Juiz-foranos se unem em ato contra morte de vereadora Marielle Franco
Segundo organizadores, cerca de 700 pessoas se encontraram em frente à Câmara Municipal e seguiram em passeata pelas ruas do Centro
Exigir rigor na apuração da morte da vereadora Marielle Franco foi o objetivo da manifestação ocorrida na noite desta quinta-feira (15), no Parque Halfeld, em frente à Câmara Municipal. O ato “Marielle Franco, presente!” foi convocado pelo PSOL pelas redes sociais e levou cerca de 700 pessoas às ruas da cidade, segundo os organizadores do movimento.
Um dos coordenadores do ato em Juiz de Fora e membro do PSOL, Felipe Fonseca, diz que a mobilização é uma resposta ao que ele considera uma execução política contra uma vereadora defensora dos Direitos Humanos. “Exigimos a apuração desse atentado. Marielle era uma mulher negra, lésbica, da periferia do Rio de Janeiro, e esse assassinato tem as características de um país que mata mulheres, LGBTs, mata a juventude e a população de periferia.”
Segundo o militante, essa morte não fica ao largo da polarização política vivenciada no Brasil. “Temos visto como que setores de extrema-direita têm tido tanta facilidade e desenvoltura para colocar pautas em defesa da ditadura e da tortura. Vemos o aumento desse conservadorismo, e esse caso no Rio tem total relação com o contexto político de ataques aos direitos sociais e de reação aos trabalhadores. A execução de Marielle é a execução política de uma lutadora, de uma vereadora ligada às pautas sociais, às denúncias sobre a intervenção militar no Rio de Janeiro, ao papel que a Polícia Militar cumpre na periferia do Rio, sobre o papel da milícia.”
A coordenadora do Centro de Referência de Direitos Humanos de Juiz de Fora, Fabiana Rabelo dos Santos, descreveu sua dor ao acordar na manhã desta quinta-feira (15). “Perdemos uma companheira de luta. Marielle sempre esteve presente, representando as minorias. Mulher, negra, tinha na sua trajetória a vivência de muitos preconceitos, mas nunca fugiu da luta.” Para Fabiana, a perda da vereadora, que é cria da Favela da Maré, é um momento de fazer uma revisão de pensamentos.
“Vivemos uma época de redução de direitos, momento em que está em jogo a democracia. Ela deixa um legado e temos o compromisso de continuar, de estar nas ruas. Estamos vendo mulheres em todo o Brasil se manifestando. Estamos também nos mês das mulheres, com mote voltado para um basta na violência, e hoje perdemos uma companheira de luta. As mulheres não vão se calar, não podemos nos calar e estaremos sempre na luta para que não sejamos caladas como Marielle foi calada. Esperamos justiça e rigor nas investigações desse crime.”
Denúncias sobre a intervenção federal no Rio
Na visão de Fabiana Rabelo, a intervenção federal no Rio de Janeiro também deve ser repensada. “Marielle estava à frente de uma comissão que investiga essa intervenção, colhendo denúncias. Sabemos a quem a intervenção está endereçada, aos pobres, aos negros, aos trabalhadores que moram nas periferias. Esse momento é para a gente se manifestar para que seja revista.” O militante do PSOL Felipe Fonseca concorda. “O PSOL se coloca contrário, pois ela não resolve o problema de violência, que só vai ser resolvido com um outro método de tratar a segurança pública e o debate sobre as drogas. Além disso, se resolve fazendo um enfrentamento direto às milícias que atuam no estado, na cidade. Então, essa intervenção só cumpre um papel eleitoral, para tentar resgatar a popularidade do presidente Michel Temer, do MDB, partido que está esfacelado no Rio, além de enganar a população que se sente mais, a cada dia, insegura.”
‘Que seu legado não se apague’
O juiz-forano João Paulo Oliveira, assessor do vereador Tarcísio Motta, também do PSOL/RJ, era amigo íntimo da parlamentar e, sob forte comoção, exaltou o papel dela na sociedade. “A Marielle representava, e representa ainda, uma virada da sociedade brasileira, da tomada de noção da importância da representatividade da mulher, da mulher negra da favela na política, no cotidiano e na política institucional. Ela tinha muita força. A partir do momento em que ela resolve entrar para a política, ela representa uma parcela da população, não só carioca, mas brasileira, que, há anos, vem sofrendo com a discriminação, com o machismo. Eu só espero que o que ela deixou de legado não se apague, e, ao contrário, que seja elevado, até pelo nome dela, em nome do que ela estava fazendo.”
