PAM-Marechal concentra queixas por demora em consultas e exames no SUS

Local é referência em atendimentos de média complexidade e recebe moradores de áreas sem cobertura por UBS


Por Fernanda Castilho

10/08/2025 às 06h00

Longas filas nas primeiras horas da manhã, espera por vagas que pode se estender por meses, falta de informações claras e infraestrutura comprometida. Esses são algumas das queixas recorrentes de usuários do PAM-Marechal, no Centro de Juiz de Fora. O local concentra grande parte dos agendamentos da chamada Atenção Secundária na rede pública, nível intermediário entre os cuidados básicos, realizados nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), e os de alta complexidade, prestados em hospitais

No PAM são feitas marcações para consultas com especialistas, exames de imagem e laboratoriais, pequenas cirurgias e outros procedimentos ambulatoriais. O serviço também atende moradores de áreas descobertas, que não contam com UBS, funcionando como referência para demandas represadas da atenção primária.

Esta é a segunda reportagem da série especial sobre a Saúde Pública em Juiz de Fora. Após abordar a Atenção Primária, por meio das Unidades Básicas de Saúde (UBS), a Tribuna discute a Atenção Secundária, uma ponto central para o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). O bloqueio nesse nível do sistema impacta diretamente a resolutividade da rede e sobrecarrega os serviços de urgência e emergência, tema da próxima reportagem da série.

A Tribuna esteve no local em diferentes dias para acompanhar a rotina do serviço e ouvir relatos de quem depende do atendimento. Para preservar a identidade dos entrevistados, os nomes utilizados nesta reportagem são fictícios.

Usuários relatam atrasos e incerteza em consultas e procedimentos

“Demora para marcação sempre tem”, resume Elena Santos, 51 anos, que esteve no local antes das 7h em busca de marcar, pela terceira vez, um exame de sangue solicitado cerca de duas semanas antes. Para ela, a diminuição da carga horária dos profissionais da saúde tem contribuído para a redução da oferta. “Continua a mesma quantidade de pessoas com menos horários para atendimento e menos pessoas para atender também.”

Além do exame, Elena afirma que há 11 meses aguarda uma consulta com oftalmologista e que também está na fila para avaliação cirúrgica após diagnóstico de cálculo na vesícula. “O exame que indicou a necessidade da cirurgia tem mais de dois anos. Até hoje, não consegui passar pelo cirurgião.”

O problema é semelhante ao enfrentado por Tereza Resende, 61 anos. Após aguardar aproximadamente um ano e três meses por uma vaga com oftalmologista, ela procurava o PAM para tentar descobrir a data marcada. “Ninguém informa direito. A fila é sempre muito grande. Falam que é só esperar, mas eu preciso trabalhar e não posso ficar vindo aqui sempre. A gente precisa, mas não tem como ficar pagando médico particular.”

Entre os documentos que carregava, Tereza também apresentava um pedido de ultrassonografia do punho, datado de março de 2024, ainda sem agendamento. Segundo ela, o acompanhamento com ortopedista também não tem previsão, o que a obriga a pagar por consultas em clínicas populares.

A usuária Dayana Souza, 33 anos, que vive em uma região sem cobertura por UBS, também relata dificuldade para marcar atendimento com ortopedista. “Tenho dor na coluna. Quando pedi a consulta, disseram que sou nova e receitaram só remédio. Outro clínico me deu o encaminhamento, mas agora preciso conseguir agendar.” Mãe de duas crianças, ela ainda aguarda atendimento com otorrinolaringologista e oftalmologista para os filhos.

Na fila também estava Geraldo Carvalho, 67 anos, que aguardava a realização de exames laboratoriais marcados há quase um ano. Ele também está na espera por uma colonoscopia indicada por sua médica para avaliação do intestino. Situação semelhante é vivida por Vilma Costa, 79 anos. Segundo ela, o exame chegou a ser agendado, mas foi suspenso devido à quebra do equipamento. “Agora tenho que voltar ao posto para remarcar. Isso já está rodando na minha mão há quase um ano.”

 

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Usuários reclamam da demora para conseguir vagas para consultas especializadas e exames (Foto: Fernanda Castilho)

Conselho Municipal alerta para o esvaziamento e a precariedade do PAM

A longa espera por consultas, exames e pequenas cirurgias no PAM-Marechal está relacionada a um conjunto de fatores estruturais e operacionais, segundo o presidente do Conselho Municipal de Saúde (CMS), Jorge Ramos. Ele destaca a escassez de médicos especialistas na rede pública municipal como uma das principais causas da morosidade no atendimento. “Há vínculos precários, com remuneração baixa e alta rotatividade. A maioria dos profissionais é contratada de forma temporária, sem concurso público, o que leva muitos a buscar estabilidade na rede privada”, afirma.

Outro ponto levantado por Ramos é o processo de terceirização dos atendimentos especializados. Para ele, o PAM vem perdendo sua função assistencial, com a transferência de serviços para outras unidades hospitalares. “Estou vendo o PAM-Marechal sendo esvaziado. Gradativamente, o município deixa de oferecer o serviço próprio, e o atendimento especializado passa a ser feito por terceiros”, aponta. Como consequência, usuários precisam se deslocar a outras instituições, o que amplia o tempo de espera e dificulta o acesso.

Segundo o presidente do CMS, o prédio do PAM também enfrenta problemas estruturais graves. “Hoje, apenas cinco dos dez andares estão em funcionamento. O restante está interditado. O prédio já não atende às necessidades atuais. Precisamos de um hospital geral. Enquanto Juiz de Fora não tiver esse serviço próprio, essa pendência vai continuar.”

