Estudantes buscam alternativas para custear intercâmbio
Alunos da UFJF que não conseguiram bolsa de auxílio financeiro usam a criatividade para juntar dinheiro e custear estadia no exterior
O intercâmbio faz parte dos sonhos da maioria dos jovens que busca enriquecer o currículo e apresentar a experiência como diferencial no mercado de trabalho. Cada vez mais populares, esses programas apresentam diferentes planos disponíveis em agências de viagens e com o apoio, inclusive, de faculdades e universidades. No entanto, muitos jovens acabam desistindo porque não têm dinheiro para custear a viagem.
A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) mantém um programa de intercâmbio, mas foi obrigada a diminuir o número de bolsas oferecidas para os alunos com os cortes orçamentários do Governo federal. Sem auxílio financeiro para viajar, alunos da instituição estão usando a criatividade para juntar dinheiro e custear as despesas do tão sonhado intercâmbio.
O estudante de Arquitetura e Urbanismo Hudson Borges, 20 anos, vai para a Universidade de Évora, em Portugal, e é um dos quase 50 alunos da UFJF eleitos pelo Programa de Intercâmbio Internacional de Graduação 2017 (PII-GRAD) para a mobilidade acadêmica. Ele acredita que é uma oportunidade para completar sua formação, já que pretende trabalhar em um programa da Organização das Nações Unidas (ONU). “Essa experiência vai enriquecer minha formação porque vou poder ver, pessoalmente, tudo que aprendi na faculdade até agora, pois estudamos muito a arquitetura europeia. Além disso, é importante para melhorar até a questão da língua, pois gostaria de visitar outros países europeus.”
Hudson recebe auxílio financeiro da UFJF por meio do Programa de Apoio Estudantil, mas o valor é suficiente apenas para se manter estudando. “Apesar de morar com meus pais, eu não teria condições de me sustentar na faculdade, pois os materiais necessários para cursar Arquitetura são caros. Para o intercâmbio, era necessário ainda mais dinheiro. Por isso, pesquisei na internet formas de juntar, e surgiu a ideia de vender doces.” Foi assim que o estudante começou a fazer brigadeiros de diferentes sabores para vender.
Com o montante obtido por meio das vendas, ele acredita já conseguir custear os gastos no exterior, apesar de ainda precisar de um valor maior, que pretende obter economizando em outras situações e com a ajuda da família. “Previ que precisaria, para o intercâmbio inteiro, R$ 10 mil, mas não conseguiria juntar esse valor vendendo os doces. Então, defini que os R$ 5 mil arrecadados com a venda de doces seriam para os meus gastos lá, como hospedagem, alimentação, transporte, etc. Por enquanto, estou chegando aos R$ 3 mil, porque ainda faltam mil doces para vender”, conta.
Antes de decidir vender os doces, o estudante, que está no sétimo período, achou que seria muito difícil conciliar a faculdade, a produção e as vendas. Mas ele foi incentivado por familiares e amigos e garante que o apoio deles tem sido essencial para alcançar sua meta. “A previsão inicial era vender 40 doces por dia, mas eu não conseguia sozinho porque tinha muitas aulas, então dividi com a minha mãe, que me ajuda vendendo doces na escola onde trabalha. Meus amigos também são essenciais, porque muitos deles acabam comprando quase todos os dias para me ajudar a atingir a meta, e quando veem que estou muito cansado, me ajudam a vender.”
Intercâmbio completa formação acadêmica
Foi depois de uma conversa com familiares que o estudante de Engenharia Elétrica, Lucas Bomtempo, resolveu criar uma rifa para conseguir viajar para Covilhã, em Portugal, onde vai permanecer por seis meses. Para ele, o método é uma oportunidade rápida de juntar dinheiro para os gastos iniciais da viagem. “Meus pais não têm como me bancar em Portugal por seis meses. Pensando nisso, percebi que precisava ajudá-los financeiramente. A rifa foi o meio que encontrei para ajudar a bancar o gasto inicial, que é muito alto. Estou vendendo mil bilhetes a R$ 5 cada. Tirando os gastos para imprimir os bilhetes e o prêmio de R$ 400, vou arrecadar R$ 4.500.”
O estudante está otimista com a viagem e vê na experiência uma chance de realizar seu próprio sonho e o dos pais. “Desde que entrei na faculdade, é um sonho fazer intercâmbio e ter uma experiência e uma vivência diferente da que eu tenho no Brasil. Além de ter um significado muito importante profissionalmente, porque muitas empresas consideram isso, terei outras referências técnicas, fator importante no meu curso. É a realização de um sonho que não é só meu, mas também dos meus pais, que têm um orgulho muito grande e querem ajudar.”