À Tribuna, João Paulo contou que desconhece o fato de Marielle ter recebido ameaças. “A Marielle trabalhou por dez anos na Comissão de Direitos Humanos, era assessora do (Marcelo) Freixo. Ela era justamente a primeira pessoa que chegava na favela quando alguém morria. Ela conversava com a família das pessoas que tinham seus parentes assassinados, então ela tinha uma moral, uma penetração muito grande entre determinados nichos que, de alguma forma, a protegiam nesse sentido.”
“Essa é uma situação muito delicada, pelo momento que estamos vivendo no Brasil, e, que, por mais triste que seja, vai dar muita força para tudo aquilo que a Marielle representava. Eu espero que as mulheres, os negros, os favelados possam, sim, levantar sua voz e ir para a rua e mostrar que tem algo de errado acontecendo. Podridão não está na favela. Por mais que, muitas vezes, a mídia coloque a culpa da situação brasileira na favela, isso não está na favela, está muito claro. O assassinato da Marielle mostra que há um problema na institucionalidade brasileira. Espero que a gente tenha força para poder ir à luta e conseguir reverter esta situação”, desabafa João.
‘Está se tornando um símbolo para nós’
O Candaces, coletivo que milita na causa feminina negra há quase uma década, esteve presente no ato convocado pelo PSOL. Dentre as participantes, duas historiadoras que acompanham a trajetória de Marielle conversaram com a Tribuna: a historiadora, teóloga e mestranda em História na UFRJ, Mariana Gino, e a historiadora e professora da disciplina no ensino fundamental, Giovanna Castro.
“Várias ações em solidariedade em relação à família e a seus amigos pessoais têm demonstrado que ela era querida por todos. Ela sempre levantou a bandeira dos direitos humanos, sem colocar o partido na frente. Ela era Marielle, independente se estava lutando por uma causa dos extermínios do(a)s jovens negro(a)s, contra homofobia, ou então contra o homicídio de mulheres de uma maneira geral. Ela sempre mostrou a cara e a cor dela e está se tornando um símbolo para nós”, afirma Mariana.
“Era por volta das 4 da manhã quando li a notícia, e a primeira coisa que vem é o desespero. É uma mulher negra, que milita em torno do genocídio do povo negro e que tem uma postura completamente combativa, dentro da política legalizada, porque ela foi eleita para um cargo público, e os que a eliminaram não vêem problema nenhum em executá-la. Porque Marielle foi executada em um ato público, espaço aberto, com testemunhas. As pessoas usufruem de uma ideia de impunidade e banalização da violência sobre o corpo dessa mulher, pelos aspectos que ela denuncia”, reflete.
Mariana coordena um grupo de estudos acerca do racismo e religiões africanas na UFRJ e estava envolvida, inclusive, na organização do evento em que Marielle participava na Lapa, antes de seu carro ser perseguido pelos assassinos da vereadora e seu motorista. A execução de Marielle fez a historiadora relembrar o movimento das “Mães de Acari” contra a chacina que ocorreu em julho de 1990 na comunidade. “Assim como Marielle, Edméia da Silva Euzébio, doméstica, foi assassinada no período em que ia fazer denúncias sobre as violências que ocorriam na favela de Acari. Marielle é mais uma dessas vozes silenciadas.”
Giovanna Castro lamenta a vida das várias Edméias e Marielles que são assassinadas todos os dias e não chega a nós, afirmando que o Brasil vive um genocídio da população jovem e negra. “O estado brasileiro decidiu exterminar a população negra e as pessoas não se atentam a isso. Quando uma figura pública negra é eliminada, as pessoas levam um susto, mas susto de quê? As pessoas já tinham que ter se assustado muito tempo atrás. O mais absurdo disso é que a eliminação dela gera uma comoção na qual as pessoas não estão preocupadas com as causas que ela mesma defendia. Uma das questões principais dela era a de compreender como o Estado do Rio de Janeiro e o Governo como um todo vêm tratando as populações ditas periféricas, e como a população pobre tem sido flagrantemente ignorada e eliminada pela segurança pública.”
Nas ruas, gritos de protesto
Dezenas de rosas e uma vela marcaram a manifestação na Câmara Municipal de Juiz de Fora em protesto contra o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco e do motorista Anderson Pedro Gomes. Na fachada do Palácio Barbosa Lima, cartazes falavam sobre toda a indignação dos presentes. Segundo o presidente do PSOL de Juiz de Fora, Frederico Krepe, cerca de 700 pessoas participaram do ato, que partiu do Parque Halfeld pelo Calçadão, passou pela Avenida Getúlio Vargas e terminou na Praça Antônio Carlos.
