tia-avó octogenária, as fotos postadas pelo réu em redes sociais, em que não há qualquer menção ao seu insólito casamento, ou mesmo manifestações ou mensagens sobre a perda de sua esposa levam a crer, pelo menos neste momento procedimental de cognição não-exauriente, que tudo não se passou de uma simulação bem engendrada para a obtenção de benefícios previdenciários”, alegou o magistrado.
Sindicância
Diante dos fatos, Savino suspendeu os efeitos do casamento perante a União em razão dos “fortes indícios de fraude”, com consequente interrupção do pagamento a pensão por morte do INSS e da UFJF. O caso segue em tramitação na 3ª vara da Justiça Federal em Juiz de Fora. A mãe do jovem, servidora do INSS, terá a conduta investigada em uma sindicância no órgão.
Procurado nesta segunda (15) para confirmar o recebimento da pensão por parte do Governo de Minas Gerais, o Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg) confirmou que o jovem teve o pedido de recebimento de pensão deferido em agosto deste ano. No entanto, o órgão informou que a pensão em questão já foi cancelada sem prejuízo de eventuais medidas de natureza criminal.
A Tribuna tentou contato com o réu na ação, mas uma funcionária informou que ele não se encontrava em casa no momento da ligação.