A estudante do Instituto de Artes e Design, Paula Duarte, que cursa sua segunda graduação, também sente que o intercâmbio é uma chance ímpar. Apesar de não ter todo o dinheiro necessário para a viagem, ela tem apostado na criatividade para conseguir dinheiro. Ela vai para a Universidade do Porto, também em Portugal, e tem economizado para a viagem. “Sou fotógrafa e estou vendendo meus trabalhos. Além disso, fiz uma espécie de ‘lojinha’ para vender coisas minhas, das quais enjoei, como roupas e sapatos. Também estou pegando caronas para economizar no transporte e parei de comer na rua. Mas só isso não tem sido o suficiente, e acho que o próximo passo será vender meus livros.”
Ela conta que a ajuda da família tem sido fundamental. “Meu irmão vai me ajudar com algum dinheiro, e minha mãe assumiu algumas taxas. Estou comprando as passagens em dez vezes, também na tentativa de diminuir os gastos agora.” Apesar de ser uma das experiências mais importantes para o currículo hoje, o intercâmbio tem custos penosos para a maioria dos alunos de graduação, avalia Paula.
“O intercâmbio é muito simbólico, e, de fato, hoje em dia é importante ter essa experiência no currículo. Mas acho que estou em uma condição privilegiada, pois há pessoas que nem se inscrevem no programa por não terem como custear a viagem. Conheço alunos que, inclusive, foram selecionados pelo programa da UFJF, mas estão quase desistindo de ir por não terem como bancar. O intercâmbio é muito elitizado e está muito longe de ser um processo democrático”, lamenta.
Cortes orçamentários impactaram bolsas
Desde fevereiro de 2015, os orçamentos das universidades federais têm sofrido cortes por parte do Governo. Naquele ano, a UFJF teve um contingenciamento de 30% no orçamento. Novo corte foi anunciado em abril de 2017, quando a redução foi de mais de 22% com relação ao orçamento do ano anterior. Com orçamento de R$ 66 milhões, apenas 65% dos R$ 101 milhões estipulados pela Administração como necessários para o funcionamento ideal da instituição, as políticas de assistência a alunos intercambistas sofreram modificações, diminuindo a oferta de bolsas.
“Antes de 2014 tínhamos mais verbas destinadas à internacionalização do ensino. Na UFJF já tivemos cerca de 100 bolsas em um ano. Mas desde então, sofremos com os cortes, que se acentuaram muito no último ano. Acredito que seja uma vitória a UFJF ainda conseguir manter 23 bolsas para intercambistas, pois é como se o reitor reservasse uma parte do dinheiro da matriz orçamentária para não acabar com o intercâmbio”, comenta Bárbara Daibert, da Diretoria de Relações Internacionais da instituição.
Neste ano, de acordo com a diretora, cerca de 50 alunos viajarão para o exterior por meio do PII-GRAD. Destes, 20 terão auxílio financeiro da universidade. Os valores das bolsas são estipulados de acordo com o continente para os quais os alunos viajam e variam entre U$ 2.500 e U$ 6.500 (ver tabela). Conforme edital do PII-GRAD deste ano, o valor repassado aos alunos é convertido em reais, conforme o câmbio atualizado na data de geração da folha de pagamento. Ainda segundo o documento, as bolsas são distribuídas, prioritariamente, a alunos que são apoiados pela universidade.
Apesar de a UFJF não disponibilizar o auxílio para todos os alunos, a diretora ressalta que o PII-GRAD diminui os gastos que os estudantes teriam no exterior, visto que não é necessário que eles paguem as mensalidades das universidades de fora do país. “A maioria cobra mensalidades, cujos valores giram em torno de R$ 30 mil dólares por bimestre. Os alunos da UFJF não pagam, por conta do nosso convênio. Além disso, quando o aluno vai para o exterior, damos as dicas para ele entrar nas redes de alunos e tentar hospedagem gratuita, por exemplo, oferecendo orientações para que ele consiga esse tipo de benefício”.
Além dos cortes, outro fator que influenciou o financiamento de intercâmbios foi o encerramento do programa Ciência Sem Fronteiras. De acordo com a diretora, centenas de alunos da UFJF viajavam por meio do programa federal, extinto no ano passado. “O Ciência Sem Fronteiras era um intercâmbio de graduação para todas as universidades brasileiras. Por meio dele, o aluno adquiria conhecimento e um nível de especialização que, no Brasil, só se consegue na pós-graduação”, lamenta.