Ramos também comenta o uso do sistema informatizado Pronto, responsável pela marcação de consultas especializadas a partir dos encaminhamentos feitos nas UBS. Ele reconhece que houve avanços, mas ressalta falhas operacionais. “Aquele médico que não consegue concluir uma avaliação na UBS aciona o sistema para marcar consulta com especialista. Mas ainda há resistência nas unidades e falta de preparo de alguns profissionais para lidar com a plataforma.”

Clínicas populares crescem em meio à demora no atendimento público

A dificuldade para conseguir atendimento especializado na rede pública tem levado pacientes a buscar alternativas em clínicas populares privadas. A situação foi relatada por usuários ouvidos pela reportagem e confirmada pelo presidente do Conselho Municipal de Saúde (CMS), Jorge Ramos. Segundo ele, há um crescimento desse tipo de serviço, inclusive com estabelecimentos localizados na própria galeria onde funciona o PAM-Marechal.

“Na ausência de atendimento, as pessoas pagam, no desespero, valores baixos para se consultar. Realmente, existe um comércio. Vários profissionais que estão entrando agora no mercado, buscando oportunidade para ganhar dinheiro, prestam esse serviço”, afirma Ramos.

De acordo com o estudo “A expansão na demanda e oferta das clínicas populares no Brasil”, realizado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), entre 2018 e 2022 houve um aumento de quase 200% no número de estabelecimentos privados que ofertam consultas especializadas, exames e procedimentos. Esse crescimento, segundo a análise do instituto, é justificado pela longa espera por esses serviços no SUS e pelas estratégias de atração do setor privado.

 

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Pelas manhãs, filas são formadas por usuários em busca de agendamentos (Foto: Fernanda Castilho)

Atendimento especializado é gargalo reconhecido pelo Ministério da Saúde

A dificuldade de acesso a consultas, exames e diagnósticos é considerada um dos principais entraves estruturais do Sistema Único de Saúde (SUS). Dados do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) indicam que cerca de 400 mil mortes por ano no Brasil estão relacionadas a doenças não transmissíveis cujo diagnóstico foi adiado. Já o Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima que os custos com o tratamento do câncer aumentam em 37% quando há desassistência, além de apontar a necessidade de ampliar em mais de 60% o número de biópsias para câncer de mama.

Diante desse contexto, o Ministério da Saúde reconheceu, em junho, o tempo de espera prolongado por atendimento especializado como uma situação de “urgência em saúde pública”. Segundo a pasta, esse é um “gargalo histórico” que foi agravado durante a pandemia de Covid-19.

Como resposta, o Governo federal informou que lançou o programa Agora Tem Especialistas, por meio de decreto publicado também em junho. A iniciativa prevê medidas para ampliar o acesso a consultas, exames e cirurgias na rede pública, com o objetivo de acelerar diagnósticos e tratamentos. Na primeira fase do programa, foram abertas quase duas mil vagas para atuação de médicos especialistas em serviços do SUS.

PJF reconhece a alta demanda e afirma trabalhar para melhorias

A Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), em resposta às demandas enviadas pela Tribuna, reconhece o crescimento da procura por atendimentos especializados, principalmente após a pandemia, formando uma fila de espera “significativa”. Conforme afirma, a Secretaria de Saúde vem trabalhando para reduzir esse acúmulo com ações planejadas, dentre as quais estão a ampliação da oferta de consultas e dos procedimentos especializados por meio do programa Agora Tem Especialistas do Governo federal. “É fundamental salientar que Juiz de Fora exerce papel de referência regional em saúde, sendo responsável por atender uma região que abrange mais de 205 municípios, o que, naturalmente, intensifica a procura pelos serviços ofertados”.

A gestão municipal afirma que não houve prejuízo à população com a redução da jornada dos trabalhadores da saúde, declarando reestruturação das equipes conforme as necessidades e a contratação de 250 novos profissionais. Também afirma que os salários dos servidores vinculados ao PAM-Marechal continuam sendo pagos de forma regular. Quanto à alegação de dependência em prestadores complementares de serviço, declara que esta utilização é uma estratégia adotada para garantir a oferta de atendimentos.

Sobre as questões levantadas quanto à infraestrutura do prédio, a Prefeitura informa que o imóvel pertence à Previdência Social e está cedido para uso municipal. “A ocupação do prédio atualmente é restrita até o sexto andar, conforme determinação judicial, e já existem projetos em andamento para a modernização dos elevadores e melhoria das condições gerais do prédio”, declara.

Sobre as transferências de serviços especializados para outras unidades, a PJF alega que estas ações têm o objetivo de aumentar a oferta e descentralizar o acesso da população aos cuidados em saúde. Também afirma que os profissionais da rede municipal foram capacitados para utilizar o novo sistema de gestão e de encaminhamentos, mas reconhece os desafios de adaptação, por isso, vem investindo na capacitação contínua.

Por fim, sobre o diálogo com o Conselho Municipal de Saúde, o Município declarou que considera-o elemento importante para a construção de políticas públicas de saúde e afirmou que a participação popular é uma prioridade da gestão. “Como espaço democrático, a secretaria trata com naturalidade a existência de eventuais divergências sobre tópicos específicos. Ainda assim, segue empenhada em fortalecer esse vínculo e ampliar a participação social, inclusive por meio de convites constantes para que atue de forma conjunta.”

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