O PSOL abriu inscrição para que as pessoas pudessem falar ao microfone. A cientista política e professora do Departamento de Ciências Sociais da UFJF, Marta Mendes, era uma das participantes do ato. Ela contou que conheceu Marielle, em 2017, quando ela esteve na UFJF, para participar de uma mesa de discussão de gênero e raça. “A presença dela foi uma experiência para a gente em vários aspectos. Primeiro, porque temos muito o que aprender com a trajetória dela. No Brasil, estudamos muito as razões do fracasso das mulheres em entrarem na política e estudamos pouco quando elas conseguem. Essa trajetória tem muito a ensinar”, avaliou a professora.
No país
No país, milhares de pessoas também foram às ruas protestar contra a morte de Marielle. Em São Paulo, os manifestantes ocuparam a Avenida Paulista. Organizadores estimam que entre três e cinco mil pessoas participem do protesto na capital paulista. O ato assumiu um tom de defesa do feminismo e das minorias. No Rio, a mobilização ocorreu na Cinelândia. Também foram confirmados atos em Brasília e outras seis capitais.
Câmara de JF ecoa morte e aprova moção de pesar
A Câmara Municipal aprovou, durante a noite, uma moção de pesar pelo assassinato de Marielle. A brutalidade do crime ecoou nas dependências do Palácio Barbosa Lima durante as atividades parlamentares e, por duas vezes, os presentes em plenário realizaram homenagens, fazendo um minuto de silêncio. Proponente da moção de pesar, o vereador Roberto Cupolillo (Betão, PT) sugeriu que o dispositivo fosse encaminhado à Câmara do Rio de Janeiro e à família de Marielle.
Vários vereadores reforçaram a tese de que a parlamentar carioca teria sido exterminada por sua atuação, focada em aspectos de defesa dos direitos humanos e de denúncias de possíveis abusos cometidos por agentes de força de segurança em comunidades do Rio. “Ela foi executada a tiros com cunho altamente político. Esta execução faz parte do aumento de violência contra a população do Rio e da escalada de um “estado de exceção”, considerou Betão. Wanderson Castelar (PT) também apontou uma suposta perseguição política relacionada ao crime.
Ex-sargento da Polícia Militar, Carlos Alberto Mello (Casal, PTB), também avaliou que o assassinato de Marielle apresentava vieses de “extermínio”. Outro a utilizar a tribuna do Palácio Barbosa Lima para lamentar o ocorrido foi Kennedy Ribeiro (MDB), que também considerou que a morte da vereadora foi motivada por sua atuação em defesa de comunidade mais pobres da capital fluminense.
Parlamento Jovem debaterá violência contra a mulher
Antes da sessão ordinária desta quinta-feira, a primeira do atual período legislativo, a Câmara fez o lançamento da edição 2018 do Parlamento Jovem, programa mantido pela Assembleia Legislativa(ALMG) em parceria com os legislativos municipais para formação política voltado aos estudantes do ensino médio. Tendo como tema a violência contra a mulher, a solenidade também foi marcada por vários discursos de condolências, indignação e solidariedade ao assassinato brutal de Marielle Franco.
“É mais uma morte de uma mulher negra e de uma militante dos direitos humanos que lutava para expandir a discussão política. É uma tragédia enquanto trajetória pessoal e enquanto símbolo. Temos que pensar nisto como um aviso, mas também como uma continuidade. Muitas ‘Marielles’ já foram vítimas desta violência”, afirmou, emocionado o o professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora, Jorge Chaloub.
Coordenadora de Ações de Extensão da UFJF, Fernanda Souza também dedicou sua explanação à vereadora assassinada no Rio de Janeiro, destacando a importância de ações como o Parlamento Jovem conscientizar a sociedade sobre prerrogativas democráticas e formas de mobilização contra “atos de violência que silenciam vozes que se levantam, como as de Marielle”.
Presidindo a sessão, o vereador Antônio Aguiar (MDB) também abordou o tema. “A violência no país é enorme. Somos um dos campeões mundiais no número de homicídios em algumas regiões, e a mulher também sofre com a falta de proteção. Infelizmente o crime cresce com a impunidade”, considerou o emedebista.
Integrantes
Recém-instalado em Juiz de Fora, a atual edição do Parlamento Jovem será integrada por oficinas de debate com os estudantes, que serão marcadas semanalmente nas escolas para discutir questão relacionada à violência contra a mulher. Além disto, o programa também intenta o fomento ao conhecimento político e democrático e à participação política. As escolas participantes deste ano são: Colégio Apogeu; Colégio dos Jesuítas; Colégio Vianna Júnior; Colégio Tiradentes; e Escola Estadual Professor Cândido Motta Filho.